Caríssimo
Camarada Sousa de Castro
Os
meus melhores cumprimentos.
Com
a presente narrativa procuro recuperar duas das principais memórias do nosso
percurso militar como ex-combatentes no CTIGuiné [1971-1974], ambas ocorridas
no mês de Abril, mas com dois anos de intervalo, e que ficarão para sempre na
historiografia do contingente da nossa CART 3494.
A
primeira, com quarenta e três anos [faz hoje!], relembra os episódios das
emboscadas na Ponta Coli, com particular destaque para a 1.ª [22ABR1972]. A
outra efeméride, já com quarenta e um anos, recorda a chegada à Metrópole [como
se dizia à época], em 03ABR1974, depois do dever cumprido.
Como
o tempo passa veloz…
Um
abraço de amizade.
Jorge
Araújo.
Abril/2015
GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
Para o contingente dos ex-combatentes da
COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494 [CART
3494 - Xime-Enxalé-Mansambo / 1971-1974], do BART 3873, ABRIL passou a ser, desde 1972, um mês onde, por motivos opostos,
se comemoram duas efemérides de grande significado colectivo; uma de dor, tristeza
e revolta [1972] a outra de felicidade pelo regresso às origens depois do dever
cumprido [1974].
A primeira, de muitas emoções e tensões,
está relacionada com o «baptismo de fogo» da Companhia ocorrido na emboscada em
22ABR1972 [sábado], experiência que
classificamos de superação extrema [ou superior transcendência] vivida por
vinte e dois elementos continentais do 4.º GComb, mais um Guia guineense,
atacados [sem aviso prévio] no contexto da missão/acção de segurança à Estrada
Xime-Bambadinca, no sítio da Ponta Coli, onde se registou, lamentavelmente, a
primeira e única baixa da Unidade contabilizada em combate durante a sua
presença no CTIGuiné, a do nosso camarada Furriel
Manuel Rocha Bento, natural da Ponte de Sor, a quem justamente prestamos a
nossa sentida homenagem.
Sete meses depois, uma segunda emboscada
voltou a ser perpetrada pelo PAIGC no
mesmo local e à mesma hora, ou seja, em 01DEC1972 [6.ª feira], em que o alvo foi,
naturalmente por coincidência, o mesmo 4.º GComb, mas desta vez não se
verificaram baixas mortais nas NT, registando-se dois feridos que foram
evacuados para o HM 241, em Bissau.
Pinóquio e A. Castro |
Do lado IN, que era constituído pelo grupo
de «Bazookas» de Coluna da Costa e o bigrupo de Mamadu Turé e Pana Djata
[substitutos de Mário Mendes, responsável pela 1.ª emboscada, morto em combate
na acção «GASPAR 5» [CART 3494 + CCAÇ 12], em 25MAI1972 (5.ª feira), na
Ponta Varela], os guerrilheiros deixaram, no terreno, dois cadáveres, que foram
sepultados no cemitério de Bambadinca, em campas separadas, bem como uma
pistola, uma espingarda automática e um RPG com duas granadas.
2. - RECORDANDO A EMBOSCADA…
Hoje, ao recordar aquele episódio de há
quarenta e três anos, continuo incrédulo como foi possível superar aquela batalha,
perante tamanha inferioridade física e numérica das NT, com um morto, dezassete
feridos, desmaiados e poucos em condições de estabelecer um equilíbrio com quem
iniciou a contenda.
Actuando de surpresa a
cinquenta/sessenta metros dos alvos [humanos] colocados em cima de duas
viaturas, ainda que em movimento lento, estaríamos nos centros das miras das
suas “costureirinhas” e “RPG’s”, é inacreditável como não conseguiram fazer um
“ronco” maior neste (des)encontro?
Em primeiro lugar, porque as NT eram
piriquitas nestas andanças da guerra de guerrilha, pois tinham apenas oitenta
dias de mato, equivalente a mês e meio de sobreposição com a CART 2715 e os
restantes dias [ainda poucos] de autonomia plena. Em segundo, pela experiência
dos líderes do PAIGC, acumulada nas emboscadas anteriormente montadas no mesmo
local desde 10ABR1968, data da primeira acção, a que se adicionam todos os
outros conhecimentos adquiridos ao longo de muitos anos de prática neste
contexto.
No meu caso, esta deslocação à Ponta
Coli era a oitava vez que a fazia, pois havia chegado ao Xime somente nos últimos
dias do mês de Março, e onde encontrei muitas rotinas já instaladas, em
particular o exemplo da segurança à Ponta Coli.
