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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

P298 - O dia mais triste do meu tempo de Guiné, Por: Eduardo Ferreira - CART 3493 - 1972/74


MSG de: António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex. 1º cabo condutor auto da CART 3493 do BART 3873, Mansambo, Fámandinga, Cobumba e Bissau, 1972/74, com data de 27 de Janeiro de 2017 publicada também em "molianos" do qual é editor.


O dia mais triste do meu tempo de Guiné


Mansambo 1973
Quando “tropeçamos” no passado mesmo que tal tenha acontecido há já muito tempo a mente leva-nos a viver situações que podem ser boas ou más, mas não há como fugir. Foi o que aconteceu comigo há dias ao ler um dos postes publicado no blogue Luís Graça e camaradasda Guiné sobre a construção das instalações de Mansambo onde eu estive treze meses.
Cheguei aquele local uns dias mais tarde que a minha companhia, e no dia que os “velhinhos” nos deixaram fiz o meu primeiro serviço, acompanhado pela G3 que era para mim quase desconhecida, fui um dos que foram fazer segurança ao pessoal que andava a transportar a água para as nossas instalações, chuveiros, cozinha e abrigos. Eramos oito os homens da companhia
incluindo o motorista do unimog e o ajudante, mais os picadores que eram três. A distância entre as
Unimog 411 - Foto da: áreamilitar do Exército Português 
nossas instalações e fonte era de poucas centenas de metros mas pela manhã o trajeto era sempre picado para que o unimog 411 e acompanhantes pudessem passar em” segurança” não fosse estar por lá alguma mina colocada durante a noite.
Quando lá chegamos fomo-nos distribuindo para junto de algumas das árvores que lá existiam, só regressamos às instalações próximo da hora de almoço. Foi à sombra de uma de maior porte que me “instalei”. Enquanto lá estivemos não me lembro de ter falado com algum dos camaradas ali em serviço mas sei que o cérebro não parou de pensar, em quase tudo, só que em nada de bom.
António E. J. Ferreira, 1972
Ver os velhinhos partir com a alegria natural de quem conseguiu chegar ao fim da comissão e vai regressar a casa, e pensar no tempo que nos faltava para que também nós pudéssemos viver um dia assim… na altura, falava-se que seria vinte e dois meses depois foram quase vinte e sete. Preparação para a guerra na Metrópole eu não tive, apenas tinha utilizado a arma duas vezes onde disparei cinco tiros de uma vez e vinte de outra.
A minha recruta e a especialidade foi feita em apenas três meses, No Trem Auto, dos quais três semanas foram passadas no hospital, HMDIC em Lisboa, depois oito meses no RAP3 Figueira da Foz com a especialidade de monitor auto. De guerra e armas nada conhecia, daí a minha falta de preparação, tive que me habituar à situação que todos vivemos, mas fui sempre um fraco guerreiro. Era já perto de meio- dia quando regressamos da fonte, estava psicologicamente arrasado, foi então que antes do regresso me ocorreu uma frase que escrevi num papel que tinha comigo e que me acompanhou durante todo o tempo de comissão simplesmente dizia: tem calma, ainda és jovem e o tempo ade passar. Foram várias as vezes que li essa frase assim como outras que entretanto fui escrevendo. Algumas vezes ajudou mesmo… Mas aquele dia foi de todos o mais triste… ainda hoje está presente na minha mente como se fosse ontem. Mais tarde em Cobumba passei por momentos bastante mais difíceis, mas aí, a tristeza não raramente passou a dar lugar à raiva…

António EJ Ferreira.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

P297 - I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL (Por; Jorge Araújo)

MSG de Jorge Araújo com data de 13JAN2017

Para iniciar a minha participação no blogue, neste Novo Ano de 2017, parti do estudo sócio-demográfico realizado sobre o bi-grupo do Cmdt Mário Mendes (1943-1972), adicionando-lhe o que entretanto apurei sobre o valor atribuído às dimensões “saúde” e “formação escolar”, por parte dos dirigentes do PAIGC, após a realização do seu I Congresso organizado em fevereiro de 1964 na Base de Cassacá, a Sul de Cacine (Frente Sul).
Com um forte abraço de amizade. 
Jorge Araújo.

