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terça-feira, 29 de novembro de 2016

P292 - Operação "INVISÍVEL" 19 de Dezembro de 1967 - Força executante; CART 1742 e CART 1690. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar.


Documento criado em 2003,  recebido em 2007


Autor: 
António Manuel Marques Lopes, Coronel DFA na situação de reforma.
 (ex Alf. Milº da Cart 1690 - Geba) 
                 
 22. OP. "INVISÍVEL" 19DEC67

              SITUAÇÃO PARTICULAR


Em face das acções realizadas sabe-se que o IN actua no regulado de MANSO MINE onde possui a base de SINCHA JOBEL.

MISSÃO

Executar uma batida nesta região tentando desalojar o IN.


FORCA EXECUTANTE


a) CMDT:- Cap. Mil. Art. Carlos Manuel Ferreira
b) MEIOS;- DEST. "A" - CART. 1742 a 02 GR. COMB.
DEST. "B" – CART 1690 a 02 GR. COMB. ref. c/ 1 PEL.110/C.MIL 3


  


DESENROLAR DA ACÇÃO

Em 1822H00DEC67 (18 Dezembro de 1967, 22,00 horas) as forças intervenientes saíram auto transportadas de GEBA em direcção a SARE GANA, progredindo em seguida apeadamente em direcção a GANHAGINA, que atingiram em 190400DEC67.
Não se pôde efectuar a cambança da bolanha nessa altura, em virtude do guia não conhecer o caminho, para atingir a bolanha pelo que as forças intervenientes se instalaram, montando a devida segurança. Pelas 06H00 as forças intervenientes iniciaram novamente a progressão à bolanha, que atingiram pelas 07H50 hora a que se iniciou a cambança da mesma. 

Nesta altura foram avistados elementos IN em cima de árvores, pelo que se tomaram as devidas medidas de segurança para a travessia da mesma. A cambança terminou às 08H50 iniciando-se em seguida a progressão à base de patrulhas. Cerca das 11H50 fez-se um alto, devido novamente ao guia se ter perdido e precisar de se orientar; Foi destacada 01 Secção reforçada comandada pelo Furriel Miliciano Pombeiro para fazer a protecção ao guia, enquanto a restante força interveniente montava segurança no local de estacionamento.

Às 12H45 iniciou-se novamente a progressão à base de patrulhas que foi atingida às 15H52. Nesta altura ouviram-se vozes de elementos IN, o que levou as forças intervenientes a supor que o IN se encontrava instalado naquele local. Devido a este facto a missão foi alterada e estabeleceu-se que o Dest. B faria o assalto ao objectivo enquanto o Dest. A. faria a detenção do IN. Para o assalto ao acampamento IN o Dest. B nomeou 01 GR. GOMB., o 2º. GR. COMB. faria a protecção ao 1.º» e serviria de reserva.

Estabeleceu-se também o ponto de reunião das forças intervenientes. Quando o 1.º. GR. COMB. comandado por mim (Alf. Milº Marques Lopes) e pelo Alferes Miliciano Lourenço, progredia em direcção do acampamento IN, foi emboscado e surpreendido  por um súbito desencadear de intenso e nutrido fogo IN. Tentou anular-se o mesmo reagindo as NT fortemente.

Como o 1°. GR. COMB. fosse o que nessa altura se encontrasse mais submetido ao fogo IN, veio o 2º. GR. COMB, comandado pelo Alferes Miliciano Fernandes em auxílio do primeiro, mas o mesmo foi atacado pela rectaguarda e, portanto, não pode proteger a retirada do primeiro. Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o MORT. 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes.

Verifiquei que nessa altura já o Dest. B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 e que estava a fazer fogo com a ML MG-42, soldado Metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar além de vários feridos. Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda e quando o puxava pelos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos».

Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante compridos (a cobrir as orelhas) facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar.

Quando retirava em direcção ao ponto de reunião, encontrei uma secção da CART 1742, e 4 soldados da minha Companhia (CART 1690) que me informaram ser impossível entrar em contacto com a CART 1742, enviei 5 soldados desta última Companhia a fim de averiguar tal impossibilidade, enquanto se montava a segurança com os restantes elementos.