Foto 5 – Xime [Ponta Coli] – A mesma
árvore da imagem anterior, agora no seu plano superior, donde se tinha uma
observação de maior alcance.
|
Quanto ao menor sucesso do IN [e ainda
bem…], acredito que uma possibilidade ficou a dever-se à gestão do tempo, que
correu a nosso favor, pois [como referi na narrativa original, a 1.ª que publiquei
no blogue] aos poucos, ao ritmo de um tempo que parecia não passar, os
desmaiados começam a acordar, os feridos tomam consciência de que ainda têm
força suficiente para reagirem, e com os cinco ilesos que continuavam activos e
operacionais, através de um impulso colectivo vindo das entranhas e de um grito
de contra-ataque, contribuímos para anular a terceira tentativa de sermos
apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC, que muito porfiaram mas sem
sucesso.
Por
outro lado, é da mais elementar justiça referir o desempenho do nosso camarada
guineense MALAN [guia e também ele
combatente - imagem ao lado (6)], que sempre me mereceu o maior respeito,
admiração e apoio, pois era um homem solitário, tendo como única companhia o
seu cachimbo artesanal, mas nosso amigo, e que muito nos ajudou nos diferentes
itinerários que tivemos de percorrer, como sabemos, numa mata extremamente
difícil, com muitas armadilhas, ratoeiras e outros obstáculos, e que hoje,
certamente, ele já não faz parte do grupo dos vivos.
Parece que ainda o estou a ver sangrando
com alguma abundância da cabeça, onde existiam pelo menos duas perfurações,
empunhando duas G3 [a sua e outra que encontrou abandonada no solo]. Com uma em
cada membro superior, apoiadas nas suas axilas e, em plena estrada, de pé,
defendia-se contribuído, também, para o sucesso do grupo. Foi depois evacuado
para Bissau, onde ficou internado algumas semanas, regressando ao Xime ainda a
tempo de participar na segunda emboscada.
Outra situação que também ajudou,
certamente, na debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos
municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de
terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento,
fazerem uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim
relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da
localização das suas munições [granadas] que acabaram por ficar dispersas ao
longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros, mais ou menos, dando a
ideia de que estávamos fortemente armados.
Depois deste episódio negativo, que
provocou dor, sofrimento e algum temor entre nós, nada mais ficou como dantes,
a exemplo do que nos diz a metáfora popular «depois de casa roubada trancas à
porta», tendo apresentado de imediato outras metodologias e procedimentos
assimilados durante a instrução no CIOE, em Lamego, visando a salvaguarda da
minha/nossa sobrevivência perante este contexto adverso e muito exigente.
A prová-lo estava, ainda, o facto do
CMDT da Companhia se ter auto-excluído no dia seguinte à 1.ª emboscada, ao
assinar a sua própria baixa ao Hospital Militar [Serviço de Psiquiatria], em
Bissau, para não mais regressar ao Xime.
Devido a essa sua decisão de se
autoexcluir é nomeado para novo CMDT da CART 3494 [o 2.º], o então ex-Cap Art
António José Pereira da Costa [hoje, Cor Art Ref], meu/nosso camarada e
tertuliano deste blogue. A sua chegada ao Xime ocorreu dois meses após a 1.ª
emboscada, ou seja, no dia 22JUN1972 [5.ª feira], dia do seu aniversário… que
coincidências!
As duas histórias originais que foram
escritas na primeira pessoa em 2012, quarenta anos depois de as ter vivido in loco, e que agora recordei em síntese,
fazem parte do espólio de narrativas divulgadas neste blogue da Companhia [P148(03Abr) e P152 (24Abr)], no separador «Ponta Coli» e que estão, igualmente,
publicadas no blogue luisgraca&camaradasdaguine [P9698 (03Abr) e P9802(25Abr)]. Um outro texto relacionado com este tema está identificado em P191(26Out2013), onde se confrontam os nossos números com os divulgados pelo PAIGC.
Em resultado da experiência e das
emoções contabilizadas nesse 1.º episódio no sítio da Ponta Coli, e como modo
de as traduzir no papel, decidi baptizá-las como «Era uma vez uma estrada,
palco de jogos de sobrevivência (Xime-Bambadinca) – o caso da Ponta Coli».
