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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

P385 - AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974) - OS TRÊS ACIDENTES NA HIDROGRAFIA DA GUINÉ - [PARTE II]

Mensagem recebida de Jorge Araújo, recebida no dia 04/12/2019


Serve o presente para juntar o segundo fragmento do trabalho de investigação relacionado com as mortes, por afogamento nos rios da Guiné, de militares do Exército durante a "guerra do ultramar".

Recorda-se que para além do tratamento estatístico serão analisadas as três ocorrências mais relevantes neste âmbito, como foram os casos verificados no Rio Cacheu, em 05Jan1965; no Rio Corubal, em 06Fev1969 e no Rio Geba, em 10Ago1972.   


PARTE I Aqui: 
MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS DURANTE A GUERRA NO CTIG (Guiné 1963-1974) - CORPOS ‘RECUPERADOS’ E ‘NÃO RECUPERADOS’ - [PARTE 1]



GUINÉ

Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974)
- OS TRÊS ACIDENTES NA HIDROGRAFIA DA GUINÉ -


PARTE II
1.   - INTRODUÇÃO

Na sequência do texto de apresentação deste novo projecto (P383), estruturado em quatro partes, titulado de «ensaio sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné», durante o conflito armado (1963-1974), acrescentamos que esta questão surge do interesse pessoal pelo seu aprofundamento, onde, na altura própria, teremos a oportunidade de recordar uma experiência única, muitíssimo emotiva e impregnada de uma dor imensa, que teima em não passar, vivida por mim no Rio Geba, em 10Ago1972, acidente considerado como um dos três mais graves registados pelas NT na rede hidrográfica da Guine, durante o período em análise.

Por outro lado, considerando que estão decorridas mais de quatro décadas desde o final do conflito, é de acolher o conceito de que o actual quadro historiográfico, onde consta o que aconteceu, o que foi feito e o que foi dito, muito deve às narrativas elaboradas, na primeira pessoa, pelos ex-combatentes ao longo dos anos, de que são prova pública aquelas que têm sido publicadas em blogues, como é o caso deste. Acreditamos que esse quadro vai continuar a ser alterado/actualizado/alterado com a adição de outras “memórias” ainda não divulgadas.

Entretanto, os resultados que iremos dando conta ao longo dos diferentes fragmentos são corolário da consulta a diferentes fontes “Oficiais”, onde o tema foi tratado, mas não serão as únicas, pois continuaremos a alargar os campos de consulta. Pelo exposto acima admitimos a possibilidade dos “casos da investigação” já coletados poderem vir a ser alterados/corrigidos por via da identificação de situações particulares que já estejam, ou não, consideradas. Por outro lado, quanto aos valores já apurados, procederemos à realização de uma análise demográfica, quantitativa e qualitativa. Essa análise, que terá uma dimensão global, apresentar-se-á, ainda, estratificada em dois grupos (amostras), como são os casos dos “corpos recuperados” e “não recuperados” e as suas respectivas Unidades.

Por razões metodológicas e estruturais do desenvolvimento do trabalho, a análise estatística apresentada no primeiro fragmento foi organizada exclusivamente por quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indicou em cada um dos títulos. Nesses quadros relatam-se os valores quantitativos dos diferentes elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.

No presente fragmento, esses mesmos quadros terão agora uma representação gráfica de distribuição de frequências, simples e acumuladas, expressa através de gráficos de barras ou de gráficos circulares.

Por último, serão descritas as causas, factos e resultados que fazem parte da “História” de cada um dos três principais acidentes na hidrografia da Guiné, como foram classificados os casos do Rio Cacheu, em 05Jan65, durante a «Operação Panóplia»; no Rio Corubal, em 06Fev69, em Ché-Che, e em 10Ago72, no Rio Geba, no Xime.
Cada uma destas ocorrências será tratada individualmente e em fragmento separado.
2.   – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-74)
 (UNIVERSO - n=144)
Recordamos que a análise demográfica que comporta esta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu, como referimos no ponto anterior, sobre os casos das mortes por afogamento de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados nos “Dados Oficiais” publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).
Gráfico 1 – Distribuição de frequências segundo a variável número de mortes por afogamento (1963-1974) - n=144




O estudo mostra que dos indivíduos que constituíram a população deste estudo, em 81 (56.2%) dos casos de mortes por afogamento os corpos foram recuperados, enquanto 63 casos (43.8%) tal não se concretizou.