Logo após esses 5 Soldados regressarem informando-me que a CART 1742 já retirara». Devido a tal e uma vez que o IN já nos estava a envolver, iniciei a retirada em direcção à bolanha. Durante a retirada fomos constantemente perseguidos pelo IN que disparava incessantemente rajadas de armas automáticas ligeiras e metralhadora pesada, além de encontrarmos diversos elementos IN já instalados ao longo do caminho que conduzia à bolanha e que fez com que este grupo tivesse que atravessar a bolanha num local diferente do que inicialmente estava previsto, e que batiam o caminho por onde nos deslocávamos.

Quando atravessamos a bolanha o IN bateu a mesma com granadas de morteiro 82 (algumas das granadas estavam equipadas com espoleta de tempos), rajadas de armas pesadas, ligeiras e rocketadas, tendo o mesmo entrado na bolanha em nossa perseguição, e ainda após concluída a travessia depararam-se-nos alguns elementos IN instalados deste lado da bolanha.

Conseguimos, no entanto, fazer a travessia da mesma e iniciarmos a progressão em direcção a SARE GANÁ, que atingimos às 21H00. Chegamos a SARE GANA, verifiquei que a CART 1742 já aí se encontrava e que faltavam 16 elementos da minha Companhia e 1 elemento da CART 1742.

RESULTADOS OBTIDOS

  Baixas sofridas pelo IN: Mortos confirmados 14

  Numerosas baixas prováveis.

FOTOGALERIA:

Fotos de: António Manuel Marques Lopes, CORONEL DFA








Nota; reflexão explicativa:


Alf. Milº A. Marques Lopes
O Alferes Fernandes, aqui referido (de seu nome Fernando da Costa Fernandes) foi o meu primeiro substituto no comando do meu grupo de combate, depois de eu ser ferido. Foi, depois de ter ficado em Jobel, substituído pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, o Aznavour, como lhe chamávamos, por gostar de cantar “à Aznavour”, que morreu também em combate em 8 de Setembro de 1968. 

O soldado Fragata (Manuel Fragata Francisco), um alentejano de Aljustrel, do meu grupo de combate, ficou nesta operação. Mas a história toda foi-me contada pelo Luís Cabral (o primeiro presidente da Guiné-Bissau): ficou furado por vários estilhaços de uma rocketada e foi levado, em maca, pelos guerrilheiros desde a mata do Oio até a um hospital de Ziguinchor, na Casamança, Senegal. 

Não foi fácil, como se calcula. Aí, em Ziguinchor, foi tratado pelo Dr. Pádua, um desertor português. Depois desse tratamento foi repatriado pela Cruz Vermelha internacional e foi para o Anexo do HMP, na Rua Artilharia Um, em Lisboa. Diz o Luís Cabral que, com a simplicidade própria daqueles nossos soldados, o Fragata, ao apanhar o avião de regresso, disse: “Obrigado. Graças ao nosso partido – REFERIA-SE AO PAIGC! -, Posso voltar para casa). Infelizmente, o Manuel Fragata Francisco, passado pouco tempo após a saída do Anexo, morreu num desastre de motorizada na sua terra.

Cor DFA A. Marques Lopes, 31OUT2007
Depois desta operação, aquela zona foi considerada ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea), isto é, só os T6 e os Fiat é que passaram a voar para lá e despejarem toneladas de napalm sobre a floresta de grandes poilões que rodeavam a clareira de Sinchã Jobel. Sem grande efeito prático, pois as bombas rebentavam no cimo das copas das árvores, deixando praticamente intactas as partes no solo. Terá sido destruída anos mais tarde, mas, segundo sei, mudaram-se para dois quilómetros mais a norte, para o lado de Banjara. 
A táctica da guerrilha era essa, naturalmente. Em 1998, o comandante Gazela, o chefe operacional da zona de Sinchã Jobel, confidenciou-me que, naquele dia 24 de Junho de 1967, eles não se aperceberam que eu tinha ficado na bolanha. Só o souberam dois dias depois, quando o Suleiman Baldé, chefe das milícias de Sare Madina, lhes disse que me tinha emprestado uma bicicleta. Este Suleiman Baldé, embora nas milícias, era do PAIGC e acabou por ser morto mais tarde pelas NT. 

