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sábado, 24 de setembro de 2016

P281 - O ENIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] “meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos

Caríssimo Camarada Sousa de Castro

Os meus melhores cumprimentos.

Antes de prosseguir com o projecto referente à divulgação das «Memórias de Médicos Cubanos», que estiveram na Guiné nos anos de 1966 a 1969, tomei a iniciativa de tentar desvendar o enigma relacionado com os ferimentos de Mamadu Indjai, nome do comandante da Frente da Mata do Fiofioli ao tempo do médico Amado Alfonso Delgado, suscitado na elaboração do anterior fragmento.

Acresce referir que esta decisão é reforçada por alguns comentários adicionais ao último texto, no caso particular o P16441: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível [blogue da Tabanca Grande].
Trata-se de uma narrativa histórica resultante do cruzamento de relatos publicados em diferentes momentos e contextos, dando a conhecer, no final, as conclusões a que chegámos.
Com um forte abraço de amizade. 
Jorge Araújo.
SET’2016.


1. Consultar último poste da série: http://cart3494guine.blogspot.pt/2016/09/p279-memorias-de-medicos-cubanos-1966.html

GUINÉ

Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494

(Xime-Mansambo, 1972/1974)

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘X’

- O ENIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] -



1.   INTRODUÇÃO

Supostamente, a presente narrativa deveria dar início à publicação da entrevista ao médico Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), a terceira no alinhamento das que foram dadas
pelos clínicos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau], e que fazem parte do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.

De facto, assim não aconteceu. Creio que foi por uma boa causa, uma vez que neste intervalo decidi investir um pouco mais na busca de elementos fiáveis que nos ajudem a desvendar o enigma relacionado com os «ferimentos de Mamadu Indjai
[N’Djai]», nome do Cmdt referido na resposta dada pelo médico Amado Alfonso Delgado, à questão 22. = “como é avisado para deixar a Guiné-Bissau?” [P279  e P16441-LG], e que está na génese de alguns comentários adicionais, em particular no «P16444-LG: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível».
Para contextualização do tema, recordo então essa passagem:


22. = Como é avisado para deixar a Guiné-Bissau?
O médico Alfonso Delgado refere que “foi de forma casuística. [Em agosto], depois de sair de um cerco que nos fizeram as tropas helitransportadas [paraquedistas do BCP 12] fomos para um lugar perto do acampamento” [talvez a “Op. Nada Consta”].
Nesta operação, corolário da acção de um grupo de páras do BCP 12, é capturado um roqueteiro IN com o seu RPG-2, e que, após um curto interrogatório que lhe foi feito então, diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata (P23-LG e P2683-LG).


Alfonso Delgado acrescenta: [neste novo acampamento] “o ajudante que andava comigo e ao que me diziam, Arrebato piorou. Começou a manifestar um obsessivo delírio de perseguição. Dizia que os próprios guerrilheiros o queriam matar, e uma noite foi desarmado pois já estava bastante débil, e fugiu para a mata. Deu-se o alarme entre toda a população e ao fim de seis dias [final de agosto?] foi encontrado completamente depauperado, com os olhos inchados, cheio de furúnculos e pesando à volta de quarenta quilos. Falei com o chefe do acampamento, de nome Mamadu Indjai, e acordamos a sua saída da Frente, para a qual me indicou dois guerrilheiros. Isto foi em [início] setembro de 1969, quase no fim da missão”. […]

Cruzadas as duas informações supra, conclui-se que, de facto, em Agosto de 1969, o Cmdt da Frente da Mata do Fiofioli era Mamadu Indjai [algumas vezes referido como Mamadu N’Djai].
Da investigação realizada a partir da única fonte consultada – o vasto espólio do «Blogue da Tabanca Grande» – encontrei divergências factuais, logo históricas [ou talvez não…] de que seguidamente dou conta:


Ex.1: “Op. Nada Consta”, em 18 de agosto, (…) um grupo cairia numa emboscada que forças da CART 2339 tinham montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari, e em resultado da qual ficaria gravemente ferido Mamadu Indjai (soube-se mais tarde) [P6948-LG]. 
Ex.2: Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai (…) foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado [?] [P23-LG].
Ex.3: (…) Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na “Op. Anda Cá” (em 15 de agosto de 1969) [P9011-LG].
Perante este dilema/trilema…, qual das situações podemos validar? Quem foi o informante privilegiado? Foi um ou vários? Será que foi (mesmo) ferido? Ou foi ferido duas vezes no espaço de três dias? Em caso afirmativo, foi socorrido no local [enfermaria do mato] pelo médico Alfonso Delgado e depois evacuado para Boké para ser intervencionado face à gravidade do seu estado de saúde? Neste caso, a saída da frente por parte do médico Alfonso Delgado visava cumprir dois objectivos: por um lado acompanhar o estado clínico de Mamadu Indjai [o normal seriam seis dias de viagem a pé], por outro enquadrar o regresso do seu companheiro cubano Arrebato?
Mas em relação a esta última interrogação, apenas sabemos que chegado o dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato, “meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos. Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da Frente. Quando chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar, pois tinha terminado a missão”. […]
Sobre esta questão, Luís Graça refere no seu comentário a este fragmento: “estranha-se que o médico cubano Amado Alfonso Delgado tenha omitido o importante revés que foi para o PAIGC a baixa do comandante Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT no decurso da Op Nada Consta, em agosto de 1969” [P16441-LG].
Todas estas hipóteses suscitaram o meu interesse e por isso segui em frente.

1.   – O QUE DIZEM AS FONTES CONSULTADAS

«P16444: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível» - “Depois do ferimento grave de Mamadu Indjai, "operado de urgência na zona 7", o Amílcar Cabral não sabia quem o deveria substituir... O Bobo Keita ofereceu-se, em Boké, para substituir o Mamadu Indjai "por 15 dias", por sugestão de Amílcar Cabral... Acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970... A "zona 7 (...) ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole", diz o Boto Keita, nas suas memórias "De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita", de Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011, 303 pp.)... "Era um triângulo onde se encontrava uma cambança que permitia passar para o Norte através do rio Geba, via Enxalé"... "Era um lugar difícil" (p. 134)...
«P9011: Memória dos lugares: O cais do Xime e a solidão do Rio Geba… (Torcato Mendonça)» - […] “Isso mesmo reconheceu o comandante Bobo Keita, nas duas memórias, quando Amílcar Cabral (1924-1973) propôs o seu nome, para substituir o comandante da Zona 7, Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na Op Anda Cá (em 15 de Agosto de 1969). […]
«P9137: Notas de leitura: De campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (Mário Beja Santos)»: […] “Bobo Keita é um guerrilheiro da Frente Norte, anda por Binta e Guidage, a base era Sambuia. Em junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo e depois regressa [quando?] à frente Norte [esta evacuação ocorre dois anos após a chegada do primeiro grupo de médicos cubanos à Guiné, do qual fez parte o doutor Domingo Diaz Delgado]. No ano seguinte (1969), frequentou seminários em Conacri e depois foi para a [ex] Jugoslávia.
No regresso [agosto de 1969?], ofereceu-se para ficar nas regiões do Xime, Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses [até maio de 1970?], vinha substituir provisoriamente Mamadu Indjai.
Reorganizou a quadrícula: “a primeira medida que tomei no Leste foi acabar com a base central onde se concentrava toda a guerrilha e que daí procedia a longas marchas para ir atacar os quartéis.
Além disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão. Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos [?] e um comando móvel. Com a nova organização, a população estava mais segura. Criei um depósito dos Armazéns do Povo. Com isto consegui criar uma nova vida nessa região”.
Para Beja Santos, trata-se de “um relato com muitos altos e baixos. (…) Há notoriamente silêncios, beliscadelas e sentimentos feridos. Não se lhe pode assacar a responsabilidade de exibir fontes escritas, ao que parece o manancial da documentação estava em poder de [Amílcar] Cabral e do secretariado político. Mas estes comandantes recebiam documentação, nunca a invocam e muito menos a exibem. O que nos leva permanentemente a questionar como é que se vão cozer todas estas peças constituídas por depoimentos que mais ninguém valida”.