Gráfico 2 – Distribuição de frequências segundo a variável de mortes por ano - n=144


O estudo mostra que durante o período em análise (1963-1974) em todos os anos ocorreram mortes por afogamento. Os valores mais baixos foram verificados em 1963 (n=3), 1970 (n=4) e 1974 (n=5). Durante os doze anos em que decorreu o conflito, por quatro vezes (1/3) o número de mortes por afogamento ultrapassou a dezena de casos. Para estes valores muito contribuíram os “acidentes” nos rios da Guiné – Cacheu, Corubal e Geba – como foram os três casos seguintes. Em 05Jan1965, no Rio Cacheu, durante a «Operação Panóplia», com oito mortes do PMort 980. Em 06Fev1969, no Rio Corubal, em Ché-Che, com quarenta e sete mortes, pertencentes à CCaç 1790 (n=26), CCaç 2405 (n=19) e ao PMil 149 (n=2). Em 10Ago1972, no Rio Geba, em Xime, com três mortes da CArt 3494.

Gráfico 3 – Distribuição de frequências segundo a variável “Posto” - n=144



No que concerne à distribuição de frequências relativas ao “Posto” militar dos náufragos, durante o período em análise (1963-1974), constata-se que 113 (78.4%) eram soldados; 22 (15.3%) eram 1.ºs cabos; 7 (4.9%) eram furriéis; 1 (0.7%) era 2.º sargento e 1 (0.7%) era major.
3.   – OS TRÊS ACIDENTES NOS RIOS DA GUINÉ:
    - CONTEXTO DE CADA UMA DAS OCORRÊNCIA
Para a elaboração deste ponto muito contribuiu o vasto espólio de informação disponível no blogue da «Tabanca Grande». Contudo, as maiores dificuldades foram sentidas na obtenção de relatos relacionados com o acidente ocorrido no Rio Cacheu, em 05Jan1965, envolvendo o PMort 980, uma vez que esta unidade não consta no índice de “marcadores”. Mas conseguimo-las ultrapassar após termos localizado o P3313-LG (de 14Out2008), um trabalho do camarada Virgílio Briote, a quem desde já agradeço.
Com efeito, a sequência da apresentação será cronológica com início no acidente no Rio Cacheu, seguido do ocorrido no Rio Corubal e, finalmente, o caso no Rio Geba, conforme se dá conta no gráfico abaixo (elaborado a partir do gráfico 2).

Gráfico 4 – Identificação dos anos em que ocorreram os acidentes nos rios da Guiné 



3.1  - O CASO NO RIO CACHEU EM 05JAN1965 = O PRIMEIRO


Foto 1 (Rio Cacheu). Este rio encontra-se na região norte da Guiné, perto da fronteira com o Senegal. O rio tem 150 kms de extensão, em grande parte é navegável e o seu caudal aumenta drasticamente durante a estação chuvosa, entre Maio e Novembro. O seu estuário é fascinante. A grande extensão do sistema de mangais fez com esta área se tenha tornado no Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu. Apesar de ser uma área muito interessante, não é muito frequentada por turistas. No entanto, é um porto seguro para muitos animais como crocodilos, hipopótamos, golfinhos, peixes-boi, gazelas pintadas, macacos verdes e local de acolhimento periódico de aves migratórias.
- O CONTEXTO DA «OPERAÇÃO PANÓPLIA» EM 05JAN1965
No âmbito das responsabilidades que recebera de Bissau, após a sua participação na «Operação Tridente», o Batalhão de Cavalaria 490 [BCav 490], sob o comando do TCor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro (1917-2012] segue para Farim, em 23MAI64, com a superior missão de preparar a organização, deslocamento e instalação das forças no «Sector 2», que abrangia os subsectores de Cuntima, Jumbembem, Bigene e Farim (a sede), aos quais se juntou, em 24Jun64, o de Binta, então criado.
Contemplado no calendário das acções previstas para aquele Sector, foi planeada para o dia 05Jan1965, 3.ª feira, a «Operação Panóplia», envolvendo as forças da CCaç 461, CCaç 675, CCav 487 e PMort 980, com o objectivo de agir sobre as Tabancas de Sambuiá, Malibolom, Ujeque e Talicó, e respectivos itinerários circunvolventes.
Como apoio logístico às forças terrestres, este contingente contou com a participação da Lancha de Fiscalização Grande [LFG] «Orion», sob o comando do 1TEN Rui Vasco de Vasconcelos e Sá Vaz (comissão: 24Out64/03Dez66), e o oficial Imediato da Reserva Naval; 2TEN RN Virgílio Cabrita da Silva, 6.º CEORN (comissão: 24Out64/02Jun66).