JAN’2017.

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D) O OUTRO LADO DO COMBATE
I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL
- A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO LITERÁRIA
ANALISADAS NA BASE CENTRAL (MORÉS) EM MARÇO DE 1964 -
1.   INTRODUÇÃO
Concluído o tradicional ciclo festivo anual, onde as dimensões tempo e espaço são reservadas, maioritariamente, para os núcleos familiar e sociais mais próximos, primeiro o Natal e depois a despedida do ano velho, alargado a outros pares por razões diferentes, retomamos quase sempre as rotinas anteriores, ainda que se reformulem expectativas e se acrescentem outras, em resultado de novos desejos e objectivos, na maioria das vezes influenciados pelo imemorial ditado popular «ano novo, vida nova».
Dito isto, e nesta oportunidade, desejo-vos um MELHOR ANO de 2017.
Quanto à temática prospectiva das minhas narrativas, que espero e desejo dar continuidade neste espaço plural, elas continuarão a cruzar os territórios de cada um dos lados do combate, relevando as diferentes acções e o sentido de cada uma delas, visando alargar a sua dimensão historiográfica como um contributo para memória futura.
Assim, como causa/efeito para a elaboração do presente trabalho de investigação histórica está o estudo sociodemográfico relacionado com o bi-grupo do Cmdt Mário Mendes (1943-1972) [apresentado no P296], a que se adiciona os comentários do nosso camarada Cmdt Pereira da Costa [P16891-LG], em particular quando se refere à baixa preparação literária dos guerrilheiros, considerada como realidade inquestionável.
Porque cada comentário, independentemente da sua pertinência ou assertividade, nos permite abrir uma ou mais “janelas” de novas abordagens, o presente texto é disso consequência e/ou exemplo concreto.
Uma vez que só a partir de 1966 foram elaboradas pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra as listas das FARP referentes à constituição dos bi-grupos existentes em cada Frente, onde em muitas delas nada consta sobre a variável «formação escolar» de cada individuo, procurámos indagar sobre o que pensavam, naquela época, os principais dirigentes do PAIGC sobre esta problemática.
Para o efeito utilizámos uma vez mais, como fonte de informação privilegiada, a Casa Comum, Fundação Mário Soares, que agradecemos, reforçada com consultas ao vasto espólio do blogue da Tabanca Grande, com especial destaque e a devida vénia aos trabalhos de recensão - «Notas de Leitura» - do camarada Beja Santos.
Neste contexto e como cronologia de partida, recuámos ao ano de 1964, em particular aos fundamentos que levaram à realização do I Congresso do PAIGC, organizado numa área próxima da Tabanca de Cassacá, situada a cerca de quinze quilómetros a Sul de Cacine, e que serão resumidos no ponto seguinte.
2.   I CONGRESSO DO PAIGC – CASSACÁ [FRENTE SUL]
   - DE 13 A 17 DE FEVEREIRO DE 1964
O tema sobre a realização do I Congresso do PAIGC, organizado entre 13 e 17 de fevereiro de 1964, por proposta de Luís Cabral (1931-2009), em Cassacá, base situada a quinze quilómetros a Sul de Cacine e a trinta da fronteira com a Guiné-Conacri, foi já abordado nos P4122-LG (Luís Graça) e P4137-LG (CarlosSilva).
Ainda assim, voltamos a ele com uma dupla intenção. Por um lado, recuperando o processo histórico mais global, e por outro adicionando-lhe outros elementos particulares incluídos na organização e na vida interna do PAIGC, nomeadamente nas bases criadas no interior do território, como instrumentos de mobilização e motivação para prosseguirem a luta.
É de relevar que os antecedentes do Congresso, a visita de Luís Cabral à zona de Quitafine e Tabanca de Cassacá em finais de 1963 [quiçá na perspectiva de “ano novo, vida nova”], as informações recolhidas em todos os contactos estabelecidos com os combatentes e aquelas que lhe chegavam das frentes, levaram a que o irmão [Amílcar Cabral; 1924-1973] aceitasse, como necessária, a realização de uma reunião geral dos quadros responsáveis pelo Partido, no sentido de se poder discutir e aprofundar esta questão, de maneira a tirar dela todas as lições para o futuro, numa altura que estava concluído o primeiro ano da luta armada.
Os fundamentos que estão na base deste projecto de intenções, bem como o desenvolvimento de cada uma das diferentes acções previstas para antes, durante e depois deste I Congresso podem (devem) ser consultadas no livro de memórias de Luís Cabral: “Crónica da Libertação”, (1984), Lisboa, Edições ‘O Jornal’. Publicações Projornal.
Por isso, é da mais elementar justiça referir aqui o importante trabalho de recensão realizado pelo camarada Beja Santos sobre esta obra que, em função do seu valor e extensão, teve de ser divido em cinco partes: – P7216; P7223; P7232; P7241 e P7259-LG.
Com a devida vénia, aproprio-me, neste contexto histórico, de uma passagem da sua autoria [P7232-LG] onde refere: “Em finais de 1963, Luís Cabral faz a primeira visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base de Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino [da Costa; n-1945-]. Em Cacine estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas, a que se seguiu Gadamael. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine.
As viagens eram morosas e dolorosas, entre a estrada de Boké e a fronteira. Depois vem uma frase enigmática: o Amílcar e o Aristides [Pereira; 1923-2011] foram as únicas pessoas com quem falei sobre os graves problemas que existiam nalgumas zonas do Sul do país. Este facto trazia-nos dados completamente novos sobre a luta, e provou a fragilidade das imensas conquistas obtidas, postas em causa unicamente por falta de informações precisas e controladas sobre a situação real nas diferentes zonas do país.
A experiência acabava de mostrar que os jovens responsáveis da guerrilha eram capazes de esconder ao Secretário-Geral informações de importância capital, quando elas pudessem pôr em causa outros responsáveis. O que se estava a passar era que um conjunto de chefes de guerrilha exercia um poder despótico sobre as populações, chegando a cometer crimes inenarráveis. Independentemente de serem jovens, é incompreensível como tais crimes sistemáticos eram escondidos dos quadros políticos. Como se verá no Congresso de Cassacá, estes criminosos (cuja relação nunca vai aparecer talhada em qualquer documento) serão sumariamente executados, no termo desta reunião”.
2.1 – FOTO-GALERIA DO I CONGRESSO DO PAIGC - 1964
Citação:

Luís Cabral (1964), "Amílcar Cabral e outros companheiros a caminho do I Congresso do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43297 (2017-1-9)
Citação:

(1964-1964), "Amílcar Cabral e grupo de dirigentes do PAIGC a caminho do I Congresso de Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43071 (2017-1-9)

 Citação:

(1964-1964), "Amílcar Cabral e outros responsáveis do PAIGC no I Congresso do partido em Cassacá, na Frente Sul", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43300 (2017-1-9)


Citação:
(1964), "I Congresso do PAIGC em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_85095 (2017-1-9) 

Citação:
(1964-1964), "Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek no I Congresso do PAIGC, em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43444 (2017-1-9)


Fonte:
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 05224.000.046
Título: Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek no I Congresso do PAIGC, em Cassacá.
Assunto: Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek, durante o I Congresso do PAIGC, em Cassacá, na Frente Sul.
Data: Quinta, 13 de Fevereiro de 1964 – Segunda, 17 de Fevereiro de 1964.
Observações: O Congresso de Cassacá (que decorreu em simultâneo com a Batalha de Como) reuniu os principais dirigentes políticos e militares do PAIGC e delegados vindos de todas as regiões do país. Entre as principais decisões do Congresso figuram a reestruturação do partido no plano político, o reforço da mobilização e organização das massas populares, e a reorganização da luta armada (criação de comandos inter-regionais, do Conselho de Guerra, e das FARP – englobando a guerrilha, as milícias e o exército popular).
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Fotografias.
3.   – A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO
   LITERÁRIA ANALISADAS NA BASE CENTRAL [MORÉS]
            - EM 21 DE MARÇO DE 1964
Um mês após a conclusão do I Congresso de Cassacá, na Frente Sul, os responsáveis da Frente Norte, Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira; 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco Mendes; 1939-1978] tomaram a iniciativa de convocar uma reunião para o dia 21 de março de 1964, sábado, a realizar na Base Central [Morés] entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários [políticos] com o objectivo de estudar e discutir as novas fases do desenvolvimento da luta, e ao mesmo tempo para pôr todos os camaradas ao corrente das resoluções aprovadas na reunião de Cassacá.
No final da reunião do Morés foi elaborado o respectivo relatório, que foi remetido ao Secretário-Geral, e por este recebido em 4 de abril de 1964, onde se fez referência aos temas tratados, ao conteúdo de cada intervenção e ao nome de todos os responsáveis que nela tomaram parte, num total de cinquenta e seis elementos.
Eis os dez pontos da Ordem do Dia [dos Trabalhos]:
  1. - Mudança de Táctica.
  2. - Criação de novas bases.
  3. - Recrutamento e treinos.
  4. - Política.
  5. - Disciplina Militar.
  6. - Alimentação.
  7. - Saúde.
  8. - Instrução literária.
  9. - Segurança e controle.
10. - Ligação
Como ponto extra foi abordado o “ataque ao Enxalé” e analisada a sua necessidade.
Considerando a extensão do documento, constituído por doze páginas A4 manuscritas, iremos abordar neste texto somente os pontos 7 e 8, relacionados com os assuntos sociais – saúde e educação –, aliás em conformidade com o exposto na introdução. Esta opção é justificada pelo facto de termos vindo a tratar o tema da saúde utilizando as memórias e experiências vividas por médicos cubanos no apoio à guerrilha, cujos relatos são posteriores a este evento (dois anos; com início em junho de 1966).
Eis a folha de rosto, ou 1.ª página, onde consta o que acima foi referido.   
Ponto 7 = SAÚDE
Djassi – Tudo o que já fizemos e pensamos fazer é devido ao estado normal da nossa saúde. Passo a palavra ao nosso camarada Simão Mendes [enfermeiro] para nos apresentar o relatório elaborado em colaboração com os outros camaradas da saúde.
Simão Mendes – Digo aos camaradas que vou relatar 10 pontos principais conforme o relatório que fizemos:
1 – Medicamentos: - os medicamentos passarão a ser requisitados trimestralmente, requisitando só os medicamentos de maior consumo na Guiné, dando uma regalia aos guerrilheiros como ao povo. Requisitar materiais de pequena cirurgia o mais breve possível.
2 – Doentes para a fronteira: - mandar urgente para a fronteira todos os feridos ocasionados por ferimento de balas uma vez que não há já recursos locais para a sua extracção. Formar um grupo de transporte de doentes ou feridos graves para a fronteira. Esse grupo será nomeado pelo responsável pela Zona Norte. 
 3 – Preparação de Ajudantes de enfermagem para outras bases: - serão escolhidas meninas e rapazes para receberem noções de socorros urgentes e de enfermagem.
4 – Escala de Serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária.
5 – Ginástica, sua necessidade e inconveniência: - a ginástica continuará a ser feita como dantes, isto é, todos os dias principalmente para os recém-chegados.
6 – Visitas guiadas às bases: - deslocação quinzenalmente às bases; nesta visita o enfermeiro escolhido procurará colaborar com o povo estudando assim as doenças de 1.ª instância. Serão construídas duas barracas para consultas.
7 – Noções ligeiras de primeiros socorros aos guerrilheiros: - fazendo parte da guerrilha é lícito que todos os guerrilheiros tenham noções de primeiros socorros. Oferecemos a nossa boa vontade neste momento.
8 – Higiene e sua conveniência: - fazendo parte da saúde, para evitar certas doenças, devem todos os guerrilheiros seguir os princípios da higiene do vestuário e limpeza de barracas.
9 – Escala de serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço, nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária. (Este ponto é igual ao 4).
10 – Colaboração mútua em tudo que diga respeito ao nosso movimento com o povo e guerrilhas: - colaborar com a nossa população explicando a todos as inconveniências que o abuso excessivo dos medicamentos pode ocasionar. Paciência absoluta, dando ao povo explicações do emprego de medicamentos.     
 Resolução:
Todos os camaradas estiveram de acordo com as proposições dos camaradas da saúde e resolveram criar forças para garantir a execução do que está acima indicado.      
Ponto 8 = INSTRUÇÃO LITERÁRIA
Djassi – Depois de tudo devemos começar a pensar na instrução dos guerrilheiros e do povo. Hoje podemos dispor de alguns livros apanhados e que já empregamos para o mesmo fim. Os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases para começarem a instrução literária.
Chico Té – Devemos fazer esforços para pôr isso em prática o mais breve possível apesar de poucos meios do que nos dispomos actualmente.
Resolução:
Todos os camaradas estiveram de acordo neste ponto, e os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases a fim de começar com a instrução literária. Devido à falta de material escolar solicitamos aos dirigentes superiores do Partido o envio de algum material neste campo.
Citação:
(1964), "Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40112 (2017-1-8)
Fonte:
Pasta: 04613.065.157
Título: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central.
Assunto: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central, assinado por Chico Té (Francisco Mendes) e Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira). Ordem do dia: mudança de táctica, criação de novas bases, recrutamento e treinos, política, disciplina militar, alimentação, saúde, instrução literária, segurança e controlo e ligação. Ataque de Enxalé.
Data: Sábado, 21 de Março de 1964.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Tipo Documental: Documentos

