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domingo, 20 de janeiro de 2019

P362 - Faz hoje (20JAN2019) 46 anos que Amílcar Cabral, Presidente do PAIGC, foi assassinado em Conacri numa acção planeada pela PIDE/DGS


Mensagem de António Marques Lopes, Coronel de Infantaria na reforma, ex. Alf. Mil./At Inf. CART 1690 - Guiné 1967/69 - Cantacunda, Banjara, Geba e Barrô.




Foto: Wikipedia, direitos reservados



Nasc.12SET1924 - Morte 20JAN1973

20 DE JANEIRO DE 1973
Amílcar Cabral, dirigente e fundador do PAIGC, é assassinado em Conacri numa acção planeada pela PIDE-DGS

Dalila Cabrita Mateus diz no seu livro “A PIDE/DGS na Guerra Colonial, 1961-1974” que «O assassínio de dirigentes foi um tipo de operações levado a cabo pela PIDE/DGS. No entanto, constituía um assunto delicado». E refere que o elemento dessa polícia incumbido de dar andamento ao plano para a liquidação de Amílcar Cabral escreveu à margem do processo: «Comuniquei particularmente ao chefe da Delegação que este assunto não pode ser objecto de correspondência oficial. Ou não se dizem ou não se fazem». Refere, por isso, que não é possível encontrar relatórios da PIDE sobre a liquidação de Amílcar Cabral, até porque, citando José Pedro Castanheira, in “Quem mandou Matar Amílcar Cabral”, o inspector adjunto Alberto Matos Rodrigues recomendou que «Em trabalhos desses, não se deixam provas».E houve vários planos, assevera esta investigadora dos Arquivos da PIDE existentes na Torre do Tombo.

O primeiro terá sido em 1967, o do inspector Miguel António Cardoso, então chefe da delegação da PIDE na Guiné, que mandou vir de Conacri um antigo combatente para que, conhecedor dos locais por onde Cabral costumava passar nessa cidade, o matasse a tiro ou com granadas apreendidas aos guerrilheiros. Só que, azar, esse homem foi preso pela tropa portuguesa e deixou de valer. Mandou vir de Conacri mais dois elementos para o mesmo objectivo, mas, entretanto, foi substituído. O novo chefe da delegação achou que um deles era bêbedo e que o outro não tinha estofo e a operação foi abandonada.


Em 1969 houve outra tentativa, esta planeada pela Aginter Press, uma encapotada agência de informações sedeada em Portugal mas que, efectivamente, se dedicava ao recrutamento de mercenários. Tinha ligações com a PIDE e com a Legião Portuguesa desde 1966. Teve a colaboração da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Casa de Portugal em Paris, e participavam um diplomata senegalês, oposicionistas a Sékou Touré e elementos da FLING. O orçamento era superior a quatro mil contos, e o prémio em caso de êxito mil contos. Foi a Operação Chèvre. Se não deu ou não foi avante, a investigadora não precisa.

Veio, depois, a Operação Mar Verde, em Novembro de 1970, planeada e comandada por Alpoim Calvão, com o apoio de Spínola e de Marcelo Caetano. No livro de António Luís Marinho, “Operação Mar Verde, Um Documento para a História”, vêm as missões atribuídas a cada um dos grupos participantes na operação. Por exemplo, uma das do comandante Benjamim Lopes de Abreu era “a eliminação física do Presidente da República da Guiné Ahmed Sékou Touré” (documento 11). A ninguém foi explicitamente atribuída a missão da “eliminação física de Amílcar Cabral”. No entanto, ao 1º Ten. FZE Raul Eugénio Dias da Cunha e Silva tinha como missão: “Ataque e destruição de elementos e instalações do PAIGC em Conacry II: …41-Secretariado e habitação de Amílcar Cabral; 42-Casa de Aristides Pereira e Propaganda”. E diz ele, no seu relatório, que “decidi atacar primeiro e rapidamente os objectivos considerados de primeira importância: 41 e 42…”. Não é credível que a eliminação de Amílcar Cabral não fosse também um dos objectivos. Dalila Mateus narra que foi lançada sobre a casa de Amílcar Cabral uma chuva de obuses, tendo um deles acertado em cheio no quarto ao lado daquele onde dormia a mulher de Cabral, que teve de sair com os filhos pelas traseiras da casa. Numa casa ao lado ficaram gravemente feridos um casal jugoslavo e uma filha, uma outra filha deles morreu com um estilhaço na cabeça. E refere que Alpoim Calvão disse ao Público de 21 de Maio de 1991 que se Cabral estivesse em Conacri teria sido seguramente eliminado.
Em 1971 foi a delegação da PIDE em Cabo Verde que mobilizou mil contos para contratar um cabo-verdiano residente em Monróvia, na Libéria, e com anteriores ligações a Cabral e Agostinho Neto. Era para, com mais seis indivíduos, assassinar Amílcar Cabral e destruir um depósito de material de guerra em Conacri. Não resultou.

