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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

P384 Homenagem aos Militares Portugueses Por: Alegria Faustino

Texto recuperado no Facebook de: ALEGRIA FAUSTINO, Ex. Furriel Enf. da 3ª Companhia do BCAÇ 4514/72 que esteve em: Jumbembém, Guidage, Jemberém e Geba. Foi seu CMDT Cap Mil Infª Jorge Manuel Pedroso de Oliveira Martins. 

Dados extraidos do:https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com com a devida vénia.


Homenagem aos Militares Portugueses

Do Facebook com a devida vénia

Enviado pelo Alegria Faustino. 
“Guidage, o próprio nome, no contexto do conflito, assustava, por tudo aquilo que ali havia tido lugar, em Maio de 73. Guidage, meses de Junho, Julho e Agosto de 73, tempo de acalmia, uma espécie de guerra em "paz". Tivemos alguns contactos com o in, sempre em fuga. Estávamos em plena época das chuvas e o in transferiu para sul, a sua combatividade. Recordo tudo, como se tudo tivesse acabado de acontecer. Saímos cedo, cerca das 7 horas da manhã, uma saída a nível de companhia, em missão de patrulha do nosso sector. O regresso foi ao entardecer, com chuva intensa e trovoada sobre nós. As gotas de água feriram o rosto e os punhos, como agulhas, tal a velocidade imprimida na nossa progressão de regresso ao aquartelamento. Estava encharcado, o peso da bolsa de enfermeiro incomodava sobre as costas, as mãos "coladas" à G3, com força diabólica, silêncio absoluto, ouvidos e visão atentos a tudo. Só tive tempo de mudar de camuflado e botas. Fui imediatamente informado da chegada de uma senhora que havia pisado uma mina, no seu regresso da bolanha e tinha ficado sem uma parte da perna. Corri de imediato para uma espécie de abrigo enfermaria, escuro como breu, cheio de humidade e o cheiro a bafio, misturava-se com o cheiro da carne humana queimada pela explosão. A Senhora estava nos últimos dias de gestação e na impossibilidade de uma evacuação, havia que estabilizar a situação e, dados os sinais de um iminente parto, proceder ao acto. Foi, simplesmente, horrível. Primeiro, cuidar da perna decepada, com os procedimentos que exigia a circunstância: separar com o bisturi os tecidos queimados, diminuir e aumentar a intensidade do garrote, deixar fluir o sangue o menos possível, morfina, envolver o que restava da perna num penso gigantesco e logo a seguir, o parto. Tínhamos falado disso na Escola de Enfermagem do Exército e os meus conhecimentos sobre a matéria eram escassos. A dilatação vaginal não ocorreu como é normal e houve necessidade, com um bisturi, de fazer dois cortes, para abreviar o nascimento da criança. Não sei onde aquela senhora conseguiu arranjar forças para tudo suportar e resistir. O parto teve lugar sobre uma espécie de mesa, onde não havia máscaras ou quaisquer condições higiénicas e sanitárias, onde os fluidos do parto encharcavam o chão em terra batida e as minhas mãos cobertas de sangue, fezes e urina. O cheiro era insuportável. A criança nasceu, resistiu, tal como a mãe e no dia seguinte, foi evacuada para Farim. Enquanto decorria todo este drama, lá fora, a trovoada, o vento e a chuva, qual sinfonia ou rapsódia, alheavam-se de tudo aquilo que acabava de ter lugar. Fui ajudado por um enfermeiro do contingente local, da Companhia de Caçadores 19, habituado a estas situações e a ferimentos de guerra. Deixei aquele local e por estranho que possa parecer, o que mais me impressionou foi aquele breve momento de encanto e poesia quando, no meio de tudo aquilo, a senhora acolheu nos seus braços o seu bebé. Informei o meu capitão do sucedido. Outros partos sucederam-se, em plena mata, mas, nestas circunstâncias, não.
Memórias de um combatente enfermeiro.”



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