Total visualizações de páginas, desde Maio 2008 (Fonte: Blogger)

quarta-feira, 31 de março de 2010

P-60 ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (5)

 DEZEMBRO1971/ABRIL 1974

Este texto foi elaborado a partir do livro: - BART 3873
“HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)


6º FASCÍCULO

SETEMBRO 1972


30. SITUAÇÃO GERAL

- Mês de relativa acalmia para a zona do XIME, sem no entanto de voltarmos a ser perturbados com uma flagelação.

31. TERRENO

- No período não se verificaram alterações. A pluviosidade, aliás escassa, conserva a vegetação luxuriante.

32. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- Em 16 de pelas 20,40 horas o Aquartelamento do XIME foi flagelado durante 10 minutos, na direcção GUNDAGUÉ BEAFADA, sem com consequências.

b) Conclusões
O XIME sofreu nova acção de guerrilha, com vem sendo habitual.
No actual período, bem como nos demais, o adversário opta pela confrontação indirecta com as nossas tropas (minas e flagelações), revelando por tal razão algum receio em fazer-lhes frente directamente.
Panorâmica do XIME - 1972


33. POPULAÇÂO

- Soube-se por intermédio de interrogatórias que o inimigo força as populações a darem apoio em géneros alimentícios e em pessoal para transportes.
Numa tentativa de subverter a etnia FULA, nossa aliada tradicional, a «VOZ DA REVOLUÇÂO» exerce acção psicológica sobre os FULAS, enquanto rapta e saqueia, através dos seus guerrilheiros, os aldeamentos que nos são fiéis, pretendendo acelerar a manobra subversiva. Contudo a dita etnia mantém-se firme e digna da total confiança, globalmente falando.

34. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes
- Realizaram-se 29 acções, abarcando 76 Grupos de Combate. Eis a de maior alcance:
- Acção «GARLOPA 3» por 03 Grupos de Combate da CART 3494, 03 da CCAÇ 12, 20º Pel Artª, 01 heli-canhão, 01 DO-27. Consistiu em patrulhamento e emboscada na zona XIME/MADINA COLHIDO/ESTRADA DA PTA DO INGLÊS/POIDON. As nossas tropas foram atacadas 02 vezes no espaço de meia hora, sofrendo 01 ferido ligeiro.

b) Conclusões
- A energia e a prontidão com que as NT reagiram aos ataques no desenrolar da acção «GARLOPA 3» comprovam a sua agressividade em ocasiões em que a sua capacidade de combate é experimentada.

c) Alterações do dispositivo
- O esquema não foi modificado.



7º FASCÍCULO


OUTUBRO 1972


35. SITUAÇÃO GERAL
- A área do XIME continuou a muito conturbada, porém os resultados obtidos pelo inimigo contam-se praticamente nulos.

36. TERRENO

- A altura do capim rouba visibilidade, dificultando a actividade das Nossas Forças o que é típico da estação das «chuvas», prestes a atingir o seu termo

37. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- No dia 17 durante 05 minutos o Aquartelamento do XIME volta a ser flagelado sem resultados.

Pessoal das TRMS CART 3494 - XIME 1972

38. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes
- No dia 03 das 13,00 horas às 18,00 horas foi a acção «GARO 9» por 02 GRCOMB da CART 3494 e 03 da CCAÇ 12 em patrulhamento à região do XIME/GUNDAGUÉ BEAFADA/PTA VARELA. Não houve contactos, nem se observaram vestígios do inimigo.
A Operação «DIA FESTIVO» de 19 a 21, a cargo da CART 3493 a 01 GRCOMB (+), 02 da CART 3494, 03 da CCAÇ 12,PEL’s Mil 241,242, 243 e 201, GEMIL’s 309 e 310 (Grupo Especial de Milícia), PEL’s CAÇ NAT 52, 54 e 63, PEL REC DAIMLER 3085 e apoio aéreo de heli-canhão. Traduziu-se a operação em segurança afastada de BAMBADINCA, nada acontecendo de anómalo.

b) Conclusões
- Primeiramente salienta-se o elevado efectivo no conjunto das duas aludidas iniciativas das Nossas Forças, depois o facto de não ter pressentido o inimigo, facto este que predomina no complexo geral da actividade operacional, ao longo de todos os períodos.


8º FASCÍCULO

NOVEMBRO 1972

39. SITUAÇÃO GERAL

- Numa visão ampla, pode afirmar-se o incremento da actividade Inimigo com o começo da época «seca» que lhe permite uma maior mobilidade.

 Foto do ex. Cap. Artª Pereira da Costa - XIME 1972
(Coronel Artª na reserva)


40. TERRENO

- A pluviosidade resultante da mudança de estação provoca, em pouco tempo, o crescimento abundante de vegetação.

41. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- Nos dias 07 e 25 o XIME é flagelado, respectivamente 10 e 15 minutos. Na 2º vez ardeu a morança do chefe da tabanca, único acidente ocorrido.
No dia 14 a A/D de AMEDALAI é atacada cerca de 20 minutos.
Não houve mortos nem feridos, mas arderam 05 moranças.

42. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes
- Acção «GUARIDA 4» por 03 GRCOMB da CART 3494 com patrulhamento e emboscada na região de XIME/PTA VARELA, sem qualquer contacto.

b) Conclusões
- Novamente se destaca a falta de contactos com o inimigo que tem vindo a optar à distância e implantação de minas contra as Nossas Tropas.


9º FASCÍCULO

DEZEMBRO 1972

43. SITUAÇÂO GERAL

- Principalmente na ocasião das festividades do Natal e Ano Novo a actividade Inimiga costuma avolumar-se. Porém, contra as expectativas, nenhum Aquartelamento das NT nem A/D foram flagelados ou atacados.
A circulação na estrada XIME/BAMBADINCA foi sobressaltada pela emboscada à segurança diária que ali é garantida.
A navegação do R. GEBA voltou a ser objecto de pressão, traduzido no ataque à BOR.

44. TERRENO

- A vegetação continua a oferecer uma paisagem desprovida da profusão de arbustos verdejantes, entrecortada por vestígios de queimadas.

45. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- Em 01 pelas 07,30 horas o grupo especial de «BAZOOKAS» de COLUNA DA COSTA e o bigrupo de MAMADU TURÉ e PANA DJATA emboscaram na PTA COLI o 1º Grupo de Combate da CART 3494 que garantia a segurança ao tráfego da estrada XIME/BAMBADINCA. A emboscada foi conjugada com o accionamento de 02 minas comandadas à distância. As NT sofreram 02 feridos graves e os guerrilheiros 02 capturados, perdendo uma pistola, 01 espingarda automática, 01 L.G. Fog. (Lança Granadas Foguete) e 02 granadas de origem soviética. É a segunda acção deste tipo que se desencadeia no lugar (a primeira verificou-se em 22ABR72), desde que o BART 3873 iniciou a sua comissão.
Em 30 pelas 08,30 horas um grupo inimigo não estimado flagelou a BOR e o Rebocador em (XIME 3D4-54), PTA VARELA, causando 02 feridos às NT.
01DEC1972 - XIME

b) Conclusões
- O P.A.I.G.C. (Partido Africano Independência Guiné e Cabo Verde) optou pelas acções directas envolvidas no impedimento do tráfego terrestre e fluvial, transgredindo assim a tendência normal dos ataques à distância lançados sobre as nossas bases.

46. POPULAÇÂO

- Embora o Partido se tenha vindo a esforçar pela conquista das populações, há sintomas neste final de 1972 de que a adesão incondicional e total é meta inatingida.
Um categorizado chefe, JOÃO BERNARDO VIEIRA («NINO»), em visita de inspecção, bateu nalguns guerrilheiros, alegando que os maus tratos infligidos à população a levavam a apresentar-se às Autoridades Nacionais.
Ora este pequeno conflito espelha que o P.A.I.G.C. não controla os civis como desejaria e daí o recurso a métodos violentos que são sempre o derradeiro expediente.

47. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais Importantes
- Acção «GERMANO 2» de 01 pelas 07.20 horas até às 13,00 horas do mesmo dia pela CART 3494 a 03 GRCOMB e apoio de 01 parelha de FIAT’s em reconhecimento da base de fogos e trilhos de retirada IN na emboscada na PTA COLI.
- Operação «GUARDEAR 2» de 18 pelas 06,00 horas a 19 até 18,00 horas a cargo do Pel Rec DAIMLER 3085, 01 GRCOMB da CCS, 03 da CCAÇ 12, 02 da CART 3493, 02 da CART 3494, pel’s Caç Nat 52 e 54, pel’s Mil 201, 203, 241, 242, 243,Gemil 309 e apoio aéreo de 01 heli-canhão, em segurança próxima e afastada a BAMBADINCA.
- Acção «GUARIDA 9» das 12,00 horas às 18,00 do dia 30 por 02 GRCOMB da CCAÇ 12 e 01 da CART 3494 em reconhecimento da base de fogos e retirada no ataque à BOR e REBOCADOR na PTA VARELA. Esta força era comandada pelo comandante do BART 3873, Cor, Art. ANTÓNIO TIAGO MARTINS. Antes o 20 PEL ARTª bateu a zona e a F.A.P. lançou-se na perseguição dos rebeldes.
Em nenhuma das acções acabadas de resumir, incluindo a operação, se travaram contactos.


b) Conclusões
- Uma vez mais se observa a ausência de contactos nas iniciativas empreendidas pelas NT e a rapidez dos meios aéreos, quando a eles se recorre, em actuação combinada com as forças terrestres:

Na «GERMANO 2» a FAP compareceu ao chamamento minutos depois, o que se repetiu no dia 30 em perseguição dos atacantes da BOR e REBOCADOR.