2.   – MEMORANDO “COM DECISÃO SECRETA” SOBRE A COLABORAÇÃO DOS INTERNACIONALISTAS CUBANOS

 Aproveitando a deixa do camarada Beja Santos [documentos não conhecidos], e acreditando ser do interesse público e histórico, como complemento aos diferentes fragmentos aqui publicados sobre as vivências e experiências relatadas por cada um dos médicos cubanos que estiveram em missão na Guiné-Bissau, entre 1966 e 1969, aqui vos deixo um memorando assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), enquanto secretário-geral do PAIGC, em 8 de dezembro de 1967, ou seja, ano e meio depois da chegada do primeiro grupo à Guiné-Conacri.
O documento que seguidamente se reproduz, constituído por duas folhas A4, foi retirado da Net, da Casa Comum – Fundação Mário Soares, com devida vénia, com o título: “Decisão sobre a colaboração dos internacionalistas cubanos na luta de libertação da Guiné”.
(1967), "Decisão sobre a colaboração dos internacionalistas cubanos na luta de libertação da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40211(2016-9-14)
1.   – O ENIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI
Eis-nos chegados ao ponto relacionado com o enigma dos ferimentos de Mamadu Indjai [N’Djai], o qual está na base da questão de partida que deu origem ao presente trabalho. É certo que em Agosto de 1969 ele estava na Frente Leste, justamente na Mata do Fiofioli, envolvido em acções de combate com os militares portugueses. Também é certo que, mais ou menos três anos e meio depois, em janeiro de 1973, mais concretamente no dia 19, Amílcar Cabral (1924-1973) dera instruções ao responsável pela sua segurança, que era curiosamente Mamadu Indjai, para que tomasse as devidas precauções, uma vez que havia sido avisado pelos Serviços de Segurança da Embaixada da [ex] Checoslováquia, em Conacri, de que teriam sido detectados indícios de conspiração dentro do PAIGC [P11001-LG]. Neste mesmo poste, elaborado por Beja Santos no seu espaço «Notas de leitura: Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral» pode ler-se: “ [Amílcar] Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Ele era Mamadu N’Djai [Indjai], herói nacional, comandante da Frente Norte, três vezes ferido em combate e, de [naquele] momento, em Conacri, precisamente em convalescença do seu último ferimento”. Sabe-se agora que Mamadu Indjai foi ferido três vezes ao longo da sua actividade de guerrilha. Não se sabe, porém, quando, como e onde terão acontecido as duas últimas. Entretanto, sabe-se também que Mamadu Indjai esteve em Conacri, entre 11 e 13 de Maio de 1970, marcando presença nas reuniões do Conselho de Guerra (alargado), na companhia de outros dez altos dirigentes do PAIGC, entre eles Amílcar Cabral, conforme se reproduz a baixo, bem como a sua fonte.
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.129.004
Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry
Assunto: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, de 11 a 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.
Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai
Secretário: Vasco Cabral
Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 - Quarta, 13 de Maio de 1970
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Relatórios 1960-1970.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: ACTAS
Finalmente, Mamadu Indjai [N’Djai] viria a ser executado, sem qualquer julgamento, por implicação na morte de Amílcar Cabral [1924-1973], o mesmo sucedendo a cerca de uma centena de outros elementos [P11001-LG].
Em jeito de conclusão cronológica, ficámos a saber que Mamadu Indjai:
   > Em agosto de 1969 estava na Mata do Fiofioli.
  > Em 11/13 de maio de 1970 [nove meses depois], participou na reunião do Conselho de Guerra, em Conacri, período coincidente com a saída de Bobo Keita da Frente do Fiofioli, pelo que é de considerar que não tenha voltado a esse local.
  > Em 19/20 de janeiro de 1973 [dois anos e oito meses depois] estava em Conacri, onde era responsável pela segurança de Amílcar Cabral, sendo executado alguns dias depois.
  > Foi ferido em combate por três vezes: quando, como e onde, continuam a ser enigmas, que aguardam o competente desenvolvimento, bem como a dimensão de cada episódio.
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
18SET2016.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