Foto 2 – A LFG «Orion», da classe Argos, no Rio Cacheu. Esta Lancha de Fiscalização deixou Lisboa em 01Dez64 com destino a Bissau onde chegou a 13 do mesmo mês, depois de ter escalado os portos do Funchal, S. Vicente de Cabo Verde e Praia. Até ao final do ano de 1964 esteve em patrulha e fiscalização no Rio Cacheu.
Durante o desenrolar da «Operação Panóplia», aconteceu um acidente “grave” no Rio Cacheu, que teve como consequência a morte, por afogamento, de oito militares do PMort 980. Como instrumento de avaliação daquela ocorrência, o Cmdt desta força, Alf Inf. José Pedro Cruz elaborou um «Relatório”, que abaixo se reproduz, e cujo original faz parte da História do Batalhão de Cavalaria 490, pp 66-67.  
Relatório da ocorrência elaborado pelo Cmdt do PMort 980 – Alf José Pedro Cruz
O PMort 980 participava na «Operação Panóplia» que se realizava na Península de Sambuiá, entre o Rio Cacheu e o Rio Talicó.
Para dar cumprimento à missão, o PMort 980 embarcou na LFG [Lancha de Fiscalização Grande] «Orion» às 05h00 como estava previsto e foi transportado por este meio na direcção E-W pelo Rio Cacheu. Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí, o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o PMort 980 desembarcou para o bote de borracha pertencente ao Exército no qual se faria o desembarque na Península de Sambuiá.
Embarcaram para o barco de borracha do Exército 25 militares entre os quais se encontrava o Cmdt do PMort 980 [Alf Inf José Pedro Cruz]. Embarcámos também para esse barco todo o material e armamento necessário para se realizar o desembarque, Como seria mais seguro não embarcaram todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, tendo o Comandante do navio posto à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do PMort (oito), assim como o restante material. Os dois barcos seriam rebocados pela «Orion», de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na Península onde se efectuaria o desembarque, junto ao Rio Cacheu. Segundo notícias, essas sentinelas existiam. Os barcos onde eram transportados os homens do PMort 980 seriam afastados da «Orion» ao passarmos pelo local onde se realizaria o desembarque.
Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco onde eram transportados os 25 militares, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo.
O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior, rebentou pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade. Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens [militares] que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo Cmdt da «Orion» e depois por mim [Cmdt do PMort] que, em caso de emergência, o cabo devia ser largado imediatamente. Foi nessa altura que eu [Cmdt do PMort] chamei a atenção dos homens [militares] para a conveniência de se chegarem o mais possível para a ré, pois o barco rebocado teria a tendência a baixar a proa. Os homens [militares] assim fizeram.
A marcha recomeçou, não podendo eu [Cmdt do PMort] avaliar a velocidade da «Orion», pois ela, necessariamente, difere bastante (aparentemente), devido às diferenças de tamanho da «Orion» e do barco rebocado. Depois de se navegar nestas condições alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Coisa sem importância, pois isso seria natural devido à ondulação provocada pela deslocação do navio rebocador [a «Orion»].
Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens [militares] se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desequilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo a qualquer reacção, afundou-se rapidamente. Alguns homens [militares] que se encontravam dentro do barco sinistrado não sabiam nadar e, então, o pânico foi enorme.
Nadei para junto do barco que se encontrava voltado e icei-me para ele. Seguidamente e auxiliado por um soldado, fui aconselhando calma e ajudando alguns homens [militares] a içarem-se para o barco voltado. Foi feito todo o possível para salvar o maior número de homens. Alguns não chegaram a vir à superfície uma única vez, talvez devido ao grande peso do equipamento, armamento e munições. Entre estes, dois eram bons nadadores.
Verifiquei então que se aproximava rapidamente um barco de borracha da Marinha tripulado pelo próprio Cmdt da «Orion» [1TEN Rui Sá Vaz], a qual se encontrava parada, afastada do barco sinistrado cerca de 80 metros. Depois de se efectuar o transporte de todos os sobreviventes para bordo do navio, efectuaram-se pesquisas em todos os sentidos e recolheu-se todo o material que se encontrava a boiar.
Verifiquei imediatamente que tinham desaparecido no desastre alguns homens [militares] do meu PMort 980 e variadíssimo material.
Ao subir para a «Orion» fui informado que dois homens [militares] se salvaram por terem ficado agarrados ao cabo do reboque, o que prova que o mesmo cabo não foi largado como foi aconselhado para o fazerem em caso de emergência.
Foto 3 - Citação: (s.d.), "Guerra da Guiné: exército português em operações.", Casa Comum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_114441, com a devida vénia.
Conclusões:
● 1 - O desastre [acidente] deu-se, em grande parte, devido ao pânico de que os homens [militares] se apossaram.
● 2 - O pânico foi devido à entrada da água pela proa do barco. Pânico natural, por muitos não saberem nadar.
● 3 - Que a água entrou devido à ondulação provocada pelo deslocamento do barco rebocador e ainda devido à tendência do barco em baixar a proa, visto o cabo do reboque não ter sido passado por baixo do barco mas sim por cima, indo agarrado pelos próprios tripulantes do barco rebocado.
Recomendações:
● 1 - Tanto quanto possível evitar, nas operações em rios, homens [militares] que não saibam nadar.
● 2 - Nunca rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios homens do mesmo barco.
● 3 - Sempre que possível, evitar reboques por meio de navio de peso elevado e de elevada velocidade.
Comentário do Cmdt do BCav 490 – TCor Fernando Cavaleiro
Concordo com as conclusões e recomendações apresentadas. N que respeita à escolha dos homens [militares] que saibam nadar, creio que infelizmente é bastante teórica pois na maior parte dos casos terão que ser utilizados os efectivos disponíveis. Aliás, não basta saber nadar, pois como se verificou dois dos desaparecidos eram até bons nadadores. A única solução parece-me que será dotar as Unidades de meios próprios para desembarques.
No caso presente é possível que o acidente se tivesse evitado se não tivesse havido necessidade de tomar medidas motivadas pela grande vulnerabilidade do barco de borracha.
O barco tem sido utilizado inúmeras vezes, nomeadamente no percurso Farim-Binta e na travessia do rio Cacheu em Farim, deslocando-se pelos próprios meios e transportando até cargas mais elevadas, sem que a sua estabilidade desse lugar a reparos.
Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965.
O Comandante do BCav 490, Fernando Cavaleiro