Quanto à segunda efeméride, reportada ao
mês de Abril, esta está datada desde 03ABR1974
[4.ª feira], quando o contingente regressou
definitivamente à Metrópole, ao
aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, a bordo de um boeing 707, dos Transportes Aéreos
Militares [TAM]. Este acto [ou facto] ocorreu oitocentos e vinte e sete dias
depois do embarque no Cais da Rocha, em Lisboa, encerrando-se assim o ciclo de
vida ultramarino previsto nos deveres individuais para com a Nação inscritos, à
data, na Lei do Serviço Militar Obrigatório [SMO].
Esta
referência normativa é dirigida, justamente, aos mais jovens leitores deste blogue,
uma vez que o SMO foi extinto em meados de 1999. A partir de 2004, passou a ser
atribuída às Forças Armadas a capacidade de captar os seus próprios recursos
humanos concorrendo directamente no mercado de trabalho com outras entidades
empregadoras.
Termino,
prometendo voltar logo que possível a este tema, resumindo num só texto o
mapeamento cronológico e histórico relacionado com as emboscadas na Estada
Xime-Bambadinca, com destaque para a Ponta Coli, e as suas consequências.
Com um fraterno abraço de amizade,
Jorge Araújo.
22ABR2015.
LOUVORES
1. Recordamos
que na emboscada de 22ABR72 foram louvados em 23ABR72, 4 camaradas:
- Fur. Milº MANUEL DA ROCHA BENTO, louvado a
título póstumo, pelo Exmo Cmdt. do CAOP 2.
- Fur. MiLº
ANTÓNIO ESPADINHA CARDA, pelo Exmo Cmdt. Do CAOP 2.
- 1º Cabo
MANUEL AMORIM DO ALTO, com o prémio Governador da Guiné, sua EXA O GOVERNADOR E
COMANDANTE-CHEFE, General ANTÓNIO DE SPÍNOLA.
- Sol. MANUEL
DE SOUSA MONTEIRO, com o prémio Governador da Guiné, sua EXA O GOVERNADOR E
COMANDANTE-CHEFE, General ANTÓNIO DE SPÍNOLA.
2. Ref. à emboscada
de 01DEC72 foram louvados em 27FEV73 pelo Exmo Cmdt Militar.
- Alf. Milº
ANTÓNIO JOAQUIM SERRADAS PEREIRA
- Fur. Milº
RAUL MAGRO DE SOUSA PINTO
- 1º Cabo
CARLOS JOSÉ PEREIRA
- «»
MANUEL DE SOUSA FREITAS
- «»
JOAQUIM OLIMPO MILHEIRO VOLTA E
SILVA
- «»
ANTÓNIO AUGUSTO DE JESUS SANTOS
- «»
MANUEL MEDEIROS
- Soldado
CARLOS DIAS DA SILVA
- «»
JOSÉ JOAQUIM TERRA
- «»
RICARDO SILVA NASCIMENTO
- «»
MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
- «»
LUIS DOS SANTOS
- «»
MANUEL GONÇALVES DA COSTA
- «»
ANTÓNIO PEREIRA PINTO
- «»
MANUEL CARVALHO DE SOUSA
- «»
ARTUR SILVEIRA SEQUEIRA
- «»
CARLOS DOS SANTOS MONTEIRO
- «»
JOAQUIM MOREIRA DE SOUSA
- Soldado
Milícia SALATO BALETE
Todos estes
militares formavam o 4º grupo de combate.
Fonte: BART
3873 “HISTÓRIA DA UNIDADE” CART 3492 CART3494 CART 3494 NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
A. Castro
2 comentários:
Olá amigo! Faz hoje 48 anos (22ABR202) que tivémos um grave problema na ponte Coli, onde se perderam várias vidas.
Agora vinha pedir-te um favor. Sou amigo de infância do ex furriel João Godinho do 4. pelotão da 3494. Somos ambos naturais de Mora. Sei que há uns tempos vivia na Ponte de Sor tal como o ex furriel Carda. Eu era Enf na CCS e nunca mais soube nada dele. Gostava muito de poder contatá-lo. O meu Tlm é 962940613. Agradecia muito se fosse possível me facultar o contato dele. Muito obrigado e um abraço
Miguel Palhinhas, Enf. CCS/BART 3873
Olá Palhinhas,
Quero rectificar o teu raciocínio. Não foram várias vidas. Perdeu-se uma vida, o Fur Mil° Manuel da Rocha Bento que era de Galveias - Ponte de Sor e 16 feridos entre graves e ligeiros.
Sousa de Castro (SdC)
Enviar um comentário