P280 - Rescaldo de uma ida à Feira da Ladra, 17/9/2016 (MÁRIO BEJA SANTOS Ex. Alf. Mil CMDT do PEL CAÇ NAT 52 Guiné, Missirá e Bambadinca 1968/70)


MSG de Santos Oliveira que foi Fur. Milº Armas Pesadas/Ranger do Pel de Morteiros 912, Guiné - Tite, OUT1963/OUT1965 com data de : 19SET2016







Rescaldo de uma ida à Feira da Ladra, 17/9/2016

 

Beja Santos

 

1969 foi o Ano Internacional do Turismo Africano e a Agência Geral do Ultramar produziu uma brochura alusiva, mostrando as atrações turísticas, comunicações, formalidades para a viagem, onde ficar, onde obter informações, não deixando de mencionar que a província tinha boas perspetivas para investimentos. Não resisto a mostrar-vos a praça Honório Barreto e um belo DS a introduzir um toque de vanguardismo; mais adiante temos o bar da Associação Comercial e Industrial de Bissau, projeto arquitetónico que foi muito acarinhado ao tempo e onde o pintor José Escada andou a trabalhar na decoração; e temos uma imagem da Praia das Escadinhas em Bubaque, seguramente estão ali militares e famílias a deliciar-se em águas tépidas.



1969 - Praça Honório Barreto - Bissau

1969 - Bar da Associação Comercial e Industrial de Bissau

1969 - Praia das Escadinhas em Bubaque

Mais algumas fotografias referentes a uma unidade militar que andou pela Guiné entre 1959 e 1961. Impressiona a qualidade da fotografia, trata-se, como é óbvio, de imagens pacíficas, não se vislumbra mais do que curiosidade. Felizmente, as imagens têm datas e alguma explicação. Em 16 de Junho de 1960, temos uma gazela na granja, fica a incógnita se se tratará da Granja de Pessubé, onde trabalhou Amílcar Cabral de finais de 1952 a 1954. Nesse mesmo dia temos dois oficiais com poilões imponentes e escreve-se: “A. J. com o alferes Rui Cardoso junto de duas árvores tipo Guiné, perto da carreira de tiro nova”; estamos agora em Cacheu, a 2 de Fevereiro e diz a legenda que se experimenta remar numa canoa indígena junto ao cais fluvial de Cacheu; dias mais tarde, a 26 de Fevereiro, temos soldados brancos a piscarem à cana enquanto das mulheres indígenas passam por ali transportando garrafões de aguardente de cana; alguns dias antes, a 18, o fotógrafo está em Varela e regista um quadro pintado na sala de jantar do restaurante, menciona-se que a sala se encontra num alpendre género esplanada com largas vistas para o mar; e em 11 de Março temos a vista parcial do barco de guerra francês Le Bourguignon, ancorado no Pidjiquiti; e por último temos um jovem tenente a pôr a sua correspondência na caixa do correio. Subsistem dúvidas se este é o fotógrafo, é um jovem oficial que aparece em repetidas outras imagens, de um modo geral neutras e igualmente o jovem oficial guarda um ar tristonho, e veste um camuflado que, em rigor, não devia ter sido usado entre 1959 e 1961, na Guiné. Bom seria que alguém identificasse esta unidade militar, se bem que eu não escuse ir bater à porta do Arquivo Histórico-Militar.