Relatório da ocorrência elaborado pelo Cmdt do PMort 980 – Alf José Pedro Cruz
Incluído na História da Unidade do Batalhão de Cavalaria 490



NOTA FINAL:

A missão definida para a «Operação Panóplia» prosseguiu, dela fazendo parte as restantes forças mobilizadas: CCaç 461, CCaç 675 e CCav 487.

Continua…
Fontes consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp 253-254.
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
03DEZ2019

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

P384 Homenagem aos Militares Portugueses Por: Alegria Faustino

Texto recuperado no Facebook de: ALEGRIA FAUSTINO, Ex. Furriel Enf. da 3ª Companhia do BCAÇ 4514/72 que esteve em: Jumbembém, Guidage, Jemberém e Geba. Foi seu CMDT Cap Mil Infª Jorge Manuel Pedroso de Oliveira Martins. 

Dados extraidos do:https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com com a devida vénia.


Homenagem aos Militares Portugueses

Do Facebook com a devida vénia

Enviado pelo Alegria Faustino. 
“Guidage, o próprio nome, no contexto do conflito, assustava, por tudo aquilo que ali havia tido lugar, em Maio de 73. Guidage, meses de Junho, Julho e Agosto de 73, tempo de acalmia, uma espécie de guerra em "paz". Tivemos alguns contactos com o in, sempre em fuga. Estávamos em plena época das chuvas e o in transferiu para sul, a sua combatividade. Recordo tudo, como se tudo tivesse acabado de acontecer. Saímos cedo, cerca das 7 horas da manhã, uma saída a nível de companhia, em missão de patrulha do nosso sector. O regresso foi ao entardecer, com chuva intensa e trovoada sobre nós. As gotas de água feriram o rosto e os punhos, como agulhas, tal a velocidade imprimida na nossa progressão de regresso ao aquartelamento. Estava encharcado, o peso da bolsa de enfermeiro incomodava sobre as costas, as mãos "coladas" à G3, com força diabólica, silêncio absoluto, ouvidos e visão atentos a tudo. Só tive tempo de mudar de camuflado e botas. Fui imediatamente informado da chegada de uma senhora que havia pisado uma mina, no seu regresso da bolanha e tinha ficado sem uma parte da perna. Corri de imediato para uma espécie de abrigo enfermaria, escuro como breu, cheio de humidade e o cheiro a bafio, misturava-se com o cheiro da carne humana queimada pela explosão. A Senhora estava nos últimos dias de gestação e na impossibilidade de uma evacuação, havia que estabilizar a situação e, dados os sinais de um iminente parto, proceder ao acto. Foi, simplesmente, horrível. Primeiro, cuidar da perna decepada, com os procedimentos que exigia a circunstância: separar com o bisturi os tecidos queimados, diminuir e aumentar a intensidade do garrote, deixar fluir o sangue o menos possível, morfina, envolver o que restava da perna num penso gigantesco e logo a seguir, o parto. Tínhamos falado disso na Escola de Enfermagem do Exército e os meus conhecimentos sobre a matéria eram escassos. A dilatação vaginal não ocorreu como é normal e houve necessidade, com um bisturi, de fazer dois cortes, para abreviar o nascimento da criança. Não sei onde aquela senhora conseguiu arranjar forças para