Em função do exposto, e em jeito de conclusão, podemos dizer que a organização do PAIGC, passados quinze meses do início da sua luta armada, ainda era excessivamente precária, onde os adjectivos: instável, delicada, insegura, débil e pobre, enquanto sinónimos, completam o seu quadro mais global.
Mas poderia ser diferente para melhor?
Não creio… pois tudo na vida é processo e projecto.


Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.
Jorge Araújo.
13JAN2017

domingo, 1 de janeiro de 2017

P296 - MÁRIO MENDES (1943-1972) - O ÚLTIMO CMDT DO PAIGC A MORRER NO XIME - Jorge Araújo

Novo trabalho de Jorge Araújo, nosso camarada d'armas, continuação da investigação relacionado com guerra do outro lado (PAIGC) com data de 26 de Dezembro de 2016.


- A investigação que tenho vindo a efectuar aos arquivos de Amílcar Cabral, existentes na Casa Comum da Fundação Mário Soares, permitiu-me elaborar mais uma narrativa, esta relacionada com a História da nossa CART 3494, tendo por protagonista Mário Mendes (1943-1972), Cmdt do bigrupo do PAIGC que actuava no triângulo Xitole-Bambadinca-Xime.
E o episódio mais marcante da actividade operacional de Mário Mendes ficará ligado, para sempre, à emboscada que montou na Ponta Coli (Xime), naquele dia 22 de abril de 1972, sábado, e de que resultou a morte do camarada Manuel Bento (1950-1972), a única baixa em combate do seu contingente metropolitano.
A morte de Mário Mendes, em 25 de Maio de 1972, ficará igualmente na historiografia da guerra, como tendo sido o último Cmdt do PAIGC a tombar na zona da Ponta Varela (Xime), ocorrida quatro semanas após o episódio anterior.

Em função do exposto, a investigação deu-nos elementos que permitiram organizá-los numa perspectiva sociodemográfica, a possível, ajudando-nos a conhecer melhor quem esteve/a do outro lado do combate durante a nossa presença no Xime. 

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
MÁRIO MENDES (1943-1972)
- O ÚLTIMO CMDT DO PAIGC A MORRER NO XIME - 