Quando ´consegui sair de Sinchã Jobel, no dia 25, cheguei a essa tabanca de Sare Madina e foi, de facto, o Suleiman Baldé que me emprestou uma bicicleta. E foi de bicicleta que cheguei à sede da companhia, em Geba. Preparavam-se já para enviar para Bissau o meu "desaparecimento em combate". Fui chamado, depois, ao Comando do Agrupamento.

Preocupações deles: o major de operações a primeira coisa que me perguntou é se eu tinha trazido a G3... O tenente-coronel comandante do Agrupamento, Hélio Felgas, mostrou-se preocupado porque eu "tinha passado 24 horas no campo do inimigo"... Que os pariu! Disse-lhes eu. Teve de sorrir e disse-me: "Você, agora, tem aí história para contar num livro...". Não sei quando, mas pode ter a certeza que o farei.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

P291 - David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), aquartelada em Mansoa, que em 17 de maio de 1967 foi aprisionado na mata circunvolvente ao quartel por grupo de guerrilheiros, e o de Manuel Fragata Francisco [Manuel Fragata], soldado da CART 1690 (1967/1969), sediada em Geba, que ao ficar ferido em combate na “Op Invisível”, realizada em 19 de Dezembro de 1967, na mata do Oio, não lhe permitiu retirar-se do local por ausência de mobilidade própria, sendo igualmente aprisionado. Em ambos os casos os militares portugueses foram levados para a base [Lar/Hospital] de Ziguinchor.

Mais uma vez a publicação de fragmentos relacionadas com as entrevistas dadas pelos médicos cubanos que estiveram na Guiné, entre 1966 e 1969, permitiu-nos abrir outras “janelas” da investigação, alargando não só os nossos conhecimentos, como recuperando outras memórias de cada um dos lados do combate.
Estão neste caso duas deserções de militares metropolitanos do exército português [NT], chegados a Bissau em Abril de 1965, e que decidiram atravessar a fronteira na região Norte (Senegal), apresentando-se, cada um em tempo diferente, ao PAIGC.
É neste contexto que nasce mais este pequeno contributo à causa da Historiografia da Guerra do Ultramar.
Com um forte abraço de amizade. 
Jorge Araújo.

NOV’2016.

FRAGMENTO ANTERIOR COM DATA DE: 21 DE Novembro DE 2016:

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
AMÍLCAR CABRAL E OS DESERTORES PORTUGUESES
- OS CASOS DE ARMANDO RIBEIRO E JOSÉ AUGUSTO MOURÃO -

1.   INTRODUÇÃO
Na elaboração da anterior narrativa [P288], a terceira relacionada com a entrevista ao médico-cirurgião Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), foram incluídas referências a casos de deserção de militares das NT, nomeadamente o dr. Mário Moutinho de Pádua, considerado o primeiro oficial desertor da história da Guerra do Ultramar, ocorrida em Outubro de 1961, em Angola [Alf. Mil. Médico do BCAÇ 88].
Decorridos seis anos após essa sua tomada de decisão, o dr. Mário Pádua acabaria por integrar uma equipa de clínicos cubanos em missão de apoio ao PAIGC, primeiro no Hospital Militar, em Boké, na Guiné-Conacri, durante os meses de julho e agosto de 1967, fixando-se depois no Hospital de Ziguinchor, no Senegal.
Referiram-se, ainda, os casos de David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), aquartelada em Mansoa, que em 17 de maio de 1967 foi aprisionado na mata circunvolvente ao quartel por grupo de guerrilheiros, e o de Manuel Fragata Francisco [Manuel Fragata], soldado da CART 1690 (1967/1969), sediada em Geba, que ao ficar ferido em combate na “Op Invisível”, realizada em 19 de Dezembro de 1967, na mata do Oio, não lhe permitiu retirar-se do local por ausência de mobilidade própria, sendo igualmente aprisionado. Em ambos os casos os militares portugueses foram levados para a base [Lar/Hospital] de Ziguinchor.
Por lapso, associei o nome de David Costa ao de Daniel Alves [militar identificado com dupla deserção] e que fora noticiada por Amílcar Cabral [1924-1973] em nota, por si manuscrita, enviada aos seus camaradas no início de Janeiro de 1969 [P16722].
Da pesquisa realizada para encontrar alguma referência acerca do caso do Daniel Alves, fugido de Dacar no final do ano de 1968, tendo por fonte privilegiada a «Casa Comum – Fundação Mário Soares», ela não produziu qualquer resultado. Porém, tive acesso a outros documentos relacionados com o tema “deserções”, pelo que decidi partilhá-los convosco, elaborando, por ordem cronológica de acontecimentos, mais esta pequena narrativa.
2.   OS CASOS DE ARMANDO CORREIA RIBEIRO, DA CCAV 789, E DE JOSÉ AUGUSTO TEIXEIRA MOURÃO [Unidade desconhecida]
A referência a estes dois militares metropolitanos que decidiram desertar de unidades do exército português em missão no CTIG foi encontrada em documento, sem data, manuscrito por Amílcar Cabral e que abaixo reproduzimos. Os nomes referidos são:
1.    - Armando Correia Ribeiro, n.º mecanográfico 1919/64, da CCAV 789, com 24 anos de idade, natural de Coimbra, e chegado a Bissau a 28 de abril de 1965.
2.    - José Augusto Teixeira Mourão, n.º mecanográfico 3426/64, unidade militar desconhecida, com 23 anos de idade, natural do Porto, e chegado a Bissau a 6 de abril de 1965. 