(Continua)

Vd post: http://cart3494guine.blogspot.pt/2010/03/p-57-actividade-da-cart-3494-do-bart.html

segunda-feira, 29 de março de 2010

P-59 OS CONFLITOS NA GUINÉ-BISSAU


A Luta de Libertação Nacional como resultado do conflito entre o poder colonial e os autóctones
Os conflitos fazem parte integrante da história moderna da Guiné-Bissau, assumindo a forma, quer de resistência contra a sua potência colonizadora, Portugal, quer de lutas e tensões de ordem interna, entre diversas tendências políticas, baseados na luta pelo poder.
O nacionalismo e a luta anti-colonial na Guiné e Cabo Verde estiveram profundamente ligados à figura carismática de Amílcar Cabral (12). Este dirigente africano dedicou a sua vida à libertação do seu povo e à luta contra o colonialismo português.
As Forças Armadas Portuguesas, à medida que o conflito se intensificava, foram também, e de uma forma crescente, utilizando um maior número de africanos nas suas fileiras, aproveitando o seu conhecimento do terreno, dos hábitos, das línguas e até da adaptação ao meio. A criação e o emprego de militares africanos na Guiné, nomeadamente comandos africanos, começou por ser um processo, no início da guerra, que apenas integrava um pequeno núcleo de militares africanos, de milícias e de tropas de segunda linha, que já colaboravam com as unidades metropolitanas. Estes militares iriam ser, na fase pós-independência, uma das fontes de conflito entre guineenses.

Conflitos no seio do PAIGC - Congresso de Cassacá
Em 1961, Amílcar Cabral tentou conciliar as várias formações nacionalistas existentes na Guiné. Deste modo, tentou unir o PAIGC com a União dos Povos da Guiné (UPG) liderada por Henry Labery e o Movimento de Libertação da Guiné (MLG) de François Mendy Kankoila. No entanto, estes três movimentos entregaram-se a renhidas e duras batalhas verbais, principalmente sobre o tema das relações entre a Guiné e Cabo Verde. Por um lado, havia a existência de pequenos grupos que não queriam nada com Cabo Verde; por outro, o PAIGC insistia na tónica da unidade dos dois povos e territórios.
Em Fevereiro de 1964, o PAIGC realizou o seu I Congresso em Cassacá, na zona de Cacine. O objectivo deste congresso foi o de clarificar posições e unificar o Partido. Neste Congresso foi criado o Conselho Supremo da Guerra, órgão responsável pela condução da guerra. Foi também nesta altura que surgiram as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP).
O Congresso de Cassacá foi ainda marcado pelo conflito entre os que concebiam o Partido como um projecto sério, um instrumento de libertação do povo guineense, e os que estavam predispostos a servir-se do partido para a realização de desejos pessoais.
Após importantes vitórias militares, o PAIGC sofreu um duro golpe a 20 de Janeiro de 1973 com o assassinato de Amílcar Cabral, tendo surgido várias versões para tentar explicar este assassinato (13). Cabral foi morto em Conacry por Inocêncio Kani, um comandante naval guineense do PAIGC. Rivalidades entre guineenses e caboverdianos, inteligentemente aproveitadas pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), podem ter estado na origem do assassinato. No entanto, continua a ser um mistério sobre quem o mandou matar, quem, nos bastidores, preparou e organizou o crime e tentou um golpe de estado no partido. Terá sido uma facção guineense e negra, que não aceitava a liderança dos caboverdianos e mestiços? Qual o papel do Presidente da República da Guiné, Sékou Touré, que não lidava bem com a crescente projecção internacional de Cabral e a sua ligação à cultura portuguesa? E da PIDE, que se infiltrara na direcção do PAIGC e que tudo fizera para eliminar o principal inimigo do regime? E, qual o papel dos militares portugueses, que anos antes tinham invadido Conakry? Tudo perguntas ainda sem respostas, que não cabem no âmbito deste estudo, a não ser pelo facto de mais uma vez porem em evidência os constantes conflitos em que o PAIGC se foi envolvendo.
Na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal, através da Lei n.º 7/74 (14), reconheceu o PAIGC como único e legítimo representante do povo da Guiné-Bissau e, nessa qualidade, iniciou negociações com vista à celebração de um acordo que formalizasse a independência do território. As negociações foram rápidas e a 26 de Agosto de 1974 foi assinado o Acordo de Argel. A transformação do PAIGC de movimento de libertação em partido dirigente da Guiné-Bissau trouxe alguns problemas de adaptação, agravados pelo conflito latente entre caboverdianos e guineenses e pela existência de uma camada da população, nomeadamente em Bissau e Bafatá, que não apoiava o Partido. O III Congresso do PAIGC, realizado em 1977, não foi capaz de resolver estes problemas.
Por ter sido o único movimento que assumiu de uma forma estruturada a luta pela libertação nacional, não permitindo espaço para a actuação de outros movimentos independentistas, os quadros do PAIGC chegaram à independência política constituindo-se como a única elite do poder competente para assegurar as tarefas de reconstrução do país. O poder e as posições principais foram arrebatadas por pessoas oriundas das camadas mais baixas (camponeses e assalariados), que na maior parte dos casos tiveram menos possibilidades para se educar durante o período colonial (15).

Palácio do governador em Bissau, 1972
O regime de Partido Único
A independência foi recebida com um entusiasmo, que se generalizou, e que por vezes se tornou inconsciente aos problemas inerentes, com esperanças e incertezas quanto ao futuro da Guiné-Bissau. A luta continuava, embora agora o inimigo já não fosse o colonialismo português; estava agora dentro da sociedade guineense, nas fraquezas das próprias instituições que, desde o princípio, não correspondiam aos objectivos a atingir nesta nova fase de luta para a construção de uma nova nação, com muitas etnias diferentes umas das outras e em que se distinguiam os guerrilheiros do PAIGC, os antigos combatentes do lado português e a população testemunha sacrificada de onze anos de conflito armado (16).

O golpe de estado de 14 de Novembro de 1980
Em 1980, a situação económica na Guiné-Bissau era muito má. A diferença entre uma classe dirigente vivendo num luxo ostensivo e a população desprovida dos elementares bens de primeira necessidade era inaceitável num país que tinha efectuado inúmeros sacrifícios na luta de libertação nacional. O Estado tinha revelado uma total incapacidade de resolver os principais problemas da população, e as tarefas políticas tornaram-se cada vez mais complexas.
Apesar da rejeição de muitos dos “representantes do povo”, a Assembleia Nacional Popular, em sessão extraordinária de 12 de Novembro de 1980, aprovou o texto da nova Constituição. Este facto, adicionado ao depauperamento do país e também ao crescente mal-estar social, traduzido em desconfianças mútuas e ódios, resultantes das perseguições dos órgãos da segurança do Estado, seriam a base da crescente instabilidade política.
Neste ambiente de permanentes conflitos internos no PAIGC, a Guiné-Bissau, seis anos após a independência, conheceu um golpe de Estado a 14 de Novembro de 1980, liderado pelo então Comissário Principal, equiparado a Primeiro-Ministro, o Comandante João Bernardo “Nino” Vieira.
As razões do descontentamento de Nino Vieira relacionavam-se com a introdução de patentes militares no seio das Forças Armadas, em 1979. Os antigos combatentes sentiam uma profunda injustiça perante o sistema de cotas (17), que permitia promover jovens caboverdianos recém-chegados de Portugal ou de Cabo Verde e sem nenhuma legitimidade militar a comandarem os verdadeiros combatentes da liberdade da pátria. Quanto a Nino Vieira, considerou não ter sido promovido de forma justa, tendo em conta o seu passado na luta de libertação (18), acabando por reagir de uma forma que os juristas qualificam como de legítima defesa. O “Movimento Reajustador” de 14 de Novembro de 1980, como ficou conhecido, soube explorar a seu benefício a velha e profunda clivagem entre as elites negras e mestiças na Guiné. O ressentimento face aos caboverdianos nasce com a história e o modelo de dominação colonial. Por causa da origem sócio-cultural e do acesso à educação de que puderam beneficiar os caboverdianos, estes colaboraram activamente com o poder colonial, tendo-se revelado como preciosos auxiliares e intermediários entre os autóctones e as autoridades coloniais na gestão da administração e na supervisão dos trabalhos forçados. Mesmo levando em conta que os mestiços forneceram aos movimentos nacionalistas os seus melhores quadros, este passado incómodo ressurgiu logo que a elite mestiça caboverdiana começou a ganhar posições depois da conquista da independência.
A Assembleia Nacional foi dissolvida e Nino Vieira assumiu a posição de Presidente do Conselho da Revolução, afastando do Partido a grande maioria dos dirigentes caboverdianos. A ala caboverdiana do PAIGC reagiu e declararou a ruptura e cisão do partido. Na sequência, foi constituído em Cabo Verde o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV).
Na sequência do Golpe de Estado de 1980, o sonho de união entre Cabo Verde e a Guiné- Bissau desapareceu de vez. O Golpe provocou o corte de relações entre os dois países.

Conflitos internos no PAIGC
Em 1985, dá-se um novo caso de conflito interno no seio do PAIGC e do Governo, com a detenção de 60 pessoas, acusadas de conspiração. Em Julho de 1986, seis dos detidos, todos militares, entre os quais o ex-Vice-Presidente do Conselho de Estado, Coronel Paulo Correia (19), são mortos por fuzilamento. Os restantes detidos foram condenados a penas de prisão que variaram de 1 a 51 anos, tendo seis deles falecido na prisão.