1.   INTRODUÇÃO
Durante os últimos anos, particularmente nos momentos que antecedem os actos de passar a escrito as memórias historiográficas do CTIG (1972/74), surgem-nos no pensamento, ao vivo e a cores, algumas das principais imagens daquele palco onde a 22 de abril de 1972, sábado, iniciámos o «jogo da sobrevivência e da superação permanentes», com a sensação de ainda cheirar a pó e a terra vermelha.
Na guerra, a esse episódio chamam-lhe “baptismo de fogo”, e no nosso caso ele teve lugar na Ponta Coli [imagens abaixo], local escolhido superiormente para concentrar os efectivos das NT. Nesse dia a missão estava atribuída ao 4.º Gr Comb, constituído por 20 operacionais, 2 condutores e o guia/picador Malan Quité. Após a “conquista diária” desse espaço, cada grupo era dividido em dois subgrupos, um instalado de manhã e o outro de tarde, situação modelo que vinha já da “velhice”, cuja missão era garantir a segurança a pessoas e bens que circulavam na estrada Xime-Bambadinca.
Pelo histórico das Unidades de quadrícula que nos antecederam, e que estiveram aquarteladas no Xime em diferentes períodos, nomeadamente a CART 1746 (1968/69), CART 2520 (1969/70) e CART 2715 (1970/72), sempre considerámos que num futuro mais ou menos próximo teríamos de passar por essa primeira experiência… não estivéssemos nós num contexto de guerra.
E aconteceu mesmo, ainda não tínhamos concluído o terceiro mês.
Em relação a este episódio, a História do Batalhão 3873, a que pertencia a CART 3494, refere na sua p. 59: “em 220600ABR72 grupo IN emboscou a segurança da PTA COLI (01 GRCOMB da CART 3494). As NT e Artilharia do XIME pôs o IN em fuga. Sofremos 01 morto (Furriel), 07 feridos graves e 12 feridos ligeiros”.
Xime (Ponta Coli, maio de 1972) – local do combate com o bigrupo do PAIGC, comandado por Mário Mendes (1943-1972).