Citação:
(s.d.), "Informações relativas a dois militares do exército português", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41210 (2016-11-20)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07058.016.013
Título: Informações relativas a dois militares do exército português
Assunto: Informações relativas a dois militares do exército português: Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão.
Data: s.d.
Observações: Documento incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral 1961-1963
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Uma vez que não existe no espólio do nosso blogue qualquer elemento historiográfico da CCAV 789, tendente a ajudar-nos a entender as razões ou as motivações que estiveram na origem da deserção do Armando Correia Ribeiro, avançámos para a elaboração do quadro de baixas em combate verificadas nesta unidade durante a sua comissão, com relevância para as respectivas datas
De referir que a CCAV 789, a terceira unidade operacional do BCAV 790 [instalado em Bula], chegou a Bissau a 23 de Abril de 1965 e o regresso à Metrópole verificou-se a 8 de Fevereiro de 1967. As duas viagens foram realizadas a bordo do N/M Uíge. A CCAV 789 esteve aquartelada em Teixeira Pinto e Binar.

Quadro estatístico do autor - Fonte: http://ultramar.terraweb.biz/Convivios_Imagens/BCAV790/BCAv790_osmortos.pdf, (com a devida vénia).
Quanto ao caso do José Augusto Teixeira Mourão, desconhecem-se, igualmente, os antecedentes que o levaram a desertar do exército português, a que se adicionam todos os elementos relacionados com o seu currículo militar [a não ser que o nosso camarada José Martins nos possa ajudar neste âmbito].
No entanto, a primeira referência de que há registo sobre José Augusto data de junho de 1966 e foi relatada pelo médico cubano Domingo Diaz Delgado no primeiro fragmento da sua entrevista [P268].
Recuperamos essa passagem: […] Lilica Boal [Maria da Luz “Lilica” Boal] levou-me a sua casa [em Dacar], aonde permaneci três ou quatro dias até que me dão a conhecer [Junho de 1966] um desertor do exército português, de nome José Augusto [José Augusto Teixeira Mourão], e apresentam-me como admirador do Movimento e que queria participar na guerrilha contra o seu governo. A este ex-militar deram-lhe numerosos detalhes e dizem-lhe que sou cubano. Desde aquele momento não fiquei tranquilo e pedi que me mudassem de casa, pois não confiava naquele homem. Mudam-me para outra moradia, onde fiquei mais um dia. […] O principal trabalho em Sará [base], durante esses meses [Julho a Dezembro de 1966], foi a extração de dentes. Tenho um caderno onde registei a quantidade de pessoas que tratei, incluindo o português desertor [José Augusto] que me apresentaram em Dacar, que depois se confirmou tratar-se de um agente da Inteligência portuguesa. Esse homem permaneceu preso no Norte da Guiné, convivendo connosco nesse acampamento.
Citação:
(1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC, base no interior da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43576 (2016-11-20).
Creio que podemos validar, com elevada margem de segurança, que a imagem acima está relacionada com a base de Sará [1966], aonde se vê um cidadão branco, [militar português?] vestido “à civil”, com barba de duas semanas, calçando ténis, e ao seu lado é possível identificar a perna esquerda de um outro corpo, cuja situação deveria ser igual à sua. Daí considerá-los como sendo o José Augusto e o Armando Ribeiro, fazendo fé nas referências produzidas nos vários documentos a seguir identificados.