16JUN60 - Foto de cima: Uma gazela na Agra e 2 Oficiais "A. J. com o Alf. Rui Cardoso"

Cais Fluvial de Cacheu (foto de cima) em baixo: Quadro no Restaurante em Varela

Cacheu

Bissau, Cais de Pidjiquiti (Barco de guerra Francês "LE BOURGUIGNON" 


domingo, 11 de setembro de 2016

P279 - MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘IX’ - O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO (V) - Fez dezenas de cirurgias e amputações quase sempre durante a noite, tratando dos feridos em combate. Por: Jorge Araújo

Mensagem de Jorge Araújo, (ex. Fur. Milº Op. Esp./Ranger, pertenceu à CART 3494 do BART 3873) com data de: 06SET2016 
Mais um fragmento, o IX do nosso projecto «Memórias de Médicos Cubanos», o último relacionado com a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado.
O terceiro e último entrevistado será o cirurgião militar Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), em que utilizaremos a mesma metodologia seguida anteriormente, ou seja, a sua divisão em partes.
Postes da série: 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘IX’
- O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO (V) -
1.   INTRODUÇÃO


Caros Fantasmas do Xime; apresento-vos, hoje, a nona parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969.
Com esta narrativa [a quinta] dou por encerrada a entrevista ao médico Amado Alfonso Delgado, a segunda no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on-line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
 Recordo que por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com recurso ao vasto espólio disponível no blogue da “Tabanca Grande”.
Esta minha decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais, em cada situação concreta, antes pelo contrário, pois todas as adendas são bem-vindas, uma vez que neste conflito bélico existiram dois lados, e daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos cubanos”.
1.   – O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [V]
Esta nona parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quinto e último fragmento em que foi dividido a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.
Nos quatro fragmentos anteriores [P274; P275; P276 e P278], referentes às primeiras vinte e uma questões, encontramos um historial de dois anos (1967/1969), entre os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma missão internacionalista, tendo-lhe surgido a hipótese de a fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou, até aos actos médicos realizados nas bases do PAIGC, em particular nas existentes na mata do Fiofioli (Sector L1 - Bambadinca).
Aí esteve cercado por diversas ocasiões, aonde viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias, por quatro vezes. Por isso, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.
Em função da intensa actividade operacional das NT e do PAIGC, entre 8 de março e 18 de junho de 1969, Alfonso Delgado acabaria por desempenhar o seu papel de profissional de saúde, certamente com elevado grau de dificuldade, prestando apoio aos guerrilheiros feridos em combate, incluindo a realização de algumas cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite à luz de archotes de palha ardendo.
Recorda-se que o crescendo da actividade operacional na região da mata do Fiofioli, num cenário de guerra de guerrilha, tem o seu início com a “Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março, movimentando cerca de 1300 efectivos, seguida pela “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb.
A resposta do PAIGC surgiu treze dias depois, em 18 de abril, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada entre Amedalai-Xime, esta liderada por Mário Mendes Cmdt do bigrupo que aí actuou. Seguiu-se, depois, na noite de 28 de maio de 1969, o ataque ao aquartelamento de Bambadinca (aquele que seria o primeiro e único), aonde estava instalado, à data, o comando do BCAÇ 2852 (1968/70). Durante o ataque, que durou cerca de quarenta minutos, participaram dois bigrupos (mais de cem elementos), tendo utilizado três canhões s/r, morteiros, RPG, metralhadoras ligeiras e pesadas e armas automáticas de assalto, sem grandes consequências.

Em simultâneo com este ataque, era dinamitada a ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime (imagem ao lado, P12686-LG, com a devida vénia).
No mês seguinte, em junho de 1969, foi realizado um vasto programa de acções contra diversos quartéis e destacamentos da frente Leste: Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas, sendo de admitir tratar-se do cumprimento de uma orientação superior transmitida em documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho desse ano, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos dessa frente, devendo nalguns casos ser repetido durante três dias.
Em resumo e no período em apreço, as principais operações das NT na mata do Fiofioli realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo o PAIGC com ataques a aquartelamentos, destacamentos e emboscadas, em abril, maio e junho, nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime e Bambadinca, incluindo Mansambo e Xitole (subunidades de quadricula), a saber: Xime, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo, Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta na infogravura).