A linha vermelha, ligando o Xime (aquartelamento) e a Ponta Coli (local da segurança), na estrada Xime-Bambadinca, era o itinerário diário utilizado pelas NT.
Os desenvolvimentos dos combates travados pela CART 3494 [curiosamente pelo 4.º Gr Comb] e respectivos resultados, quer na primeira emboscada, a 22 de abril de 1972, quer na segunda, a 01 de dezembro do mesmo ano, podem ser consultados nas narrativas: P148, P152, P191 e P234.
No presente texto, o que nos propomos abordar emerge desse contexto a partir de uma interrogação que há muito formulámos [e certamente o mesmo aconteceu com muitos de ex-combatentes, em relação a experiências semelhantes], e que só agora encontrámos a competente resposta, ainda que parcelar.
E a questão era esta: em cada uma das emboscadas supra [e em todas as outras milhares que aconteceram em diferentes locais do CTIG ao longo dos treze anos do conflito], existia uma nuvem entre quem era atacado e quem atacava, ou seja, estávamos perante uma situação desigual, o que se entende/compreende, pois estas eram as regras do “jogo”, a camuflagem e a surpresa e a consequente aniquilação do opositor no menor espaço de tempo.
Não se sabia quem e quantos estavam do outro lado; os seus rostos, as suas alturas, as suas vestimentas, os seus equipamentos/armamentos, os seus nomes, as suas idades, as suas origens, em suma, nada se sabia no início de cada acção, e só com o desenrolar desta, eventualmente, poderíamos ter alguma resposta a esta curiosidade.
Partindo dessa premissa, seguimos em frente com mais uma investigação tendo por fonte privilegiada a Casa Comum – Fundação Mário Soares, a quem agradecemos.
Ainda que a informação recolhida seja reduzida, considerámo-la suficiente para produzir algum conhecimento que, como é hábito, decidimos partilhá-la(o) convosco.
E a pergunta de partida era: «quem foi Mário Mendes, Cmdt do bigrupo do PAIGC que nos emboscou a 22 de abril de 1972, na Ponta Coli?», da qual resultou a única baixa em combate da CART 3494 durante os cerca de vinte e oito meses da comissão ultramarina, para além de mais dezassete feridos, entre graves e menos graves, em que apenas cinco elementos saíram ilesos, um dos quais fomos nós. Estes são os números fidedignos que tive a oportunidade de os escrutinar naquela ocasião.
2.   MÁRIO MENDES – CMDT DO BIGRUPO EM ACÇÃO NO XIME
Soube que Mário Mendes era Cmdt de bigrupo do PAIGC e que actuava no então Sector 2, da Frente Xitole-Bafatá, em particular no triângulo Xitole-Bambadinca-Xime.
A acção mais antiga que se conhece foi comunicada a Amílcar Cabral (1924-1973) pelo Cmdt da Frente Leste, Mamadu Indjai, a 29 de abril de 1969, referindo a esse propósito o seguinte [de acordo com a nota manuscrita apresentada abaixo]:
Comando Sul
MSG – No dia 20/4/69 os combatentes do Partido realizaram na estrada Bambadinca/Xime [Ponta Coli] onde os inimigos sofreram muitas baixas humanas de feridos e mortos. Por nosso lado não houve nada mal. Foi dirigido por Mário Mendes e Sampui Na Sa – Sector dois – Mamadu Indjai – 29/4/69.
Citação:
(1969), "Mensagem - Comando Sul", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40645 (2016-12-8)
No entanto, a História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) refere que esta emboscada aconteceu em 18[4]0700 [P15154], não indicando quais as consequências da mesma.
Soube, também, que Mário Mendes nasceu em 1943, na Vila de Bissorã, na Região do Oio. Era casado. Em 1962 aderiu ao PAIGC, com 18/19 anos [desconhece-se o mês de nascimento], a exemplo do Arafam Mané [1945-2004] [P16823-LG], desde quando deu início à sua actividade na guerrilha. Era Cmdt de bigrupo, pelo menos desde 1966, ano em que foram elaboradas pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra as listas [mapas] das FARP referentes à constituição dos bigrupos existentes em cada Frente, conforme demonstra o exemplo que segue, onde consta o nome de Mário Mendes e de mais trinta e sete elementos.