2.1 – Em 31 de Agosto de 1967: Reunião com os desertores portugueses
Por decisão de Amílcar Cabral foi realizada, na data em título, uma reunião com os dois desertores portugueses, onde foram abordados os seguintes pontos [resumo]:
1.    – Desculpa-se de só agora os ter podido ouvir.
2.    – Fala do significado da deserção. Refere os cuidados que nós [PAIGC] devemos ter também com os desertores. Referiu o caso de um desertor que levado até Dacar fugiu e hoje se encontra em Bissau [será o caso do David Costa?]. Apesar da nossa boa vontade, dos nossos princípios de humanidade, do nosso bom coração, temos de estar vigilantes. Refere os casos de tentativa de fuga, de um deles lá dentro [?] e de outro, de fuga em Dacar, onde se juntou. Diz ainda que os Relatórios mostram contradições nas suas afirmações.
- Mourão (José Augusto) – Chegou a Dacar. Esteve três dias preso. Liberto, foi para o Lar [Ziguinchor?!]. Dois dias depois foi beber uma cerveja com um camarada nosso (Joaquim), numa taberna de um tal Lima (que é Pide). Este pediu-lhe para o ajudar no seu trabalho. Mais tarde conheceu um tal Germano Monteiro (Pide) que o levou à freira. Conversaram na embaixada e fizeram-lhe perguntas. As suas respostas eram comunicadas ao telefone ao embaixador da Suíça. Depois comunicam com a Lilica que, segundo afirma, lhe disse que se quisesse ir para Lisboa esta lhe obteria os papéis [documentos oficiais].
- Amílcar – Esclarece que Lisboa começa mesmo em Dacar com qualquer Pide. Esta pode matar em sua casa o desertor, pode fazer desaparecer o corpo e enviá-lo para Lisboa. Pode também liquidá-lo mesmo na Embaixada ou obrigá-lo à força a sair para Lisboa.
- Lilica Boal – esclarece que é falso o que diz e o que se passou foi o seguinte: afirmou-lhe que se quisesse ir para Lisboa o liquidariam.
Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 1, abaixo reproduzida.
 - Fala Armando [Ribeiro] (desertor) – Conta que foi com dois camaradas nossos longe do Sará [base] para ir beber e que se embebedou. Voltou à base e começou a falar sozinho. Depois, porque estava a dizer coisas sem nexo, um camarada criticou-o pelo que disse. O José Augusto começou a provocá-lo e depois jogaram à pancada. Em consequência disso, aborrecido, saiu da base à noite e depois encontrou um grupo de guerrilheiros que o conduziu à base. Ia às vezes caçar, mesmo sozinho. Outra vez afastou-se para uma Tabanca, tendo depois sido acusado de tentativa de fuga.
- Pergunta de Fidelis (a José Augusto) – Porque mostrou a figura de Amílcar e de outros responsáveis do Partido a um desconhecido que estava numa taberna, cerca da C.R.P. [Casa de Reclusão do Partido?].
- José Augusto – Explicou a coisa.
- Amílcar – Diz que se tratará o problema da melhor maneira possível. Damos-vos comida, tratamo-los bem, damos-lhes dinheiro. Devem ter toda a confiança. Irão conversar com os camaradas Fidelis, Araújo, Vasco e talvez Armando [Ramos]. Diz que podem comunicar com a família.
- PRESENTES – Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.
Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 2, abaixo reproduzida.