Mas a PIDE andava também atenta às divisões dentro do PAIGC.
Em Junho de 1967 teriam armadilhado a casa de Cabral em Koundaré e teriam sido enviadas cartas para Catió, Cabedu, Farim, Mansoa e Bula com o intuito de não serem acatadas as ordens de Amílcar Cabral. Os conjurados foram presos e fuzilados. E a PIDE afirma ter ouvido, na altura, que Nino Vieira encarou com simpatia “o movimento conspirativo do Boé”. Também em Setembro desse ano parece ter havido um atentado contra o Secretário-geral do PAIGC. Foi também o ano, constou em Dezembro, do descontentamento dos mandingas pelas baixas sofridas em combate e pelo facto de os cabo-verdeanos serem poucos a combater.
Em Janeiro de 1968 foi assinalado novo movimento de revolta e, nesse ano, as notícias das divisões no PAIGC levaram a PIDE a tomar nota e, como consta numa das pastas dos Arquivos da PIDE, “Em face desta notícia foi considerado superiormente que se devia procurar, por todos os meios, se necessário mesmo financeiros, explorar estas divergências”.

Em Março de 1972 é o próprio Cabral que apresenta um plano, segundo ele de Spínola e dos colonialistas portugueses, com o objectivo de decapitar a direcção do PAIGC. Primeiramente com a infiltração de antigos e novos membros do Partido para gerarem a divisão na base do racismo, tribalismo, diferenças de religião e virando guineenses contra cabo-verdianos. Após isso seria a criação de uma direcção paralela para entrar em contacto com os dirigentes dos países vizinhos tentando obter o seu apoio contra a verdadeira direcção, particularmente contra o Secretário-geral. A fase seguinte seria: o assassinato do Secretário-geral e todos os dirigentes fiéis à linha do partido; mudança da designação do partido e paragem da luta; e, finalmente, entrar em contacto com o governo português para obterem a autonomia interna e a criação do “Estado da Guiné” fazendo parte da comunidade portuguesa. Spínola teria prometido postos importantes aos executantes deste plano. E não há dúvidas que eram os princípios defendidos por António de Spínola.
E foi no dia 20 de Janeiro de 1973, às 23 horas que um grupo chefiado por Inocêncio Cani prendeu Cabral e a mulher. Face à resistência deste Cani atingiu-o com um tiro no fígado, tendo depois ordenado a um seu acompanhante que lhe desse uma rajada, que o atingiu na cabeça e o matou. Um grupo chefiado por Mamadu N’Djai prendeu Aristides Pereira, meteu-o numa vedeta do PAIGC e rumou para Bissau. Um outro grupo, chefiado por João Tomás Cabral, assalta a prisão do PAIGC e liberta Mário Mamadou Touré e Aristides Barbosa, que eram os cabecilhas do golpe.

Foram cerca de uma centena os golpistas. Depois de tomarem conta das instalações do partido e terem prendido cabo-verdianos e mestiços guineenses, foram recebidos por Sékou Touré na madrugada seguinte, mas o presidente da Guiné não lhes deu cobertura mandou-os prender, deu ordens ao exército que submetesse o PAIGC e pediu a navios soviéticos que estavam nas suas águas que recuperassem a vedeta onde ia Aristides Pereira, o que aconteceu.
A maioria não tinha ligações à PIDE, nem o Inocêncio Cani, tendo sido arrastados pelo descontentamento contra a direcção do partido e contra os cabo-verdianos. Mas alguns dos principais conjurados tinham:
- Mário Mamadou Touré (conhecido por Momu) era um antigo preso do Tarrafal; o chefe da delegação da PIDE na Guiné Alberto Matos Rodrigues arranjou-lhe emprego e protegeu-o, afirmando mesmo que esta “Foi uma operação planeada e meteram-no lá” (diz José Pedro Castanheira, na obra atrás referida);
- Aristides Barbosa confessou que, após sair do Tarrafal, foi contactado por um agente da polícia de nome Gonçalves (na altura, havia na Guiné vários agentes de apelido Gonçalves) para trabalhar para a PIDE e que aceitou, pedindo “uma licença para táxi”; disse também que foi recebido por Spínola antes de sair de Bissau;
- João Tomás Cabral, que tinha sido comissário político, tinha correspondência com um informador de Pirada e com o elemento da PIDE em Buruntuma, o agente de 1ª classe Orlindo Martins Jorge Vicente; a sua acção era mentalizar os combatentes para que entregassem as armas porque o PAIGC não conseguiria ganhar a guerra;
- Valentino Cabral Mangana, comandante de Marinha (como Inocêncio Cani), propagandeava que Portugal daria a independência aos negros da Guiné desde que o PAIGC fosse extinto e os cabo-verdianos afastados, pois queria conservar Cabo Verde como uma base de grande importância estratégica para si e os seus aliados.
Claro que houve uma conspiração no interior do PAIGC para pôr termo à hegemonia dos cabo-verdianos. Mas é também evidente que a PIDE teve um papel importante na instigação do golpe. E não actuava à rédea solta. Não me parece que Alpoim Calvão tenha razão quando diz, no seu livro “De Conakry ao M.D.L.P.”, “…a verdade é que não havia a mínima lógica para que as autoridades portuguesas desejassem, em 1973, o assassinato de Amílcar Cabral”. E traz em defesa desta ideia as negociações segundo ele planeadas entre Spínola e Amílcar Cabral para a resolução política da situação na Guiné. Mas esquece-se de dizer que Marcelo Caetano já dissera a Spínola – é o próprio Marcelo que conta nas suas Memórias – que negociar na Guiné nem pensar, antes a derrota militar. E conta Otelo Saraiva de Carvalho, em “Alvorada em Abril”, que o inspector Fragoso Alas (grande amigo de Spínola, até constando que foi esta amizade que fez com que os pides fossem libertados após o 25 de Abril…) lhe terá dito que “os tipos tinham ido longe demais, porque a missão era só raptar e conseguir trazer Amílcar Cabral para Bissau como refém”.