Citação:
(1966), "FARP - Frente Xitole-Bafatá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40466 (2016-12-8)
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07068.099.051
Título: FARP - Frente Xitole-Bafatá
Assunto: Listas das FARP emitidas pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra do PAIGC – Frente de Xitole-Bafatá.
Data: c. 1966
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Militar
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
A partir dos dados contidos nessa lista [mapa], que consideramos como os casos da investigação ou a “amostra de conveniência”, procura-se compreender melhor quem estava do outro lado do combate, particularmente na primeira emboscada na Ponta Coli [Xime], a 22 de abril de 1972, dando indicadores de tendência para outros casos e outras épocas. Com este propósito, procedemos à organização de alguns desses dados referentes a cada um dos sujeitos constituintes do “bigrupo de Mário Mendes”, sobre os quais pretendemos retirar conclusões.
Para o efeito, esses dados foram agrupados quantitativamente e apresentados em quadros estatísticos de frequências (caracterização da amostra por idade: a de nascimento e a de adesão ao Partido) e de quadros de variáveis categóricas em relação aos restantes elementos (ano de adesão ao PAIGC e idade e anos de experiência cumulativas ao longo do conflito).
Quadro 1 – distribuição de frequências em relação ao ano de nascimento dos elementos do bigrupo de Mário Mendes (n-38)
Da análise ao quadro 1, verifica-se que o ano de nascimento com maior percentagem (maioria relativa) é 1945 (21.1%) com 8 casos (moda), seguido de 1947 (15.8%), com 6 casos, e 1942 e 1943 (13.2%), em terceiro, com 5 casos cada.
Quando analisado por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-16) estão entre os nascidos em 1943 e 1945 (42.2%) (grupo central), enquanto entre 1937 e 1942 e entre 1946 e 1950, os valores são iguais (n-11 = 28.9%).
Quadro 2 – distribuição de frequências em relação à idade de adesão ao PAIGC dos elementos do bigrupo de Mário Mendes (n-38)
Da análise ao quadro 2, verifica-se que existem três idades com maior percentagem de adesão ao Partido, respectivamente 18, 20 e 21 anos, com 7 casos cada (18.4%), seguida dos 16 anos, com 4 casos (10.6%). As restantes idades não têm significado estatístico.
Quando analisada a adesão ao Partido por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-16) estão entre as idades de 18 e 20 anos (42.2%), seguido pelo grupo de idade superior, entre 21 e 26 anos, com 12 casos (31.5%), e o grupo de menor idade, entre 13 e 17 anos, com 10 casos (26.3%).
Analisada a adesão ao Partido entre os 18 e 21 anos, idades semelhantes ao período normativo da incorporação militar na legislação portuguesa, à época, os valores apontam para uma maioria absoluta com 23 casos (60.5%), seguida por 10 casos nas idades inferiores (26.3%) e, somente, cinco casos nas idades superiores (13.2%).
Quadro 3 – distribuição de frequências em relação ao ano de adesão ao PAIGC dos elementos do bigrupo de Mário Mendes (n-38)
Da análise ao quadro 3, verifica-se que o ano onde se registou maior adesão ao PAIGC, com maioria absoluta, foi 1963, com 21 casos (55.3%), seguido de 1962, com 10 casos (um dos quais Mário Mendes) (26.3%). Os anos de 1964 e 1965 registaram 7 casos cada (7.9%).
Quando analisada a partir da soma dos dois primeiros anos (1962 + 1963), anos de preparação e início do conflito, a percentagem sobe para 81.6% (n-31).
Quadro 4 – distribuição de frequências em relação à idade verificada ao longo do conflito, contados após a adesão individual ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de Mário Mendes (n-38)