Citação:

(1967), "Reunião com os desertores portugueses", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41297 (2016-11-20)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07072.125.007
Título: Reunião com desertores portugueses
Assunto: Apontamentos da reunião com os desertores portugueses. Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Cabral de Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.
Data: Quinta, 31 de Agosto de 1967
Observações: Documento incluído no dossier intitulado Relatórios VI 1962-1971.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos



2.2 – Em 5 de Setembro de 1967: Pedido de autorização ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné para envio dos dois desertores do exército português para Argel
Cinco dias após realizada a reunião com os dois desertores portugueses – Armando Ribeiro e José Augusto Mourão – Amílcar Cabral, procurando resolver o problema conforme prometera, solicita, em carta enviada ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné-Conacri [General Lansana Diané (1920-1985)], autorização para o envio daqueles militares para Argel.
Com tradução do francês, eis a sua transcrição na íntegra.
Conacri, 5 de Setembro de 1967
Senhor Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico
Conacri
Senhor Ministro e caro companheiro de luta.
Depois de termos desencadeado a nossa luta armada de libertação nacional, vários militares portugueses e africanos desertaram das fileiras das tropas coloniais para se juntarem às nossas forças, abandonando, assim, a guerra colonial. A maioria dos desertores portugueses, dos quais obtivemos o melhor acolhimento, juntaram-se com a nossa ajuda aos movimentos antifascistas de Portugal, após terem passado pela República da Guiné. Outros passaram através do Senegal.
Dois militares portugueses, n.º 1919/64, Armando Correia Ribeiro, e n.º 3426/64, José A. [Augusto] Teixeira Mourão, que desertaram das tropas coloniais no Norte do país, foram transferidos para o Sul, encontrando-se presentemente em Conacri. Sujeitos às medidas de segurança necessárias, estes desertores forneceram-nos uma série de informações que considerámos interessantes.
Como os anteriores, gostaríamos de os enviar para a Argélia para inclusão num dos movimentos antifascistas portugueses mais representativo, com o qual temos boas relações.
É por isso que tenho a honra de lhe solicitar nos conceda, por favor, as autorizações necessárias às suas viagens para Argel.
Aceite, Senhor Ministro e caro companheiro de luta, a expressão dos nossos sentimentos de elevada e fraternal consideração.
P’ Bureau Político do P.A.I.G.C.
Amílcar Cabral
Secretário-Geral
Citação:

(1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35016 (2016-11-20)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04606.045.134
Assunto: Solicita autorização junto das autoridades de Conakry para enviar dois desertores do exército português para Argel.
Remetente: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC.
Destinatário: Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico, Conakry
Data: Terça, 5 de Setembro de 1967
Observações: Documento incluído no dossier intitulado Cartas e textos dactilografados enviados por Amílcar Cabral 1960-1967
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência
Para além do escrutínio aos documentos supra, nada mais relevante foi encontrado, pelo que continuará incógnito o que terá acontecido, a partir de 5 de Setembro de 1967, na vida de cada um dos nossos dois camaradas, a não ser que, entretanto, surjam novos desenvolvimentos.
Vamos acreditar que tal possa acontecer.

Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
25NOV2016.

Vd. Posts: Por António Manuel Marques Lopes, ex. Alf. Milº  da CART 1690, actualmente, Coronel DFA na situação de reforma: 

18FEV2011 - http://cart3494guine.blogspot.pt/2011/02/p93-op-inquietar-i-e-inquietar-ii.html

21FEV2011 - http://cart3494guine.blogspot.pt/2011/02/p94-rtp-2-artigo-37.html



sábado, 26 de novembro de 2016

P290 - IN MEMÓRIUM: António Guerreiro, ex.Alf. Milº Trms Inf. do BART 3873 (CCS) 1948 / 2016


Tem Cor Artª Jales Moreira
1. MSG do Ten. Cor. Artª na situação de reforma Jales Moreira, ex. Major de operações do BART 3873


2. IN MEMÓRIUM


António Fernando Barroso Guerreiro, ex. ALF. MILº TRMS INF. NMº 178268/69 integrado na companhia de comando e serviços (CCS) do BART 3873, no período de Dezembro de 1971 até Abril de 1974, faleceu no Hospital de Évora onde estava internado no dia 25 de Novembro de 2016. 
O féretro encontra-se em câmara ardente na casa mortuária do referido Hospital de onde sairá para o cemitério local pelas 15,00 horas do dia 26.

Em meu nome pessoal e de todo Batalhão (BART 3873),  À Família, apresentamos o nosso voto de pesar e sentidas condolências.