tudo suportar e resistir. O parto teve lugar sobre uma espécie de mesa, onde não havia máscaras ou quaisquer condições higiénicas e sanitárias, onde os fluidos do parto encharcavam o chão em terra batida e as minhas mãos cobertas de sangue, fezes e urina. O cheiro era insuportável. A criança nasceu, resistiu, tal como a mãe e no dia seguinte, foi evacuada para Farim. Enquanto decorria todo este drama, lá fora, a trovoada, o vento e a chuva, qual sinfonia ou rapsódia, alheavam-se de tudo aquilo que acabava de ter lugar. Fui ajudado por um enfermeiro do contingente local, da Companhia de Caçadores 19, habituado a estas situações e a ferimentos de guerra. Deixei aquele local e por estranho que possa parecer, o que mais me impressionou foi aquele breve momento de encanto e poesia quando, no meio de tudo aquilo, a senhora acolheu nos seus braços o seu bebé. Informei o meu capitão do sucedido. Outros partos sucederam-se, em plena mata, mas, nestas circunstâncias, não.
Memórias de um combatente enfermeiro.”



domingo, 24 de novembro de 2019

P383 - MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO PORTUGUÊS DURANTE A GUERRA NO CTIG (Guiné 1963-1974) - CORPOS ‘RECUPERADOS’ E ‘NÃO RECUPERADOS’ - [PARTE 1]

MSG com data de 04NOV2019


Caríssimo Camarada Sousa de Castro,

Os meus melhores cumprimentos.

Venho, pelo presente, dar conta dos resultados obtidos durante uma nova investigação, qualitativa e quantitativa, relacionada com o levantamento do número de militares do Exército que morreram afogados, durante a guerra, no CTIG.

Em função da sua extensão, o trabalho foi dividido em quatro partes, onde, para além do respectivo tratamento estatístico, serão analisadas as principais ocorrências que contribuíram para a soma final.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.




GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
ENSAIO SOBRE AS MORTES POR AFOGAMENTO DE MILITARES DO EXÉRCITO DURANTE A GUERRA NO CTIG (1963-1974)
- CORPOS ‘RECUPERADOS’ E ‘NÃO RECUPERADOS’ - 





PARTE I
1.   - INTRODUÇÃO

Como sobrevivente no naufrágio tido pela minha secção (+) do 1.º Gr Comb da CART 3494 (1972-1974), ocorrido em 10Ago1972 (5.ª feira), no rio Geba, na zona do Xime (portanto; há quarenta e sete anos), por influência do «macaréu» [P159 e P211], de que resultaram, lamentavelmente, três baixas, duas das quais não recuperadas, tomei a iniciativa de proceder a um “ensaio”, quantitativo e qualitativo, sobre o número de militares do Exército que morreram afogados nos diferentes planos de água existentes na Guiné, durante o conflito armado (1963-1974), dividindo-o em dois grupos: “recuperados e “não recuperados” e as suas Unidades.

Com efeito, o levantamento que hoje trago ao vosso conhecimento é resultado dessa pesquisa, efectuada através da consulta a diferentes fontes, entre oficiais e não oficiais. Porque se trata, como foi referido, de um “ensaio”, este apuramento pode vir a ser alterado em função de outras colaborações e/ou informações complementares que possam, eventualmente, surgir após a avaliação realizada por cada um de vós.