Da análise ao quadro 4, e partindo da hipótese meramente académica de que o bigrupo se tinha mantido constante ao longo do conflito, pelo menos até 22 de abril de 1972, data da emboscada sofrida pela CART 3494 (algo que não se pode garantir ou confirmar), Mário Mendes teria, então, vinte e nove anos [sombreado castanho]. Os restantes elementos teriam a idade referida na linha [sombreado verde] do ano de 1972.
Quadro 5 – distribuição de frequências em relação ao número de anos de experiência na guerrilha ao longo do conflito, contados após a adesão ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de Mário Mendes (n-38)
Da análise ao quadro 5, e partindo da hipótese meramente académica apresentada no quadro anterior, Mário Mendes teria, então, dez anos de experiência na guerrilha [sombreado castanho], bem como de outros nove combatentes. Os restantes elementos teriam os anos de experiência referidos na linha [sombreado verde] do ano de 1972.
3.   MÁRIO MENDES – 25 de maio de 1972, o dia da sua morte
Quatro semanas depois de ter organizado e comandado a emboscada à CART 3494 [4º Gr Comb] na Ponta Coli, viria a morrer na acção «GASPAR 5», realizada no dia 25 de maio de 1972, 5.ª feira, por seis Gr Comb [três da CART 3494 e três da CCAÇ 12].
Recupero o que escrevi no P191, por nela ter participado.
O “encontro” com Mário Mendes aconteceu na Ponta Varela [Xime – mapa acima], tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnicov, bem como três carregadores da mesma e documentos que davam conta do calendário das “acções” a desenvolver naquela zona pelo seu bigrupo.
Depois de alguns elementos (5/6) do seu grupo terem sido detectados pelas NT na referida acção, e que não se sabia, naturalmente, de quem se tratava, um daqueles elementos [Mário Mendes] liderou uma estratégia de fuga que não lhe foi, desta vez, favorável, por via de lhe(s) ter sido movida perseguição, obrigando-nos a serpentear várias vezes os mesmos trilhos, entre itinerários de vegetação e clareiras.
Por isso, estou crente que Mário Mendes, a partir do momento em que ficou sem rumo certo e sem portas de saída, movimentando-se em várias direcções, sem sucesso, tomou consciência de que aquele dia seria o último da sua vida. E foi … por intervenção de elementos da CCAÇ 12.
4.   – CONCLUSÕES
Chegado a este ponto, e partindo da análise aos resultados apurados e apresentados nos quadros acima, é possível concluir que durante o combate travado entre os elementos do bigrupo de Mário Mendes e do 4.º Gr Comb da CART 3494, na Ponta Coli, existiram diferenças significativas nas seguintes três variáveis.
1.    – Idade: [bigrupo – 27.9] ≠ [4.º Gr Comb – 21.6]
2.    – Quantidade de elementos: [bigrupo – ⅔ ] ≠ [4.º Gr Comb – ⅓]
3.    – Anos de experiência no conflito: [bigrupo – 8.9] ≠ [4.º Gr Comb – 0.25].
Porque se sabia pouco sobre o Cmdt Mário Mendes, e dos elementos que liderava, este é o meu pequeno contributo para o seu aprofundamento.
O que se pode dizer mais…?
Deixo este estudo à vossa consideração.

Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade e um óptimo 2017.
Jorge Araújo.
26DEC2016.