Seguem-se os últimos relatos revelados durante a entrevista dada pelo doutor Amado Alfonso Delgado.
- A entrevista com as últimas quatro questões [P5 > 22.ª à 25.ª] -
 “Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo”
22. = Como é avisado para deixar a Guiné-Bissau?
Foi de forma casuística. [Em agosto], depois de sair de um cerco que nos fizeram as tropas helitransportadas [paraquedistas do BCP 12] fomos para um lugar perto do acampamento [talvez a “Op. Nada Consta”].
[A “Op. Nada Consta” realiza-se a 18 de agosto de 1969, envolvendo cerca de duas centenas e meia de militares, divididos por dez Gr Comb pertencentes à CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr), CART 2339 (3 Gr), PEL CAÇ NAT 53 e BCP 12 (2 Gr da CCP 122 + 1 Gr da CCP 123, sedeados em Galomaro). Esta “operação especial” tem o seu início pelas 09h30, sempre sob mau tempo (estávamos na época das chuvas), e surge na sequência do ataque de mais de duas horas a Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, realizado ao amanhecer do dia 30 de julho de 1969, tendo o PAIGC utilizado um efectivo de bigrupo com recurso a armamento pesado (P6948-LG)].
[Com o dispositivo das NT distribuído nas proximidades do Rio Biesse (a CCAÇ 12, a leste; o Pel Caç Nat 53, a norte, e a CART 2339, a oeste e na estrada Mansambo/ Xitole, junto à ponte do Rio Bissari), avança a primeira vaga de paraquedistas do BCP 12, colocados na ponta da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se estende para sul. Cinco minutos depois era capturado um elemento IN com o seu RPG-2, sucedendo-se mais duas vagas de hélis transportando os restantes páras, que passaram a percorrer a mata de norte para sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão, sendo feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Um dos mortos era chefe de bigrupo, de apelido Sampunhe (P6953)].
[O interrogatório sumário que foi feito naquela ocasião ao guerrilheiro capturado pelos páras, este diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata (P23-LG + P2683-LG)].
[Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona de acção das NT, e retiram-se muito provavelmente na direcção da base de Biro. Em função das informações dadas pelo prisioneiro, Malan Mané, as tropas paraquedistas seguiram no dia seguinte em direcção daquela base, tendo capturado mais o seguinte material: 1 metralhadora ligeira “Degtyarev”; 1 espingarda automática “Kalashnikov”; 1 pistola-metralhadora “PPSH”; 1 LGFog RPG-2; granada para LG P-27 “Pancerovka”; 12 granadas para LG, RPG-7; 85 granadas para LG, 3 cunhetes com munições; 7 granadas de RPG-2; 9 granadas de morteiro 60; diversos bornais, marmitas, fardamento e botas novas, documentos de interesse, incluindo relatórios onde se refere a ocorrência de dois mortos e seis feridos, por parte do IN, no ataque a Candamã, a 30 de julho de 1969. Pela CART 2339, foram levantadas duas minas A/C (P6948-LG)]. Estranha-se, uma vez mais, a não referência à captura de material de enfermagem e a medicamentos, sabendo-se da existência de enfermarias de colmo naquela zona.
[Quanto a Malan Mané, seguiu para Galomaro com os páras para novo interrogatório, sendo levado, depois, para Bambadinca, onde ficou preso. Esteve também em Mansambo, vindo a ficar gravemente ferido na “Op. Pato Rufia”, em 7 de setembro de 1969, no Xime, numa acção conjunta constituída pela CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr); CART 2520 (2 Gr) e PEL. CAÇ. NAT. 53, 63 e 52. Malan Mané foi evacuado para o Hospital Militar, em Bissau (P146-LG + P2683-LG)].
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/1969) – Agosto de 1969. Malan Mané a ser interrogado pelo ex-Alf. Mil. Torcato Mendonça [P6948-LG, com a devida vénia].
Mais detalhes sobre Malan Mané em P1011-LG; P2683-LG e P6984-LG. 
[A participação de Malan Mané nesta “Operação” aconteceu porque ele estivera lá, três meses antes, num destacamento avançado a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelas à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata cento e cinquenta metros. Nessa altura os efectivos eram de cerca de quarenta elementos, incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocava para a Ponta Varela, afim de atacar as embarcações que circulavam no Rio Geba (P146-LG)].