Por razões metodológicas e estruturais do presente trabalho, nesta primeira parte não se referem os nomes dos naufragados em cada uma das diferentes ocorrências, opção que será alterada a partir da segunda parte, com a identificação das Unidades que não conseguiram recuperar os corpos dos seus náufragos [último quadro desta parte I], bem como a descrição, a possível, do contexto em que as mesmas tiveram lugar.

Foto 1 - (Guiné; 1965) - Operação militar com percurso na água [foto retirada da Net, in: http://lugardoreal.com/imaxe/operacao-militar-12, com a devida vénia].


Foto 2 - (Guiné; 1966) - Travessia de um rio no âmbito de uma missão militar [foto retirada da Net, in: http://lugardoreal.com/imaxe/travessia-de-rio, com a devida vénia].

 


2.   – A HIDROGRAFIA DA GUINÉ-BISSAU
A grande maioria da actividade operacional das NT era planeada e executada em função da geografia e hidrografia de cada local. Cada situação era um caso particular, pois o seu território, constituído por zonas do litoral e do interior, apresenta-se mapeado por uma linha (a do limite das marés) dividindo-o em duas zonas hidrograficamente distintas, que influenciavam a mobilidade daqueles que nelas tinham de circular, desafiando a vida de cada um, com particular incidência dos menos preparados e dos mais descuidados.  
De acordo com a literatura consultada, a primeira, a do litoral, é a zona das planícies, das rias, dos vales muito largos, invadidos pelas marés de água salgada, enquanto as segundas, para o interior, só existem rios de água doce, não navegáveis, devido às cheias e rápidos.


 
Foto 3 - Rápidos do Saltinho no rio Corubal [foto retirada da Net, com a devida vénia, in: https://www.google.pt/search?q=imagens+do+litoral+da+guiné&source]
Esta linha marca o limite da navegação e separa os tipos de vegetação. Há uma área enorme - cerca de 4.000 Km2, mais de 10% da totalidade do território - que fica coberta de água, o que ocorre entre a praia-mar e a baixa-mar, cuja amplitude chega a ser próxima dos 7 metros, em alguns locais. Durante as "marés da conjunção", encontro das águas dos rios com a praia-mar, observa-se nos rios Geba e Corubal - o mais extenso da Guiné - o chamado fenómeno do «macaréu», que consiste numa grande onda, como um depósito de água corrente que, num instante, enche o leito do rio que transborda e inunda de água salgada extensas zonas das baixas margens daqueles rios. No interior das rias existem portos naturais e a extensão das vias navegáveis, por navios de longo curso, é da ordem dos 300Km. Nas vias iluviais, a navegação faz-se em cerca de 950Km. As principais são o Cacheu, Mansoa, Rio Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine. No Geba, que termina pela chamada ria de Bissau, situa-se o porto natural da capital. Os cursos de água da zona interior, ao contrário do que acontece na zona do litoral, não têm água salgada, por não chegar a eles o efeito das amplas marés; são de caudal muito variável ao longo do ano, reduzindo-se na época seca de tal forma que, muitos dos rios secundários deixam de ter água. A existência de rápidos [foto acima] só permite que sejam navegáveis em pequenas extensões. As três principais bacias hidrográficas são a do Cacheu, do Geba e do Corubal. A Guiné apresenta ainda, principalmente na época das chuvas, importantes lagoas que cobrem extensas áreas de terrenos planos e desaparecem, em geral, na época seca.
3.   – OS DADOS DO “ENSAIO” – QUADROS ESTATÍSTICOS
Partindo da coleta de dados apurada, o tratamento estatístico que seguidamente se dá conta está representado por quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. Cada quadro relata os valores quantitativos de cada um dos elementos das variáveis categóricas ou quantitativas relacionadas, tendo em consideração os objectivos que cada contexto encerra.

Quadro 1 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974), e que constituíram a população deste estudo, é de 144. Verifica-se, também, que desse total, 113 (78.4%) eram soldados; 22 (15.3%) 1.ºs cabos; 7 (4.9%) furriéis; 1 (0.7%) 2.º sargento e 1 (0.7%) major. Quanto aos anos em que se registaram maior número de casos: em 1.º lugar está o de 1969, com 51 (35.4%) mortos. Para esta cifra contribuiu significativamente o episódio da «Jangada de Ché-Che», ocorrido em 06Fev1969, no Rio Corubal, com 47 mortos. Em 2.º lugar está o ano de 1965, com 20 (13.9%) mortos, dos quais 8 pertenciam ao PMort 980 registados na sequência do acidente no Rio Cacheu, em 05Jan1965, durante a «Operação Panóplia». No ano de 1972, verificou-se um outro acidente, o 3.º, desta vez no Rio Geba, em 10Ago1972, envolvendo o 1.º Gr Comb da CArt 3494, com 3 mortos.


