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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

P227 Marcelino da Mata: “Portugal esqueceu-se de mim, mas os amigos não” (Jornal "o Diabo")












DUARTE BRANQUINHO


[Inicialmente publicado na edição de 29 de Julho de 2014]

No passado Sábado, cerca de 50 pessoas, amigos e camaradas de armas de Marcelino da Mata, juntaram-se num restaurante no centro de Lisboa para recordar e homenagear o combatente português mais medalhado da História do Exército português. O DIABO esteve lá e falou com Marcelino da Mata, quando lhe pedimos uma entrevista respondeu prontamente: “O jornal O DIABO ainda é bom, agora os outros jornais…”


O DIABO – Como sentiu esta homenagem?

Marcelino da Mata – Até chorei, não viu? Em especial com o último discurso…

Os amigos lembraram-se de si, mas Portugal não…

Portugal esqueceu-se de mim, mas os amigos não. Pensei que estava isolado, mas afinal ainda há amigos que contam comigo, por isso é que apareceram aqui.

De quem é a culpa desse esquecimento oficial?

É do Governo de Portugal. Não é deste Governo actual é de todos os governos a seguir ao 25 de Abril.

E da parte das Forças Armadas?

Tenho a impressão que há aí uma dor de cotovelo. Porque um preto que vem do Ultramar, da Guiné, do mato, e sou mais condecorado que os oficiais da nação, é uma vergonha para eles. Isso caiu mal.
Os responsáveis actuais das Forças Armadas não sabem nada sobre mim, não me conhecem, nunca ouviram falar do meu percurso de vida, mas muitos dos meus colegas antigos ficam incomodados com as minhas condecorações.
Para eles é uma desilusão. Mas eu não tenho culpa que eles sejam cobardes. Eu quando tenho que enfrentar uma coisa, seja o que for, enfrento.

A sua coragem foi lendária…

Eu era o único homem – o único – na Guiné que tinha um corneteiro atrás de mim a tocar quando eu ia atacar.

A guerra na Guiné estava perdida, como muitos afirmam?

Não estava nada perdida! Se não fosse o 25 de Abril, mais um ano e o PAIGC entregava tudo. Eu sei, eu sou da Guiné e conheço as zonas todas, faltava ocupar o único sector para eles se entregarem, era o único corredor onde eles passavam com armas.
Fui fazer patrulhas naquela zona, com os meus vinte homens, e quando estava de regresso cheguei ao quartel de Aldeia Formosa disseram-me que tinha acabado a guerra. Eu respondi-lhe que não tinha acabado porque ainda há pouco estive a disparar debaixo de fogo e perguntei-lhe como podia ter acabado a guerra. Aí disseram-me que se tinha dado um golpe em Portugal e que a guerra estava suspensa.
Foi só ao almoço, na messe dos oficiais, que ouvimos no rádio que se tinha dado o 25 de Abril em Lisboa.

A seguir ao 25 de Abril foi preso e o que se passou também foi convenientemente “esquecido”…

Parece que não existiu, mas eu fui preso e torturado que nem um cão. Foram a minha casa e não me encontraram. Foi a minha falecida mulher que me disse que lá tinham estado tropas à minha procura.
Então, dirigi-me à minha unidade, que era o regimento de Comandos e quando lá cheguei o oficial de dia disse-me que eu estava preso e ia ser apresentado ao Ralis. Eu perguntei-lhe desde quando é que um militar é preso numa unidade e levado para outra e ele respondeu-me que tinham sido ordens do Jaime Neves. Prenderam-me, meteram-me num jipe e levaram-me para o Ralis.
Eram cinco da tarde quando lá cheguei. Houve logo um furriel que me deu uma pancada nas costas e perguntou-me o que é que eu andava a organizar. Disse-lhe que não organizava nada. E ele insistiu, perguntando: “O senhor não quer ser presidente da Guiné-Bissau?” Eu disse-lhe que com o 12.º ano não posso ser presidente de um país, que os presidentes devem ser formados. Ele disse-me que o Nino está lá e só tem a 4.ª classe. Eu respondi-lhe: “Isso é o Nino. Eu não sou o Nino”.
Aí, mandaram-me encostar à parede e eu recusei-me, dizendo que um militar não bate num militar, que se queriam deviam participar de mim. Mas agarraram em mim e encostaram-me à parede. Foi o fim da minha vida! Levei tantas que só Deus sabe. Depois de desmaiar, atiraram-me com um balde de água em cima e continuaram. Nem quero falar mais disso…

Como é que vê a Guiné hoje?

Hoje, com o novo presidente, tenho esperança que vá melhorar. Se o novo presidente não se deixar levar pelos militares que lá estão, a Guiné pode melhorar muito. Se não fizer isso, tudo vai continuar na mesma.

Era preciso uma maior relação de Portugal com a Guiné?

Claro! Era isso que era preciso, para se poder puxar pelo país. Doutra forma, a Guiné está no fundo do mar.

Acha que os responsáveis políticos portugueses têm essa consciência?

Há alguns políticos, como Paulo Portas, outros do CDS e também alguns do PSD, que têm essa ideia, que querem puxar a Guiné para fora. Mas há outros que querem afundar a Guiné. Não querem saber da Guiné para nada.

Nota do editor: Por achar que é de interesse geral, principalmente dos veteranos que participaram na guerra colonial na Guiné, tomei a ousadia de publicar neste espaço a entrevista que o Marcelino da Mata concedeu ao jornal "o Diabo" o que agradeço com a devida vénia