A abertura política do regime
Em Janeiro de 1991, durante o II Congresso Extraordinário do PAIGC, o Presidente Nino Vieira anunciou o início da democratização do país, tendo para o efeito sido alterada a Constituição, de modo a permitir o pluralismo político, a liberdade de expressão, associação, reunião e de imprensa (20).
Entre 1992 e 1993, assistiu-se ao nascimento e proliferação de várias formações partidárias, tendo concorrido 13 partidos legalizados às eleições legislativas de 1994.
Destes, apenas dois, a Frente de Libertação Nacional da Guiné (FLING) e a Resistência da Guiné-Bissau – Movimento Bá-fatá (RGB-MB), não eram resultado de cisões ou dissidências do PAIGC ou criados por antigos militantes ou dirigentes.
É um facto que a constituição de várias formações políticas na Guiné-Bissau desde 1991, foi também caracterizada por conflitos de interesses e várias dissidências, reforçando o argumento da lógica do conflito na história recente deste país.


O conflito Político-Militar (1998-1999)
Em Maio de 1997, a Guiné-Bissau, numa tentativa de aprofundar a cooperação monetária ao nível sub-regional, tornou-se o oitavo membro da União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) (21), tendo aderido ao franco CFA (Comunidade Financeira Africana) (22). O que se pensava ser uma medida que permitiria uma maior estabilidade monetária e a criação de um ambiente mais atractivo para o investimento externo, veio a revelar-se uma medida desastrosa ao nível económico e social, porque não foi acompanhada de medidas macro-económicas sólidas capazes de sustentar o desenvolvimento, levando assim a um aumento da pressão externa, nomeadamente dos
Estados francófonos vizinhos, principalmente do Senegal, e a uma consequente descapitalização do país.
Podemos afirmar que a inquietação generalizada e o sentimento de o país estar num impasse político contribuíram para acelerar a eclosão da revolta militar. A configuração das forças políticas e militares anti-Nino Vieira logo no início do levantamento de 7 de Junho de 1998, demonstram que o eclodir da guerra, menos de um mês depois do fim do VI Congresso do PAIGC, foi uma sequência natural da guerra de palavras travada nesta contenda política para uma guerra violenta provocada pelo impasse que constitui o seu desfecho político.
Por outro lado, a constatação de que existe uma ligação íntima entre a crise política do PAIGC e a crise no seio das Forças Armadas, levava a crer que os problemas delicados que estes últimos enfrentavam, fossem discutidos e resolvidos pela classe política no poder. O facto de não terem sido abordados os problemas dos militares durante o VI Congresso do PAIGC, só fez aumentar o clima de inquietação dentro desta instituição, sendo este um dos factores preponderantes que levaram à rebelião militar. O conflito que assolou o país em 1998 deve ser analisado numa perspectiva que abarque a sua dimensão externa. Um dos aspectos desta dimensão externa prende-se com a rivalidade entre Portugal e França no que respeita à Guiné-Bissau. Esta rivalidade tem origem muito remota.

Políticas de Ajuda ao Desenvolvimento e principais actores internacionais
A forma diferente como Portugal e a França têm encarado a política interna e externa guineense tem estado ligada aos interesses económicos, culturais, políticos e geográficos que o país representa para cada um deles.
Se, com certas reservas, se pode falar de interesses económicos, já o mesmo não se pode dizer em relação aos interesses culturais e políticos, tendo em consideração os seus contornos geográficos. Deste modo, pode dizer-se que Portugal e França têm sido “concorrentes” no que respeita às políticas de ajuda ao desenvolvimento que têm sido implementadas na Guiné-Bissau, sobretudo a partir da segunda metade da década de 90, onde se assiste a uma maior passividade da política linguística e cultural de Portugal, em contraste com uma agressividade e dinâmica da política cultural francesa, de que o melhor exemplo foi a construção de um Centro Cultural de grande dimensão no centro da cidade de Bissau.
A relação entre as políticas de ajuda ao desenvolvimento e as raízes dos conflitos armados impõem que se analise de forma crítica o papel que a cooperação para o desenvolvimento pode ter. Tanto para os doadores oficiais, neste caso Portugal e França, como para os não governamentais, é fundamental reflectir sobre as consequências das suas políticas, retirando as necessárias ilações da noção de que uma cooperação mal orientada pode produzir efeitos altamente indesejáveis a médio e longo prazo.



A questão de Casamansa
A região de Casamansa, integrada actualmente no Senegal, teve, desde sempre, grandes afinidades com o território da então Guiné Portuguesa. Até à realização da Conferência de Berlim, entre 1884 e 1885, que viria a ser a responsável pela partilha de África entre as potências coloniais, Casamansa era uma região portuguesa. Na sequência desta Conferência, Portugal aspirou a concluir o seu projecto de união de Angola e Moçambique, projecto que ficou conhecido como o “Mapa Cor-de-Rosa”.
Para a conclusão de tal aspiração, Portugal precisava de obter a concordância das outras potências coloniais. Como é sabido, a Grã-Bretanha viria a opor-se, porém, tanto a Alemanha como a França não levantaram objecções a tal plano, desde que Portugal se disponibilizasse a fazer alguns acertos fronteiriços em zonas onde estes dois países tivessem territórios vizinhos dos portugueses (23). No caso francês, isto implicou a passagem da zona de Casamansa para os franceses em troca de território francês de Cacine na Guiné-Conacry. No caso alemão, Portugal acertou fronteiras no sul de Angola com o Sudoeste Africano, hoje Namíbia, e no norte de Moçambique com a África Oriental alemã, hoje Tanzânia (24).
A criação de mais uma fronteira artificial em África separou povos que tinham ligações históricas e culturais. Devido a isto, facilmente se entende que, quando surgiu em 1982, o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC) contasse desde logo com um forte apoio do outro lado da fronteira. Neste contexto, os guerrilheiros do MFDC habituaram-se a contar, ao longo dos anos, com o auxílio dos guineenses em termos de fornecimento de armamento e apoio logístico. Este apoio assentava no facto de existir uma ligação étnica entre o povo de Casamansa, maioritariamente da etnia Diola ou Djola, e o povo do norte da Guiné que são do mesmo grupo étnico, porém aqui designados por Felupes. O governo de Bissau, apesar de nunca ter apoiado abertamente os rebeldes, aparentemente fechou os olhos à ajuda que a nível nacional era dispensada ao MFDC.
É neste contexto que, em finais de 1997, é decidido pelo Governo guineense a criação de uma Comissão Inter-Ministerial, integrando elementos dos ministérios da Defesa e Administração Interna, para investigar a questão do tráfico de armas da Guiné-Bissau para os guerrilheiros de Casamansa. Finalizado o trabalho, esta Comissão produziu um relatório considerado muito polémico.
Dada a natureza e importância da questão também a Assembleia Nacional criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Tráfico Ilegal de Armas para os Independentistas de Casamansa (Zamora, I., 2001), que produziu um relatório após cerca de dois meses de investigações onde recomendava que, em face da não existência de acusações que ligassem o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Brigadeiro Ansumane Mané ao tráfico de armas, fosse revisto o processo de suspensão do cargo que ocupava.

O início do Conflito
As primeiras notícias sobre os confrontos militares indicavam que se trataria de um incidente de proporções relativamente reduzidas. Tratava-se de uma acção, julgava-se nessa altura, de um pequeno grupo de militares chefiado pelo recém-demitido Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Brigadeiro Ansumane Mané, que se decidira revoltar contra o Presidente.
Perante a revolta e face à constatação de que a esmagadora maioria dos militares guineenses se tinham associado à auto-intitulada Junta Militar, órgão supremo dos rebeldes, Nino Vieira viu-se obrigado a apelar à intervenção das tropas do Senegal e da Guiné-Conacry. Este pedido foi feito à luz de acordos de defesa mútuos assinados pelos três países e para salvaguarda de um regime constitucional e democrático. Aliás, Nino Vieira afirmou, em sua defesa, que os revoltosos tinham tentado levar a cabo um golpe de Estado contra um governo democraticamente eleito, o qual tinha o direito de apelar à ajuda internacional. No entanto, estes acordos de defesa previam a ajuda destes países à Guiné-Bissau em caso de agressão externa, que não era obviamente o caso. Este facto contribuiu para que a população se fosse cada vez mais aproximando das posições da Junta Militar.
O conflito guineense e o seu desfecho eram particularmente importantes para o Senegal que via numa eventual vitória da Junta Militar o aumento, desta vez aberto, do apoio da Guiné-Bissau à luta do MFDC. A intervenção senegalesa ficou conhecida com o nome “Operação Gabú”, tendo o contingente senegalês sido comandado pelo Coronel Abdoulaye Fall. No caso da Guiné-Conacry, a intervenção ficou a dever-se às boas relações existentes entre Nino Vieira e o Presidente Lansana Conté e o chefe da força, Comandante Samy Tambá, é morto em combate. (Zamora 2001).
Como era previsível, a consequência imediata da decisão de chamar tropas estrangeiras provocou o gradual aumento do apoio popular aos rebeldes e ao seu chefe, transformando o que era de início um acto de rebeldia estritamente militar num movimento essencialmente político.

A mediação internacional
Os esforços destinados a restaurar a paz entre os beligerantes começaram a surgir dos mais variados quadrantes. Para além de iniciativas internas (25), de autoridades religiosas, tradicionais e parlamentares, surgiram também iniciativas externas, sendo de destacar ao nível bilateral as contribuições da Gâmbia, Angola e Portugal e ao nível multilateral a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

O Acordo de Paz de Abuja
Durante a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO, realizada em Abuja (Nigéria), os dois líderes beligerantes, Nino Vieira e Ansumane Mané, foram ouvidos pelos Chefes de Estado presentes, tendo esta ronda negocial surtido efeito.
Assim, no dia 1 de Novembro, sob os auspícios da CEDEAO, as partes assinaram um
Acordo que estipulava o seguinte:

ACORDO DE PAZ DE ABUJA – 01 DE NOVEMBRO DE 1998
A reafirmação do acordo de cessar-fogo assinado em 26 de Agosto de 1998 na Cidade da Praia.
A retirada total da Guiné-Bissau das tropas estrangeiras. Esta retirada será efectuada simultaneamente com o envio de uma força de interposição da ECOMOG que substituirá as tropas retiradas.
A força de interposição garantirá a segurança ao longo da fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal, manterá as partes separadas e permitirá às organizações e agências humanitárias o livre acesso às populações civis afectadas. Ao mesmo tempo, o aeroporto internacional Osvaldo Vieira e o porto de Bissau serão imediatamente abertos.
A criação de um governo de unidade nacional, que em conformidade com as posições do acordo já assinado pelas duas partes compreenderá entre outros os representantes da auto-proclamada Junta Militar.
A organização de eleições gerais e presidenciais o mais tardar até fim de Março de 1999, as eleições serão supervisionadas por observadores da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Comunidade Internacional.

(Fonte: Guilherme Zeverino & Luís Castelo Branco (2000): Guiné-Bissau – A Missão de Observação Eleitoral Internacional1999/2000. A Participação Portuguesa.)

Para a implementação do Acordo, foi criada a Comissão Executiva Conjunta para a Implementação do Acordo de Paz de Abuja, que integrou seis elementos da Junta Militar e cinco elementos do Governo guineense. Como observadores, contava com os elementos diplomáticos da troika (Portugal, França e Suécia), o Delegado da União Europeia em Bissau e o Representante da Comissão Mediadora de Boa Vontade (26).

O fim do regime de Nino Vieira
Em face da recusa de desarmamento, no âmbito do que estava estabelecido no Acordo de Abuja, a Junta Militar lançou uma operação militar em Bissau com o objectivo de derrubar Nino Vieira. Passadas pouco mais de 24 horas, os homens fiéis a Nino Vieira renderam-se. As forças da CEDEAO não se intrometeram no conflito. Após ter tentado obter refúgio na Embaixada francesa e depois na senegalesa, Nino Vieira foi acolhido, a conselho dos próprios dirigentes da Junta Militar, na Embaixada portuguesa. Uma série de coincidências fez com que fossem poupadas as vidas de Nino Vieira e dos seus colaboradores mais directos, bem como dos nacionais franceses (militares e diplomatas) encurralados nas instalações do Centro Cultural Francês. O pedido de ajuda do Governo francês a Portugal, para que este contactasse a Junta Militar, exigindo a segurança dos seus nacionais, foi executado imediatamente, o que evitou uma eventual intervenção militar francesa em larga escala.
A população manifestou a sua alegria pelo derrube do regime e descarregou a sua fúria sobre a Embaixada e Centro Cultural franceses, assim como sobre a Embaixada senegalesa. Os nacionais destes dois países tiveram que recorrer à protecção da Embaixada portuguesa, a qual foi respeitada pela população.
Pelo que foi referido, pode dizer-se que, na conjuntura complicada de relações e influências externas sobre a crise na Guiné-Bissau, não constitui novidade que Portugal e a França tivessem adoptado posições por vezes bastante diferentes sobre os acontecimentos que se sucederam ao 7 de Junho de 1998. Foi, sem dúvida, um período de alguma complexidade e tensão nas relações entre os dois Estados.
Após cerca de um mês na Embaixada portuguesa em Bissau, Nino Vieira pediu asilo político a Portugal (27). O argumento oficial para abandonar a Guiné foi a necessidade de cuidados médicos, comprometendo-se Nino Vieira a regressar ao país para se defender em tribunal das acusações que lhe eram imputadas.
Na sequência do Acordo de Abuja, deu-se início na Guiné-Bissau, em Janeiro de 1999, à preparação do processo eleitoral tendo em vista a realização das segundas eleições presidenciais e legislativas democráticas daquele país.
No dia 3 de Março, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a criação da Missão das Nações Unidas para o Apoio à Reconstrução da Paz na Guiné-Bissau (UNOGBIS), a ser chefiada por um Representante Especial do Secretário-Geral (28). A UNOGBIS foi criada com a função de coordenar todo o trabalho do sistema das Nações Unidas na Guiné-Bissau durante o período de transição até à realização das eleições, no âmbito da implementação do Acordo de Abuja.
Reiterando todo o apoio ao processo de reconciliação nacional, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, a 6 de Abril, a Resolução n.º 1233/99, que incentiva as partes a aplicarem os pontos do Acordo de Abuja, designadamente a adopção de todas as medidas para o funcionamento do novo governo, para o melhoramento da confiança e para o regresso dos refugiados 29.
O restabelecimento da normalidade democrática concretizou-se com a realização de eleições legislativas e presidenciais em Novembro de 1999 e Janeiro de 2000 e que contaram com largo apoio internacional expresso nos comunicados conjuntos dos Observadores Internacionais.
A vitória do candidato Kumba Yala e do Partido para a Renovação Social (PRS) deu início a um novo ciclo neste país, que depressa ficou marcado pelo agudizar da crise económica e social, pela perda de credibilidade da Guiné-Bissau ao nível internacional, pelo declínio das instituições, pela desresponsabilização das autoridades, pelo desrespeito pela Constituição e pela crise entre a Presidência e os órgãos da Justiça e a Assembleia.
Neste contexto, o mandato do Presidente da República Kumba Yala (2000-2003), interrompido por um golpe de Estado, pôs em evidência todas as debilidades existentes no país e ficou marcado por uma enorme instabilidade política e social. Desta forma, podemos considerar a Guiné-Bissau como um país “frágil”, onde os conflitos militares e político-sociais são uma constante, dilacerando a destruindo a estrutura da sociedade guineense.
O golpe de Estado de 14 de Setembro de 2003, liderado pelo General Veríssimo Seabra, que obrigou à resignação do Presidente Kumba Yala, dá início a outro processo de transição em que interinamente assumiu a Presidência o empresário Henrique Rosa, tendo o General Veríssimo Seabra assumido o cargo de presidente do Comité Militar para a Restituição Constitucional e Democrática, órgão consultivo do Presidente da República.
É neste contexto que são realizadas as eleições legislativas, em 30 de Março de 2004, que dão a vitória ao PAIGC. No entanto, mais uma vez, os elementos sempre presentes que estão na origem dos conflitos na Guiné-Bissau, em que podemos destacar a falta de diálogo para a resolução dos problemas do país por vias não violentas, são de novo postos em evidência com o assassinato do General Veríssimo Seabra, em Outubro de 2004, perpetrado por militares que tinham sido destacados anteriormente para missão de paz na Libéria no âmbito da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da ONU.


(12) Amílcar Cabral (1924-1973) ocupou um dos mais importantes lugares entre todos os dirigentes nacionalistas das colónias portuguesas. Os seus princípios procuraram ser claros tanto quanto à Guiné, como aos povos dos outros territórios portugueses, tendo orientado o seu pensamento e acção por duas ideias fundamentais: a luta nacionalista fazia-se contra o regime português e não contra o povo português, também ele vítima da ditadura; e a luta contra o regime português era a luta comum dos nacionalistas de todas as colónias portuguesas. Aniceto Afonso & Carlos Matos Gomes, Guerra Colonial, Lisboa, Diário de Notícias, 1999, p. 10.
(13) José Pedro Castanheira, Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?, Lisboa, Relógio de Água Editores, 1995, p. 167.
(14) A Lei Constitucional n.º 7/74 foi promulgada a 27 de Julho e foi tornada extensiva às Províncias
Ultramarinas, pela Portaria n.º 790/74, de 8 de Agosto. Esta Lei faz o enquadramento da descolonização portuguesa. Através dela, Portugal reconhece que a solução das guerras no Ultramar é política e não militar. Ao mesmo tempo, Portugal, de acordo com a Carta das Nações Unidas, reconhece o direito dos povos à autodeterminação.
(15) Carlos Cardoso, A Formação da Elite Política na Guiné-Bissau, Lisboa, ISCTE, 2002, p. 17.
(16) Queba Sambu, Ordem para Matar – Dos Fuzilamentos ao Caso das Bombas da Embaixada da Guiné,
Lisboa, Edições Referendo, p. 51.
(17) Adoptado no III Congresso do PAIGC, em 1977, este sistema garantia aos caboverdianos o mesmo número de cargos dirigentes no partido que os guineenses.
(18) Tcherno Djaló, Lições e Legitimidade dos Conflitos Políticos na Guiné-Bissau, Bissau, INEP, 2000, p. 29.
(19) Paulo Correia era nesta altura Ministro da Justiça e do Poder Local.
(20) Nesta revisão constitucional foi abolido o artigo n.º4, o qual consagrava o PAIGC como força política dirigente da sociedade e do Estado. A nova Constituição entrou em vigor a 9 de Maio de 1991. Fernando Marques da Costa & Natália Falé, Guia Político dos PALOP, Lisboa, Editorial Fragmentos/Fundação de Relações Internacionais, 1992, p. 121.
(21) Os membros da UEMOA são: Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Mali, Níger,
Senegal e Togo.
(22) A entrada oficial da Guiné-Bissau na zona CFA deu-se no dia 2 de Maio de 1997, tendo começado, nesse dia, a ser substituídos os pesos guineenses por francos CFA. Jornal Público, n.º 2607, 02/05/1997.
(23) Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, volume IX (1851-1890), Lisboa, Edições Verbo, 1986, p. 161.
(24) Jornal Diário de Notícias, n.º 47255, 09/08/98.
(25) Uma das pessoas mais activas na procura de uma solução nesta altura foi o Bispo de Bissau, D. Arturo Settimio Ferrazzeta.
(26) Zamora Induta, Guiné – 24 Anos de Independência (1974-1998), Lisboa, Hugin Editores, 2001, p. 160.
(27) Chegado a Portugal, aonde lhe foi garantido asilo político, Nino Vieira ficou proibido, enquanto permanecesse em solo português, de empreender qualquer tipo de actividade política. BBC Africa, edição on-line, 11/06/99.
(28) The United Nations Homepage, 06/04/99.



In “A evolução política recente na Guiné-Bissau”

Autores
CARLOS EDUARDO SANGREMAN
(Prof. Auxiliar na Universidade de Aveiro e Investigador no Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento do Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa)
FERNANDO SOUSA JÚNIOR
(Mestre e técnico superior no Gabinete para a Cooperação do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social)
GUILHERME JORGE RODRIGUES ZEVERINO
(Mestre e técnico superior no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros)
MIGUEL MARCOS JOSÉ DE BARROS
(Estudante guineense de sociologia no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa)

Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento
Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG/”Económicas”) da Universidade Técnica de Lisboa

Lisboa, 2006

terça-feira, 23 de março de 2010

P-58 ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (4)


DEZEMBRO1971/ABRIL 1974
Este texto foi elaborado a partir do livro: - BART 3873
“HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)


4º FASCÍCULO


JULHO 1972


20. SITUAÇÃO GERAL
- O facto dominante foi o esforço acentuado despendido pelo P.A.I.G.C. sobre a população, através da violência tendente a intimidá-la para que a sua colaboração com PORTUGAL cesse.

21. TERRENO

- Executaram-se trabalhos de capinação nos locais mais vulneráveis o que obriga as NT a fazer protecção aos capinadores.

 Passeando descontraidamente pela Tabanca do XIME em 1972
TRMS: Ramos, Sousa de Castro, Vicente, Romão, Marinho e Pereira (condutor)


22. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- Em 19 de Julho pelas 20,30 horas o Destacamento do ENXALÉ foi intensamente atacado e flagelado durante 20 minutos com armas pesadas e ligeiras. A nossa reacção surgiu pronta e ajustada. Sofremos 01 morto (Milícia) e 02 feridos; o inimigo 04 mortos, 07 feridos e 01 prisioneiro.
Salienta-se o tiro acertado de ARTILHARIA do XIME em apoio às forças atacadas.
Em 24 de Julho pelas 11,30 horas 01 elemento da população, recém-apresentado, quando se dirigia a MADINA para trazer a família sob controlo IN, accionou 01 mina A/P reforçada, em (XIME3A2-83) que lhe provocou morte imediata.


b) Conclusões
- Conforme se ilidi da leitura da actividade dos guerrilheiros no período, a população foi o alvo seleccionado, no sentido de a intimidar e de, coactivamente, a fazer mudar de atitude relativamente às NT.

23. POPULAÇÃO

- O comportamento da população é-nos francamente favorável: MERO, catalogada como «duplo controle» a sua «diplomacia», podendo afirmar-se que o acto repressivo do rapto a fez pender para o nosso lado, pois serviu para cavar um fosso entre os seus habitantes e o P.A.I.G.C. e simultaneamente aproximá-los mais de nós. Perante um tratamento violento e um tratamento amigável os homens MERO escolheram naturalmente o segundo.
Sentido-se inseguros e ameaçados reclamaram a presença da tropa o que antes não viam com bons olhos. Depois de terminada a lavoura na bolanha, comprometeram-se a dar unidades para a organização dum PEL MIL.
No ENXALÉ apresentaram-se 04 pessoas fugidas de MADINA. Ligando o fluxo que não é só de agora com o do rebentamento da mina na alínea a), cremos que o partido presentemente não goza de grande aceitação, empregando portanto métodos extremos.
Acrescente-se que o juízo se adapta inteiramente à série de acções violentas desencadeadas no período.
Em primeiro plano: Alf. Milº. Serradas Pereira seguido de 1º cabo radiot. Castro


24. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes
- Além da actividade mais restrita e de rotina tiveram lugar:
Operação «AGARRA CABRITOS» de 10 a 12 pelo GEMIL’S 309 e 310 mais uma Secção do COE, com percurso ENXALÉ-MADINA. Os resultados foram 01 morto e 03 feridos infligidos ao IN e capturada 01 arma «Kalashnicov».
Sem consequências para as Nossas Forças.
Acção «GARLOPA» no dia 19 pela CCAÇ 12 com 04 GRCOMB, 03 da CART 3494, e 02 da CCP 121, apoio aéreo da DO-27 e Heli-Canhão. O percurso foi: BAMBADINCA/XIME/PTA INGLÊS/PTA VARELA/XIME, constituindo numa batida, precedida de batimento da Artilharia do 20.º Pel Art.ª e Heli-canhão. As NT destruíram 08 tabancas, vários celeiros e recuperaram 10 elementos da população. As NT não sofreram consequências.





b) Conclusões
- Pensa-se que a acção contra o ENXALÉ foi uma retaliação à Acção «GARLOPA» e, por outro lado, que o adversário se furta a enfrentar directamente as NT, especialmente quando elas se compõem de tropa especializada (Pára-quedistas) e apoio da FAP.


5º FASCÍCULO


AGOSTO 1972


25. SITUAÇÃO GERAL

- Ao invés do período anterior a actividade IN não incidiu sobre as populações, mediante assaltos ou raptos o que, em boa medida, se explica pelas precauções tomadas pelas NT em vista da sua defesa.
No domínio climatérico a escassez das chuvas justifica parcialmente o não abrandamento das acções inimigas, como é comum acontecer na época que se atravessa.

26. TERRENO

-As derivadas da capinagem exclusivamente.


27. INIMIGO

a)Sub-Sector do XIME
- Uma flagelação durante 20 minutos em 03 de Agosto pelas 05,18 horas com armas ligeiras e RPG-7, sem consequências.

b) Conclusões
- Revendo o exposto oportunamente, dir-se-á que o XIME não passa um mês que não seja atingido pala guerrilha.


28. POPULAÇÃO

-Na sequência da ideia de que o P.A.I.G.C. coage a população sobre o seu controle, a qual sempre que pode furtar-se à sua vigilância vem apresentar-se às autoridades, no ENXALÉ, ponto de íntimo contacto com o pessoal da mato, apresentaram-se 36 elementos (não guerrilheiros).

É crível, inclusivamente, que haja informadores do Partido instalados na tabanca.
A população sob nosso controle mantêm-se fiel e colaboradora, especialmente a etnia FULA.


29. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes
- Foram as seguintes: - De 02 Agosto das 06,00 às 11,00 horas realizou-se a acção «GARO 5» por 03 GRCOMB da CART 3494 com patrulhamento na área XIME/MADINA COLHIDO/GUDAGUÉ BEAFADA/PTA VARELA. Foi detectada e levantada 01 mina A/P.
De 22 das 03,30 às 15,30 horas do mesmo dia, desencadeou-se a acção «GARLOPA 2» por 03 GRCOMB da CART 3494, 04 da CCAÇ 12, 01 da CART 3493, 20.º Pel Artª, 01 Heli-Canhão e 01 DO-27 armado, com patrulhamento, emboscada e prévio batimento da zona, na área de XIME/MADINA COLHIDO/PTA DO INGLÊS/POIDON. Destruiriam-se 01 Tabanca de 17 moranças e captraram-se peças de fardamento usado.
IN flagelou com RPG-2 a CART 3494, causando-lhe 01 ferido ligeiro.

b) Conclusões
- As missões de reabastecimento continuam a não ser perturbadas e dum modo genérico a actuação das NT não deparou com grande resistência.
Além disso cumpre assinalar o de-nodo e destemor com que os Militares empenhados encaram os momentos de perigo, tal como sucedeu na flagelação havida no desenrolar da acção «GARLOPA 2», aspecto este que se pode e deve reputar uma constante.

c) Alteração do Dispositivo
- 02 ESQ do Pel Mort 2268 estacionado no XIME foi substituído por 02 ESQ do Pel Mort 4575/72, por o primeiros terem findado a comissão. Os novos Esquadrões ocuparam o seu lugar no esquema do dispositivo contido nos períodos transactos.

NOTA DO EDITOR:

- No ponto 29. Da alínea a) Acções e Operações mais importantes 

Não foi considerada uma acção ao MATO-CÃO que levou a que a CART 3494, tivesse sofrido um acidente no Rio Geba em que perdemos 03 homens, considerados: Baixas, por outras causas.

Desenrolar da acção, segundo apontamentos escritos na época:

- CART 3494 - 10-08-1972. A companhia neste dia recebeu instruções para uma operação no MATO-CÃO. Consistia em atravessar rio Geba em lanchas e depois entrar no mato e seguir então para MATO-CÃO. O Major de Operações, para além de ter sido avisado por quem conhecia as marés e a hora em que passaria o «MACARÉU», achou que haveria tempo para fazer a travessia do rio e levar a cabo a operação.

(«Macaréu» Sm. Sublevação brusca das águas, que produz em certos estuários no momento da cheia e que progride rapidamente para as nascentes sob forma violenta, capaz de fazer estragos em pequenas embarcações).

Os pelotões envolvidos nesse patrulhamento não tiveram outra alternativa senão obedecer. Os soldados pela experiência já adquirida, ao longo de 08 meses de comissão, sabiam que uma desgraça iria acontecer e, então acontece o que já se esperava. São apanhados pelo Macaréu.
As embarcações viraram e então todos tentam desenrascar-se como podem, do perigo de morrerem afogados, muitos não sabiam nadar, depois, com todo peso de armamento que transportavam, para além da farda que envergavam, viram-se e desejaram para se safarem, mas nem todos o conseguiram.
Três camaradas foram levados pela corrente das águas agitadas.
 Sepultura em Bambadinca - Guiné do Soldado, José Maria da Silva e Sousa. Agosto 1972

Só apareceu um, no dia seguinte. Foi o Soldado, José Maria da Silva Sousa, residia em Santo Tirso, ficou sepultado na Guiné, em Bambadinca, Manuel Salgado Antunes, casado residia em Famalicão e o terceiro Abraão Moreira Rosa, este da Póvoa de Varzim, não mais apareceram. O pessoal da companhia muito perturbada com este acontecimento, desdobraram-se em esforços tentando encontrar os que desapareceram, mas em vão.
Sousa de Castro

quarta-feira, 17 de março de 2010

P-57 ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (3)




Este texto foi elaborado a partir do livro: - BART 3873
“HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)


2º FASCÍCULO

MAIO 1972

12. SITUAÇÃO GERAL

- A actividade do IN não se incrementou. O próprio Aquartelamento do XIME não sofreu ataques ou flagelações o que indica retorno a uma relativa tranquilidade.
Sobre a população por nós controlada não se registou alteração, ou seja, persiste colaborante. Na dominada pelo P.A.I.G.C. ela continua a ser alvo de uma forte doutrinação e mentalização políticas em MINA e GALO-CORUBAL, porém é admissível a fragmentação da unidade população/Partido.
A intenção do inimigo crê-se que devem ser coincidentes com a do trimestre pretérito.

 13. TERRENO
- As modificações continuam a ser as provenientes da capinagem, desmatação e queimadas para protecção das NT tanto ofensiva como defensivamente.
Note-se que os habitantes das tabancas procedem igualmente para benefício de si mesmos.

14. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- De harmonia com a correspondência retirada a MÁRIO MENDES (aniquilado pela CCAÇ12), o IN planeava nova acção na estrada XIME-BAMBADINCA, o que nos leva a concluir que no futuro acções deste teor venham a ser cometidas, pois que a suceder seria a segunda vez no espaço de 02 meses.

b) Conclusões
- Denotou-se um recrudescimento da actividade guerrilheira no tocante à colocação de minas, o prolongamento da sua actividade no Sub-Sector de BAMBADINCA e o aspecto saliente do pressionamento gorado do tráfego entre XIME-BAMBADINCA.

15. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes
- Para além dos patrulhamentos habituais, emboscadas nocturnas, seguranças descontínuas, picagens de itinerários etc., não houve neste mês nenhuma operação relevante em que a CART 3494 estivesse envolvida.

3º FASCÍCULO

JUNHO 1972

16. SITUAÇÂO GERAL

-A flagelação do XIME e o ataque de AMADALAI confirmam a vontade do IN obstar o tráfego da estrada XIME-BAMBADINCA.
Enquanto isso, a tentativa frustrada de golpe de mão ao Aquartelamento do XITOLE comprovam, porventura, maior agressividade da guerrilha.
De resto a situação manteve-se nos moldes constantes do período anterior.

17. TERRENO

- Assinala-se o início da estação das «chuvas» e a transformação da natureza como consequência adveniente.

18. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME
- A Auto-Defesa de AMEDALAI foi atacada durante 05 minutos sem resultados.
Em 26JUN72, pelas 20,30 horas o Quartel e a Tabanca do XIME, em repetição do que se disse na primeira alínea, foram uma vez mais flagelados e desta feita igualmente sem consequências para a população e nossas tropas.
Nota do Editor: No ponto atrás referido, tenho anotado num livrinho, que neste dia pelas 20,15 Horas, houve tentativa de golpe de mão junto ao arame farpado tendo a Artilharia reagido eficazmente, provocando ao IN 16 mortos e 04 feridos. Sem consequências para as nossas forças.

b) Conclusões
- O XIME não escapou à regularidade de figurar como objectivo número 1 do P.A.I.G.C. em todo sector L1 o que explica pela posição estratégica ocupada pelo citado Aquartelamento.
A ineficácia das iniciativas adversárias continua a ser praticamente norma.
A sede do BART 3873, decorridos já 05 meses, não teve qualquer ataque ou flagelação o que se percebe pelo cordão protector que a rodeia a dificultar, ou a impedir mesmo, a retirada da força atacante.

19. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes
- Acção «GARO3» com patrulhamento e emboscada por 03 GRCOMB da CART 3494 e apoio de Heli-Canhão. Desencadeou-se na área entre MADINA COLHIDO e GUDAGUÉ BEAFADA sem ter visto ou sentido o IN.
- Acção «GUARDEAR 1» a 03 GRCOMB da CART 3493, 02 GRCOMB da CART 3494, PEL’S MIL 241, 242, e 243, GEMIL’S 309 e 310, 04 GRCOMB da CCAÇ 12, PEL REC DAIMLER 3085, 01 PEL da CCS/BART 3873, PEL’S CAÇ NAT 52, 54 e 63 e PEL MIL 201, a fim de estabelecer a segurança afastada a BAMBADINCA, aquando da visita de SUA EXA O GOVERNADOR E COMANDANTE-CHEFE. Servia de apoio aéreo 01 Heli-Canhão. 
Não houve contactos nem se observaram vestígios inimigos.

- Operação «ACHA CAMINHO» de 30 de Maio a 02 de Junho, a 03 GRCOMB da CCAÇ 12 e 02 GRCOMB da CART 3494 os quais realizaram patrulhamentos e emboscadas na região entre TAIBATÁ-CHICAMEL-GUNDAGUÉ FUTA-FULA e GUNDAGUÉ BEAFADA. O apoio aéreo esteve a cargo de 01 Heli-Canhão, não se registando consequências.
Uma emboscada empreendida pelo PEL CAÇ NAT 63 na estrada FINETE-MISSIRÁ provocou ao inimigo 01 morto, 01 ferido e 01 prisioneiro.

b) Conclusões
Sublinha-se a ausência de contactos com a guerrilha, bem como a sua inactividade no tocante às nossas colunas de reabastecimento, ao invés do que seria de esperar neste domínio da logística.

(continua)

segunda-feira, 15 de março de 2010

P-56 Efectivos do PAIGC em 1971 (Partido Africano Independência Guiné e Cabo Verde)

Tropas do PAIGC - Posto de controlo 1974 (autor desconhecido)

De acordo com o livro Guerra Colonial: "Angola, Guiné, Moçambique" (Lisboa: Diário de Notícias, s/d), da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, e com base em estimativa do comando militar português, em 1971, os efectivos do PAIGC empenhados na luta pela independência eram assim constituídos:


Efectivos por unidade:


- bigrupo: 38/44 unidades
- bigrupo reforçado: 70 unidades
- grupo de artilharia: 50 unidades
- grupo de canhões/morteiros: 23 unidades
- grupo de foguetões/antiaéreos: 16 unidades


Efectivos por regiões:


Inter-Região Norte:


- Frente S. Domingos/Sambuiá: 630 unidades
- Frente CanchungoBiambe: 760 unidades
- Frente Morés/Nhacra: 680 unidades
- Frente Bafatá/Gabu Norte: 730 unidades


Inter-Região Sul:


- Frente Bafatá/Gabu Sul: 200 unidades
- Frente Bafatá/Xitole: 160 unidades
- Frente Buba/ Quitafine: 1230 unidades
- Frente do Quínara: 560 unidades
- Frente de Catió: 370 unidades.


Além destes efectivos, que totalizavam 5500 elementos para o Exército Popular, há que acrescentar cerca de 2000 milícias, 900 a 1000 em cada inter-região [Ou seja, o PAIGC não teria mais do que 7500 homens em armas].


O PAIGC, atendendo à taxa de natalidade e mortalidade existente, podia aumentar os seus efectivos em cerca de 5000 combatentes, valendo-se somente das populações controladas.


Sousa de Castro

P-55 A MINHA PUTA (Victor Junqueira, ex. Alf. Mil. Inf. CCAÇ 2753 (Os Barões)


 O Dr. Vitor Junqueira, no CUSCO - PERU http://kurtviagens.blogspot.com/
com a devida vénia

- Dr. Vitor Junqueira, foi Alf. Mil. Inf. da CCAÇ 2753 (Os Barões) Guiné - Bironque, K3 e Mansabá AGO70/JUL72

A minha puta ...
De: Vitor Junqueira


1. Reflexão:

Toda a gente tem a sua puta. Que nem sempre é a doce puta-amante. Na maioria das vezes é uma bem amarga puta de vida, ou uma puta de sorte ...

Não sendo um expert em matéria de putedo, tenho sobre este assunto algumas ideias próprias, nem sempre consensuais com a moral e os bons costumes prevalecentes na família portuga. Começo por dar conta de um facto: Há muita gente que, com a maior naturalidade, visiona no leitor de DVD ou televisor da sua sala, filmes contendo cenas raiando o mais puro hard core, e no entanto, se numa conversa de circunstância o tema descamba para o lado das meninas, lá vem o inevitável e embaraçoso constrangimento. Tal como proclamava o nosso bem conhecido cónego Remédios, “não havia nechechidade” ... também estes benzetas não se coíbem de grunhir moengas contra estas sem-vergonhices. Repudio os seus argumentos bacocos, moralistas e reaccionários, quase sempre eivados de indisfarçável hipocrisia.

Afinal, todos sabemos que as putas como as cadeias existem, porque existem homens e mulheres. Reconheço contudo que entre nós, este continua a ser um tema meio tabu, com conotações geralmente negativas. Veja-se, a título de exemplo, algumas designações aplicadas às principais linhagens de putas:

Entre as plebeias, assumem posição de relevo as putas do c... São uma estirpe comum que pode desabrochar virtualmente no seio de qualquer honrada família. Porém, o grosso do efectivo é constituído pelas putas reles, putas manhosas e putas rafeiras. Há quem se refira a uma variante urbana particularmente desqualificada, como putéfia de merda, também conhecida como gatinha do Cacém. Não possuindo forçosamente qualquer vínculo nobiliárquico, as reais putas, cuja patrona-mor até foi por mero acaso uma conhecida princesa, são intocáveis, quase sagradas aos olhos dos milhões de putas sérias que por aí andam e com quem dormimos habitualmente!

As putarronas têm experiência, têm estatuto e acima de tudo possuem bons amigos. Sabidonas, cuidado com elas! As minhas preferidas são as refinadas putas. São o que são e não enganam ninguém. Distinguem-se pelo seu elevado grau de profissionalismo. Fora deste elenco, ficam as putas finas. Como dizia uma comadre minha tentando defender a honra da filha: são tão putas quanto as outras, mas sabem escrever à máquina! Têm carreira própria e à pala de umas cambalhotas com peixe graúdo, tornam-se alpinistas. Olhem em redor, e vejam até onde algumas conseguiram trepar!...

Por mim, rejeito qualquer expressão ou atitude classicista ou discriminatória em relação a um grupo profissional tão antigo quanto a humanidade. Que, por sinal, até tem merecido a atenção de alguns dos maiores pensadores e poetas que a humanidade já produziu. Como argumento final e para não me esticar em demasia, direi apenas que dentro de cada um de nós, existe certamente uma putinha adormecida.

Isto não significa que não fique deveras chateado se algum chifrudo me apelidar injustamente, de filho da puta. E se o mandassem para a puta que o pariu, como é que o meu prezado amigo reagiria? Como eu, mal. Pois é, paradoxos ...

2. Vamos à estória:


Era eu um chavaleco de merda na casa dos vinte e poucos anos, quando conheci na Guiné uma refinada puta. Tão puta, que suspeito que tenha nascido já sem cabaço. Ou se o teve, foi por pouco tempo! Não era uma puta comum. Esta veio ao mundo por uma causa, com uma missão. Tinha o seu código de honra e levava-o muito a sério: À sua beira, ninguém deveria padecer à míngua de sexo, ainda que estivesse teso!

A Fanta Baldé era uma mandinga retinta, grande, de feições fortes quase viris, voz meiga e riso espalhafatoso. Nunca soube qual era a sua idade, mas julgo que seria idêntica à minha. Ouvi-a dizer que nasceu lá para os lados de BINTA, e por lá se manteve até ter peso suficiente para um tuga lhe fazer um mulatinho, o Mário. Já a criança era nascida quando à cata de melhores oportunidades de negócio montou estaminé num tugúrio em FARIM.

Aí, acolheu no aconchego do seu corpo torrentes de esperma, em troca dos pesos que tanta falta lhe faziam para criar o seu rebento. Mais tarde, acabou por atravessar o Cacheu vindo a fixar residência em SALIQUINHEDIM (K3), dedicando-se à prestação de serviços em regime de exclusividade aos Barões da CCAÇ 2753 (1).

Foi aí que nos encontrámos pela primeira vez e, desde logo, uma forte antipatia nasceu entre nós. Armado em cão com pulgas, eu via naquela mulher uma fonte de complicações. Já imaginava o mais do que provável abandalhamento da Companhia com quebra na disciplina e, sabe-se lá, a possibilidade da prática de actos de rebelião na hora de sair para o mato. Assim como a exploração, a favor do IN, de fontes de informação às quais tinham acesso privilegiado os nossos militares, seus clientes, sobre os quais possuía notório ascendente. O que, diga-se, representava uma enorme e inaceitável desvantagem estratégica das nossas forças face às tropas do PAIGC.

O tempo veio a demonstrar que era apenas uma mulher e mãe. Uma boa mãe. Como nenhum daqueles temores se concretizou, acabámos por nos tornar amigos íntimos. Demasiado até, tendo em conta as marciais regras do decoro e bons exemplos!

Mas ela assim quis, e quando a mulher quer, Deus ordena. E foi assim que moenga aconteceu:

Como assíduo frequentador da tabanca, situada arames meios com as instalações militares, procurava na convivialidade com a população local o alento para o stressante dia a dia dos golpes de mão, das colunas, patrulhamentos, emboscadas, em suma, da vida em estado de guerra. Sentados no chão ou estendidos sobre esteiras, gozando a frescura relativa da tarde sob a ramagem frondosa das mangueiras, a modorra tomava conta dos corpos enquanto a neura se apoderava das mentes. Entediados por meses de permanência naquele buraco do fim do mundo, amarfanhados pela saudade dos familiares e amigos que tinham ficado na metrópole, aquelas eram as tardes mais longas de todas as tardes, como no poema do Ary dos Santos (3).

A noite, porém, metamorfoseava aquele escafundó num pedacinho de paraíso. No tabancal, quase não havia homens, pois estavam praticamente todos exilados nos pelotões da milícia de Binta e Bigene. Deles, só se sabia quando apareciam para gozar uns dias de férias e esvaziar os sacos da saudade! Talvez por isso, os lusos eram muito bem recebidos. As esposas e namoradas, carentes como se compreende, lá se amanhavam com os nossos bacanos. Mas também as mães, primas, amigas ou irmãs que nos lavavam os camuflados, o pescoço e a alma em troca de quase nada.

Depois do jantar, que era geralmente servido ao lusco-fusco, distribuíam-se as armas aos putos que tinham a seu cargo a auto-defesa da tabanca. Eram na sua maioria adolescentes, a quem os nossos antecessores tinham ensinado o manejo da G3 e do morteiro. Recolhiam as armas da mão da tropa ao fim da tarde e entregavam-nas pela manhã do dia seguinte. E sempre souberam dar conta do recado.

Quanto a nós, magníficos representantes do marialvismo nacional, uma vez montada a segurança, o objectivo passava a ser bajudame e cada um se safava como podia. No terreiro da aldeia, localizado no centro de um aglomerado de 20 ou 30 moranças, ardia uma fogueira alimentada com lenha que todos ajudavam a recolher e transportar. Espantava os mosquitos, aquecia e alegrava o ambiente. Ao seu redor, apertavam-se os nossos à molhada com os indígenas.

Havia lugar para todos e todos tinham o seu lugar. Lado a lado, brancos e pretos, fulas e mandingas, homens, mulheres grandes, jovens adultos e crianças, escutavam interessados o relato feito por alguém, que em tom jocoso, dramatizava o acontecimento social ou peripécia desse dia. Via de regra, havia sempre uma vítima, alvo de dura chacota. Que ninguém levava a mal.

Às tantas, um ritmo de batuque, cantoria e risos de mulher enchiam o ar fresco da noite com cheiro a África. Para tanto, bastava que alguém desse início a um som com as palmas. E logo as palmas de muitas mãos acompanhavam aquele ritmo. Qualquer velha lata ou cabaceira, primorosamente percutidas por mãos experientes ou improvisadas baquetas, produzia uma música a que os corpos não resistiam, e recusando o controlo da vontade, gingavam ao ritmo da batida. Para o centro da roda, saltava então uma mulher, depois outra e outra. Curvadas para a frente, muitas vezes com os pequenitos na costa, batiam o chão, forte e compassadamente, com os pés nus. E logo a pequenada toda, as bajudas, honradas mães de família e outras menos honradas, toda a gente participava naquela dança quase frenética em que os cânticos entoados por conhecedores transformavam num ritual cataléptico que podia durar horas, e só terminava quando os corpos trémulos e suados pediam descanso, ou o quadro que fornecia luz à tabanca era desligado. Na esteira ficavam apenas os coxos e o mija na escada, moi, eu!

O convívio continuava então, mais terno, mais íntimo, com a cumplicidade da escuridão traída por esquivos reflexos das labaredas moribundas. Numa dessas noites, quando a maioria do pessoal já havia recolhido a penates, a Fanta aproximou-se de mim, risonha, e num crioulo palpitante disse-me:
- Zunqueira (tinha problemas com a dicção do meu nome), preciso falar contigo.
- Então fala, diz o que é que queres, respondi.
- Zunqueira, aquilo que tenho para te dizer ... tem de ser em minha casa. Vem por favor - disse ela. Disse-o como se fosse uma ordem, e num passo ligeiro e silencioso, pôs-se a caminhar à minha frente.

Fiquei intrigado, receoso mesmo. Ocorreu-me que quisesse pedir qualquer coisa para o filhote. Ou estaria ela a tramar alguma armadilha, a mando do IN? Mas, dado que noblesse oblige ..., senti-me impelido a seguir-lhe a silhueta através do labirinto de moranças, àquela hora escuro e deserto. Chegados à sua porta, no extremo oposto da tabanca quase junto ao arame farpado, accionou a taramela que garantia a segurança da sua espartana habitação.
- Vem, disse em voz ciciada, afastando-se para me deixar passar.

Instintivamente agarrei a coronha da [pistola] walter que levava escondida no bolso do dólmen. Contudo, o seu sorriso descomprometido tranquilizou-me. Entrei.

A casa tinha apenas uma divisão com chão de terra batida. Do lado esquerdo, arrumado à parede, um leito de ferro sobre o qual um colchão de espuma coberto com uma colcha cor de rosa impecavelmente limpa, sem uma ruga. Um pequeno caixote servia de mesa de cabeceira e evidenciava a singeleza do local. Em cima dele, um luxo, um candeeiro a petróleo cuja luz subiu. Pude então destrinçar junto à parede oposta um camita de madeira onde dormia placidamente o pequeno Mário. Esta visão acabou com os meus receios, senti-me completamente descontraído.

No pouco espaço disponível entre as duas camas, a Fanta volta-se para mim e apontando com o queixo para o pequenito, apoiou o indicador sobre os lábios em sinal de silêncio. Ostentava um sorriso enigmático a que luz velada do candeeiro realçava o brilho dos olhos e a brancura dos dentes. Acheia-a diferente, parecia uma garota.

Num gesto rápido fecha a porta, e sem uma palavra aproxima-se mais. Sinto-lhe o hálito, as formas e o calor do corpo. Delicadamente, como a pedir licença, envolve-me com os braços e aproxima a sua boca da minha. Um beijo rápido, carregado de promessas que me deixa paralisado. Balbucio uns nãos pouco convictos que só servem para reforçar o ímpeto com que se atira à tarefa de me despojar da farda e das botas. Sinto as suas mãos percorrerem-me o corpo à procura de fechos e botões enquanto me vai tocando com os lábios.

Sei que estou arrumado. Cheio de princípios e convicções, já não disponho de forças nem vontade para bater em retirada. Vejo-a pegar no cinturão carregado de artilharia, que atira sem cerimónias para cima das roupas caídas no chão. Troça despudoradamente:
- Zunqueira, para que andas com isto? Se eu quisesse fazer-te mal de que é que estas coisas te serviriam?

Xeque-mate, sem discussão! Num abrir e fechar de olhos, está nua. À volta dos quadris, um cordão de cheirinho, realça-lhe a feminilidade. Trata-se de uma enfiada de pequenas bagas escuras colhidas no mato que libertam uma oleosidade perfumada. Afasta a colcha e estende-se sobre o lençol branco. O contraste com a cor do seu corpo tem um efeito estonteante. E que corpo, Senhor! Que coxas, que mamas! Fico ali, ridículo, confuso, convulso, com tusa, em três pernas.

Aí, ela estendeu-me a mão e num convite cheio de sensualidade, puxou-me para junto de si. Acaricio-lhe a pele macia e aveludada com que a natureza brindou as mulheres negras. Percorro-lhe a pentelheira de um crespo sedoso, perfeitamente recortada, na busca dos recantos mais secretos daquele verdadeiro monumento ao amor. Claramente excitada, o seu corpo procura o meu que, tomado por uma espécie de frenesim, já só pede os finalmente.

A Fanta porém, conhecedora do seu ofício e com o saber fazer que o profissionalismo confere, com a docilidade e delicadeza que lhe eram próprias, lá foi tomando conta das operações. Controlando-me os gestos e moderando o impulso, ensina-me a beber repetidamente da cantarinha.

Alta madrugada, enrosca-se, envolve-me, retém-me o mais que pode. Faço-a entender que o meu regresso ao aquartelamento é imperioso. Submissa cede, e acompanhando-me à porta sussurra:
- Zunqueira, logo espero por ti.
- Não sei Fanta. Vou precisar de descansar porque o dia vai ser duro - respondi de forma evasiva para não criar falsas expectativas.

E abalei, ciente de que aquele só poderia ter sido deslize único que de forma alguma poderia repetir-se. À vista da sentinela, passo pela suprema humilhação de ter que me identificar:
-Quem vem lá faz alto! - diz o cabrão, perdido de gozo!

Sorrateiramente, para não acordar o camarada com quem partilhava o quarto, enfiei-me debaixo do mosquiteiro. Adormeci que nem uma pedra a pensar que aquela (volto a citar o Ary):

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram... Aquela e as seguintes. Porque durante mais de um ano, foram poucas as noites em que não dormi entre as pernas da Fanta. O caso assumiu foros de escândalo. O alferes Junqueira que alguns consideravam o homem mais disciplinado e disciplinador da Companhia, caíra de joelhos numa rendição incondicional, vencido pelo feitiço de uma mulher ... pública. Inacreditável. Ela deu-lhe alguma mezinha a beber, diziam uns, ou o caso tem mistério afirmavam outros. Nada disso, garanto eu. O que houve foi uma luta desigual. De um lado, os atributos físicos e a juventude de uma mulher simples, extremamente doce e feminina na cama. Do outro, a fraqueza da carne, bem rija na altura.

A Fanta nunca frequentou a escola mas possuía uma notável sabedoria de experiência feita. Acho que era sábia. Tinha tiradas de índole filosófica que me deixavam de cara à banda. Com ela aprendi bastante. Sobre a vida, o mundo e as pessoas. E o sexo, já agora! Fiquei a saber, por exemplo, que até as coisas têm alma, podendo continuar a existir mesmo depois de materialmente terem desaparecido!

Avizinhava-se o final da comissão. Havia uma data prevista para a rendição, com entrega das instalações a uma Companhia de periquitos. Por maior sigilo que se quisesse guardar quanto a estas movimentações, o segredo era invariavelmente quebrado como se sabe. No entanto, talvez por dever, mas certamente por cobardia, eu nada disse à mulher com quem tinha literalmente vivido nos últimos meses. Mas ela sabia de tudo havia tempo, mas nunca tocou no assunto. No dia da partida, pouco depois do sol nascer, estava eu ainda deitado quando bateu à porta, pedindo licença para entrar. Levantou o mosquiteiro e sentou-se a meu lado. Estávamos sós. Voltou-se para mim e sorriu, ao mesmo tempo que as lágrimas lhe corriam pela face.
- Zunqueira, tu ias embora sem te despedires de mim!? - O tom era de mágoa e tristeza.

Senti-me um verme. Gaguejei sem saber o que dizer, mas lá arranjei arte para arquitectar umas mentirolas:
- Estás maluca Fanta, vou lá embora agora ...

Bem, eu devia meter dó, porque foi isso que li nos seus olhos. Limpou as lágrimas e passando-me para a mão um pequeno embrulho, foi dizendo:
- Zunqueira, quero que leves esta lembrança. É coisa pouca, mas acho que vais gostar.

Fiquei siderado. Pela atenção e carinho que não merecia. Pelo remorso. Desfiz o embrulho e retirei uma lanterna eléctrica daquelas de tipo espalmado, com uma grande pilha rectangular, dentro de uma caixa metálica cor de tijolo. Devia tê-la mandado vir de Bissau, com a devida antecedência. Muito tempo antes, eu tinha deixado escapar que, ao regressar todas as madrugadas ao quartel, tinha alguma dificuldade em orientar-me por entre as tabancas (moranças) na noites mais escuras.

Durante todo o tempo em que dormi com a Fanta, ela nunca me pediu nada, nunca aceitou nada. A não ser algumas latas de leite condensado Néstlé, meia dúzia talvez, que lhe levei para o filho ainda bebé. Terá vivido julgo eu, de economias, porque durante esse período se absteve completamente do negócio. Se aquele pequeno objecto valia uma fortuna para uma população que praticamente não tinha acesso ao dinheiro, para ela então, teria sido uma autêntica extravagância.
- Fanta, eu não posso aceitar. Desculpa, mas não posso mesmo. Na casa onde compraste, talvez te possam fazer a troca por qualquer coisa útil para o teu filho, insisti.

Dei-lhe a entender que se por um lado, aceitar o presente me deixava embaraçado, por outro, aquilo era um desperdício ... dinheiro perdido.

Cada cavadela, cada minhoca, como se vê. A emenda estava a sair pior que o soneto. Nesse momento a expressão da Fanta tornou-se séria e fixando-me nos olhos, retorquiu:
- Sabes, Zunqueira, só se perde e deixa completamente de ter valor, aquilo que consumimos para satisfazer o nosso egoísmo. O que oferecemos ou partilhamos com os outros, existirá para sempre. Porque mesmo depois de já se ter transformado em pó, continuará a existir na cabeça e no coração daqueles de quem um dia gostámos.

Não voltei a encontrar a Fanta. Confesso que durante muito tempo, após a passagem à disponibilidade, continuava a lembrar-me dela, com saudade. Tive vontade de regressar à Guiné para a visitar, saber se precisava de alguma coisa. Encontrei sempre desculpas para não o fazer.
Aproveito agora para comunicar a quem possa interessar que a Fanta Baldé faleceu em Julho de 2005 no Bairro Militar, em Bissau.

Como diz o povo na sua bondade: Paz à sua alma e que a terra lhe seja leve.

Quanto ao filho Mário, estive com ele há uns três anos. Era então um jovem robusto de trinta e quatro anos de idade, pouco dado ao trabalho, casado, com um filho pequeno. A vida não lhe corria nada bem, pois uma espécie de Bar-Discoteca que geria em Farim, havia falido uns sete ou oito meses antes.

Descobri entretanto que o pai é um ex-militar de uma Companhia que chegou a Binta por volta de 1969/1970, de nome Mário Figueiredo. Originário da zona de Mangualde, encontrava-se na altura (2003), emigrado no Reino Unido.

Dedico esta narrativa absolutamente naïve, ao estilo de conto da revista Maria, à memória da Fanta. Com este despretensioso texto, pretendo também homenagear todas as Putas do mundo, muito em particular aquelas que conhecemos enquanto combatentes na guerra colonial.

Mulheres anónimas, a quem a sociedade continua a aplicar o labéu de fáceis, franquearam-nos a alma enquanto nos vendiam corpo. Foram amigas e confidentes discretas. Ofereceram-nos o colo ou simplesmente um ombro sereno que nos ajudou a apaziguar a torturante saudade de esposas, namoradas e, porque não admiti-lo, até das mães. Não posso prová-lo, mas estou convicto de que, sem o seu oportuno apoio, alguns teriam sucumbido àqueles tempos difíceis e não seriam os cidadãos equilibrados e válidos que são hoje.

Vitor Junqueira

Pombal, 17 de janeiro de 2007


Nota do Editor: E-mail do Dr. Junqueira, recebido já à algum tempo atrás e com a devida autorização para o publicar.