 

 

Quadro 2 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 63 (43.8%). Verifica-se, também, que desse total, 48 (76.2%) eram soldados; 10 (15.9%) 1.ºs cabos; 4 (6.3%) furriéis e 1 (1.6%) 2.º sargento. Quanto aos anos em que se registaram maior número de casos: estes correspondem aos mesmos indicados no quadro 1, ou seja: 1969 com 49 (77.8%) casos, 47 dos quais relacionados com a «Jangada de Ché-Che», no Rio Corubal; 1965 com 4 (6.3%) casos, 3 dos quais na «Operação Panóplia», no Rio Cacheu, e 1972 com 3 (4.8%) casos, sendo 2 no Rio Geba (CArt 3494) e 1 no Rio Cacheu (CArt 3417).

 

 

Quadro 3 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 1.º triénio (1963-1965) é de 34 (23.6% do total). Verifica-se, também, que desses, 24 (70.6%) eram soldados, 6 (17.6%) 1.ºs cabos, 3 (8.8%) furriéis e 1 (3.0%) 2.º sargento. O número de corpos não recuperados neste período foi de 7 (20.6%). O número de Unidades Militares que contabilizaram estas perdas foi de 24.

 

 

Quadro 4 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 2.º triénio (1966-1968) é de 27 (18.8% do total). Verifica-se, também, que desses, 25 (92.6%) eram soldados e 2 (7.4%) furriéis. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 3 (11.1%). O número de Unidades Militares que contabilizaram essas perdas foi de 24, número igual ao período anterior (quadro 3).

 

 

 

Quadro 5 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 3.º triénio (1969-1971) é de 63 (43.7% do total). Verifica-se, também, que desses, 49 (77.8%) eram soldados; 11 (17.4%) 1.ºs cabos; 2 (3.2%) furriéis e 1 (1.6%) major. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 50 (79.4%). O número de Unidades Militares que contabilizaram essas perdas foi de 18, menos 6 do registado nos anteriores trimestres (quadros 3 e 4).

 


Quadro 6 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG, durante o 4.º triénio (1972-1974) é de 20 (13.9% do total). Verifica-se, também, que desses, 15 (75%) eram soldados e 5 (25%) 1.ºs cabos. O número de corpos não recuperados nesse período foi de 3 (15%). O número de Unidades Militares que contabilizaram estas perdas foi de 18, menos 6 do registado nos dois primeiros triénios (quadros 3 e 4) e igual ao triénio período anterior (quadro 5). 

Quadro 7 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de militares do Exército que morreram por afogamento no CTIG (1963-1974) cujos corpos não foram recuperados é de 63 (43.8% do total). Quanto aos corpos não recuperados, verifica-se que a CCaç 1790, com 26 (41.3%) casos, e a CCaç 2405, com 19 (30.1%) casos, foram as Unidades Militares que contabilizaram maior número, sendo estes consequência do acidente da «Jangada de Ché-Che» em que elementos das duas Companhias de Caçadores estiveram envolvidos. Segue-se o PMort 980, com 3 corpos não recuperados, no Rio Cacheu, na «Operação Panóplia”, e a (minha) CArt 3494, com dois, no Rio Geba (Xime), durante uma missão, não cumprida, a Mato Cão, situado na margem direita desse rio. Das 16 Unidades Militares que não conseguiram recuperar os corpos dos seus naufragados, 11 (17.5%) tiveram apenas um caso.
 

Nota:
Em função das fontes consultadas, não nos foi possível completar todas as variáveis categóricas, como é o exemplo dos locais (n/n) de alguns afogamentos. Caso alguém disponha de informações mais precisas, faça o favor de dizer.
Por outro lado, considerando que são referidos nomes de rios que desconhecemos, que foram transcritos como o indicado nos documentos oficiais, é possível que alguns deles contenham erros ortográficos. Aguardo a sua correpção.   
Continua…
Fontes consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 16-17.
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.