Sousa de Castro

3. Camarada Castro
 
Tal como telefonicamente falámos, estive presente no funeral do ex alferes Guerreiro, tendo-me representado não só a mim, mas também  a nossa companhia, cart 3494. 
Estiveram presentes familiares e amigos, mas o nosso batalhão, apenas foi representado pelo actual tenente coronel Jales Moreira e por mim, ex alferes miliciano, Acácio Correia. 
Como combinado, junto envio foto com as habituais referências.

  Um abraço
  Acácio Correia

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

P289 - Acontecimentos que a memória conserva por: António E. J. Ferreira ex. 1º cabo condutor Auto da CART 3493

1. Transcrição de uma mensagem recebida hoje (21NOV2016) publicada no blogue ["MOLIANOS" viajando no tempo] editado pelo nosso camarada António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex. 1º cabo condutor auto da CART 3493 do BART 3873, Mansambo, Cobumba e Bissau, onde nos conta como foram os primeiros dias depois da chegada à GUINÉ.

SdC




Acontecimentos que a memória conserva


Quando cheguei à então província Portuguesa da Guiné, a primeira vez que fui comer ao refeitório nos adidos em Bissau fui confrontado com algo estranho que eu não imaginava que por lá acontecesse, vários jovens africanos não sei se tropa ou milícia, talvez à espera de transporte para o interior, estavam fora do edifício junto às paredes com latas que tinham sido de coca-cola, leite, fruta ou outras, sem tampa de um dos lados que era tirada roçando num local rijo para que a parte perfurada caísse, que colocavam nas aberturas que existiam nos blocos de cimento com que eram construídas as paredes dos pavilhões, para que lá de dentro alguém lhe colocassem restos de comida, se algumas vezes era comida normal… outras levava à mistura espinhas e ossos mas que eles não rejeitavam.
Passado um mês de estar em Bissau fiz a viagem num Dacota até Bafatá e depois em coluna até Bambadinca, onde estive algumas horas à espera de transporte para Mansambo, durante o tempo que lá estive tudo aquilo era para mim um mundo novo, tudo diferente, desconhecido e tão estranho que certamente passei o tempo a olhar em todas as direções. Recordo-me de estar sentado naquele espaço que circundava os pavilhões, onde estavam também algumas mulheres da população, não sei porque estavam ali, talvez à espera de transporte para outra tabanca, estavam quase todas com crianças às costas uma estava a comer uma oleaginosa, coisa que eu desconhecia, olhou para mim já só tinha uma partiu-a em duas com os dentes, depois disse-me qualquer coisa que eu não entendi, e deu-me metade que mesmo sem saber o que era aceitei e comi.
António E. J. Ferreira, 1972

Certo dia fomos fazer segurança, não sei a quem, ainda éramos periquitos, algures entre Bafatá e nova Lamego, quando chegamos à tabanca onde fomos “dormir” era já noite e ninguém tinha água, alguém da população trouxe um alguidar grande cheio, a sede era tanta em que bebemos directamente no alguidar como se fossemos uma manada de animais...

Em Mansambo prometi ao Serifo o faxina dos condutores, de que eu fazia parte, quando vim de férias à metrópole que lhe levava uns sapatos novos, quando regressei o Serifo já não era o nosso faxina, mandei-o chamar à tabanca e dei-lhe os sapatos, no dia seguinte apareceu lá no nosso abrigo na companhia de vários meninos com os sapatos calçados todos eles exteriorizando uma alegria contagiante com uma galinha que me ofereceu.

Muitos anos já passaram mas jamais esqueci o gesto de solidariedade da senhora que me ofereceu metade da oleaginosa, talvez apercebendo-se de que eu estava completamente perdido…tentando amenizar aquele sofrimento que seria por demais evidente, para quem tinha deixado no hospital a esposa e o filho com poucas horas de nascido e tinha partido para a guerra. A galinha do Serifo e alegria daqueles meninos, ou aquela gente para quem o resto de comida era importante. Nos momentos difíceis com que tenho sido confrontado ao longo da vida, que não tem sido poucos, por estranho que possa parecer, não raramente são estas e outras memórias de situações que lá vivi onde vou buscar muita da força necessária para os enfrentar.
António EJ Ferreira.