[Neste novo acampamento] o ajudante que andava comigo e ao que me diziam, Arrebato piorou. Começou a manifestar um obsessivo delírio de perseguição. Dizia que os próprios guerrilheiros o queriam matar, e uma noite foi desarmado pois já estava bastante débil, e fugiu para a mata. Deu-se o alarme entre toda a população e ao fim de seis dias [final de agosto?] foi encontrado completamente depauperado, com os olhos inchados, cheio de furúnculos e pesando à volta de quarenta quilos. Falei com o chefe do acampamento, de nome Mamadu Indjai, e acordamos a sua saída da Frente, para a qual me indicou dois guerrilheiros. Isto foi em [início] setembro de 1969, quase no fim da missão.
[A ser verdade este acordo feito na presença de Mamadu Indjai nos últimos dias de agosto, ficando a zona sem apoio médico, estamos perante um “caso de divergência factual, logo histórica”, contraditada por outras informações aqui editadas. Ex.1: “Op. Nada Consta”, em 18 de agosto, (…) um grupo cairia numa emboscada que forças da CART 2339 tinham montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari, e em resultado da qual ficaria gravemente ferido Mamadu Indjai (soube-se mais tarde) (P6948-LG). Ex.2: Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai (…) foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado [?] (P23-LG). Ex.3: (…) Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na “Op. Anda Cá” (em 15 de agosto de 1969) (P9011-LG)].
[Chegado o dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato], meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos. Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da Frente.
Quando chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar, pois tinha terminado a missão. Durante a espera, um dia fui informado que [João Bernardo] “Nino” Vieira (1939-2009) - um dos líderes do PAIGC - queria fazer uma incursão pelo território e queria que eu fosse com ele. Pensei que se me tinha salvado nas anteriores ocasiões, nesta não o iria conseguir. Na manhã do dia seguinte formamos para sair e quando estávamos prontos chegaram umas viaturas aonde estavam os novos médicos, pelo que fiquei mais aliviado. E, como é lógico, não saí de novo para a Frente.
Antes de sair da Frente fui a Boké e depois a Conacri, aonde cheguei em setembro de 1969 [terceira semana?]. Recordo-me que um membro da missão cubana me perguntou se queria comprar alguma coisa e mais tarde trouxe-me uns sapatos para a minha filha, uns calções para o meu filho e um corte de tecido para a minha mulher. Naquele momento tinha dois filhos e tinha-me casado em 1963, quando ainda era estudante.
Em Conacri embarcámos num navio e fomos até ao Congo Brazzaville, aonde estivemos cerca de duas semanas, tendo atracado em Ponta Negra [Pointe-Noire, em francês; é a segunda maior cidade e principal centro comercial da República do Congo]. Fizemos depois viagem de regresso, e em outubro desse ano desembarcámos em Mariel, aonde nos receberam vários chefes militares. Fizeram-nos exames médicos e regressei para minha casa.
22. = Voltou a exercer como médico civil?
Não; informaram-me que o ministro queria que eu continuasse na vida militar porque tinha cumprido bem a missão e dei então início à especialidade de cirurgia no Hospital Dr. Carlos J. Finlay.
Periodicamente, faziam-nos exames, e no ano do regresso a casa todos os que tínhamos estado em Bissau tiveram resultados positivos de filária no sangue. Há vários tipos de filária produzida por parasitas, e o tipo Loa atravessa os órgãos vitais do olho até ficar cego. Isto era precisamente o que tínhamos. Quando lia sobre isto assustava-me um pouco porque diziam que até aquele momento não se poderia garantir a cura. Estivemos perto de dois meses em tratamento hospitalar até que saímos totalmente curados.
23. = Continua como médico militar?
Não, no Hospital Dr. Carlos J. Finlay estive até 1977, quando me desmobilizei e me transferi para o Hospital em Covadonga [Hospital Docente Clínico-Quirúrgico Dr. Salvador Allende], que começava a ser uma instituição universitária. Desde então fiquei nesse centro de saúde como cirurgião e professor auxiliar.
24. = Cumpriu outras missões?
Em 1980, já como civil, convidaram-me se queria ir até à Tanzânia como professor e nessa nação africana estive dois anos.
– Uma breve síntese das memórias relacionadas com a sua missão (JA.) –
A missão africana do dr. Amado Alfonso Delgado iniciou-se na véspera de Natal de 1967, voando de Havana até Conacri, na companhia de outro médico cubano. Na Guiné-Conacri, durante o primeiro trimestre de 1968, tem a sua primeira experiência profissional, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados.
Em abril de 1968 dá início à sua integração na guerrilha ao ser destacado para a Frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com paludismo. Entra em território da Guiné-Bissau pela fronteira Sul, terminando a sua primeira caminhada na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse lapso de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.
Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [?], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.
Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última Frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969. Durante este período viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias, por quatro vezes.
Esteve cercado por várias vezes, e na eminência de ser “apanhado à mão”. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, lanchas da marinha e militares descerem de helicóptero. Fez dezenas de cirurgias e amputações quase sempre durante a noite, tratando dos feridos em combate. Enviou para Boké as situações mais problemáticas. Foi dentista e tratou de mordeduras de animais e serpentes. Foi atacado por melgas e por centenas de abelhas. Teve paludismo por três vezes e automedicou-se.
Lavava-se no rio, mas não tinha nem toalha nem sabão, muito menos papel para escrever alguma mensagem. Bebeu vinho de palma para matar os micróbios, pois a água existente ao seu redor estava contaminada. Usou um pare de ténis durante oito meses que se foram degradando por efeito das muitas caminhadas. Para colmatar a ausência de atacadores amarrava-os com folhas largas. Fez “pesca à granada” para se alimentar melhor.
Na mata do Fiofioli esteve em cinco lugares diferentes. Era informado do dia dos ataques onde estavam os portugueses (aquartelamentos, destacamentos, colunas de abastecimento, tabancas,…) quase sempre com armas pesadas. Ficava geralmente na rectaguarda a um quilómetro de distância. Muitas das vezes, nesses ataques programados, existia um guerrilheiro em cima de uma árvore, de modo a dar instruções na correcção do tiro.
Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a estas dificuldades e ocorrências no seu contexto, e das tensões a elas associadas, por via da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.
Consequência da actividade operacional das NT e do PAIGC durante um pouco mais de três meses (de 8 de março a 18 de junho de 1969), levou Alfonso Delgado a ficar sem sono, por efeito do muito trabalho e pelas enormes dificuldades sentidas no apoio médico aos guerrilheiros feridos em combate, realizando cerca de cinquenta cirurgias e amputações, de noite, à luz de archotes de palha ardendo.
Nos meses seguintes, julho e agosto, que seriam os últimos da sua missão, os episódios repetiram-se com a mesma dureza dos anteriores, com mais emoções e outras tantas tensões, saindo da mata do Fiofioli por um mero acaso, quando ficou acordado acompanhar a evacuação do seu ajudante e companheiro cubano Arrebato, por este se encontrar bastante debilitado, física e psicologicamente.
Dias antes do seu regresso a casa, que se verificou na segunda metade de outubro de 1969, foram-lhe oferecidos uns sapatos, uns calções e um corte de tecido, respectivamente para os seus dois filhos (casal) e esposa.
Em suma: o médico Amado Alfonso Delgado, em resposta à questão 18 [xviii] afirmou: “eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto”.
Continua… com nova entrevista, agora ao médico Virgílio Camacho Duverger.
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
06SET2016.
[Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em: