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domingo, 23 de abril de 2017

P310 - Stress pós-traumático: mais de 40 anos depois, a guerra colonial ainda faz vítimas (Diário de Notícias) com a devida vénia!

Nasceu no Hospital das Forças Armadas uma unidade de saúde mental capaz de responder às centenas de militares com problemas.


Adriano Amado tem quase 77 anos e só em 2015, duas décadas após o início do processo, é que foi oficialmente diagnosticado como Deficiente das Forças Armadas (DFA) por causa do stress de guerra.
A aguardar marcação de uma consulta na Associação dos DFA (ver entrevista ao lado), o veterano de guerra reformado do Casino Estoril com 42 anos por invalidez é um dos muitos - como as quatro dezenas que este ano viram reconhecida a sua incapacidade por questões de saúde mental, ou a meia centena qualificada como DFA em 2016 pelas mesmas razões - que vão poder ser atendidos no recém-inaugurado Centro de Saúde Mental do Hospital das Forças Armadas (HFAR).



O diretor do Hospital das Forças Armadas, brigadeiro-general António Tomé, na Sala da Musicoterapia

Adriano Amado, que vive com a mulher e uma filha, cumpriu o serviço militar obrigatório entre 1962 e 1965, em Angola. Enfermeiro do Exército, recorda ao DN que "as coisas começaram a complicar-se logo" que regressou à Metrópole e "devido aos problemas" vividos "no mato". Seguido durante anos por médicos civis, pois "não tinha conhecimento de nenhum apoio militar", o antigo primeiro-cabo recorreu à ADFA quando "há uns 20 anos" soube que poderia obtê-lo.
Aberto o processo, este "andava de um lado para o outro... em 2015 fiz uma consulta de psiquiatria, disseram que ia ficar com 40% de incapacidade" por distúrbios de stress pós-traumático de guerra. A receber a pensão desde dezembro desse ano, Adriano Amado aceita contar alguns pormenores da sua vida: "Nunca mais fui enfermeiro... quando vim de África não consegui fazer mais" nada nesse domínio, depois de ter andado "a apanhar bocados de colegas espalhados no mato."
Foram "situações muito complicadas... colegas com quem estava a comer, a quem dava água do cantil e minutos depois estava a apanhar" os seus restos mortais, evoca Adriano Amado, que "de vez em quando [vai] à aldeia para mudar de ambiente a conselho médico". A tomar dezena e meia de comprimidos por dia, sem dormir em muitos deles, diz não conseguir falar sobre a doença. "Não estou em condições", responde, de forma entrecortada. "Há dias que não posso falar com ninguém. Hoje é um dia em que estou um pouco melhor e por isso estou a falar", acrescenta o antigo militar, reformado nos anos 1980 por dificuldades a nível profissional.



O Hospital das Forças Armadas tem um pólo em Lisboa (na foto) e outro no Porto.

Inauguração

Os problemas do stress de guerra merecem hoje uma atenção inexistente durante anos, pois os militares destacados para missões no estrangeiro são acompanhados antes, durante o aprontamento e no regresso, conta ao DN a major Marianne Cordeiro, psicóloga no Edifício da Saúde Mental do HFAR, inaugurado oficialmente no dia 6 pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general Pina Monteiro.
"O próprio militar e o comando estão atentos, pelo que os primeiros sinais são atacados logo" pela parte clínica e "não se desenvolvem situações complexas" nem os casos específicos de stress de guerra "chegam a ser tão agudos", indica a oficial da Força Aérea, enquanto mostra as salas para terapia individual e de grupo, os espaços para testes e análises neuropsicológicas ou psicoeducação de quem precisa de "ganhar rotinas de reabilitação" (como usar utensílios à mesa).



A capitão-tenente Inês Nascimento (à esquerda na foto) e a major Marianne Cordeiro chefiam as áreas de psiquiatria e psicologia, respetivamente.

Este centro com controlos de acesso no pólo de Lisboa do HFAR resultou da fusão dos serviços dos três ramos das Forças Armadas, a partir de 2014, estando até agora a funcionar em instalações temporárias e apoiado em protocolos com hospitais civis e clínicas privadas, refere o seu diretor, brigadeiro-general António Lopes Tomé.
Médico neurologista da Força Aérea, António Tomé mostra-se convicto de que o centro de saúde mental das Forças Armadas "poderá ser uma área de excelência" e, se houver, com "capacidade sobrante para apoiar" o Serviço Nacional de Saúde (SNS) devido às "novas instalações" e ao "pessoal formado e motivado" que está nas várias áreas: Hospital de Dia de Psiquiatria, serviços de Psicologia Clínica e de Saúde Ocupacional ou , ainda, o Centro de Epidemiologia e Intervenção Preventiva que dá apoio médico-sanitário aos militares enviados para missões no estrangeiro, elementos das forças de segurança, membros do Governo e diplomatas.
A capitão-tenente Inês Nascimento indica algumas "condições únicas" agora criadas, como a insonorizada Sala de Musicoterapia equipada com instrumentos musicais ou os quartos com janelas movidas por controlo remoto e espelhos especiais: "Não há nenhum serviço de psiquiatria no país com vidros inquebráveis", frisa a psiquiatra da Marinha.
No internamento, por estrear e onde há 13 camas - uma fixa ao chão, para receber doentes cujo estado os leva a fazer "coisas mirabolantes" - em sete quartos, também não há fios, cabides ou mobiliário que permita a automutilação ou suicídio, assinala o diretor, destacando ainda os meios de eletroconvulsioterapia - e que são uma "capacidade deficitária no SNS".


Defesa


segunda-feira, 17 de abril de 2017

P309 - GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE A ÚLTIMA CARTA DE AMÍLCAR CABRAL [1924-1973] A PEDRO PIRES ESCRITA MOMENTOS ANTES DO SEU ASSASSINATO (19 de janeiro de 1973)

Depois da carta enviada por Amílcar Cabral ao Cmdt Pedro Pires, a propósito do episódio da mina accionada pela viatura em que este último se fazia transportar, em 17 de março de 1972, na estrada de Sansalé-Boké, em território da Guiné-Conacri, eis a análise de uma outra trocada entre os mesmos interlocutores, e que viria a ser a última, uma vez que Amílcar Cabral seria assassinado poucas horas mais tarde, em Conacri, por elementos da sua segurança.
Esta sua missiva, escrita em 19 de janeiro de 1973, propõe a operacionalização de um conjunto de directrizes e acções a desenvolver na linha de fronteira da frente Sul, e que estavam sob a supervisão do Cmdt Pedro Pires.    
Com um forte abraço de amizade. 
Jorge Araújo.

ABR’2017.

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
A ÚLTIMA CARTA DE AMÍLCAR CABRAL [1924-1973] A PEDRO PIRES ESCRITA MOMENTOS ANTES DO SEU ASSASSINATO (19 de janeiro de 1973)

 1.   INTRODUÇÃO

Ao projectar este pequeno texto historiográfico, utilizando como fonte privilegiada, uma vez mais, «o outro lado do combate», título destes meus escritos temáticos, fi-lo procurando valorar o que é percebido do objecto em análise (factos narrados), por um lado, colocando-o à disposição do universo dos ex-combatentes que sobre ele lhe possam adicionar algo mais, por outro, organizando-o a partir da triangulação da informação produzida pelos seus diversos actores, e por eles publicitada em diferentes momentos e contextos.

Considero-o, por isso, um modesto contributo, quiçá reforço, ao que foi sendo referido, comentado, discutido, esclarecido, analisado, …, durante as duas últimas semanas no “Blogue da Tabanca”, com destaque para os temas inseridos nos P17138-LG e P17162-LG, da autoria do nosso camarada António Martins Matos (ten gen pilav ref).

Daí que, como questão de partida, o objecto em análise está relacionado com as novas diretrizes idealizadas por Amílcar Cabral (1924-1973) enviadas, em carta datada de 19 de janeiro de 1973, ao seu camarada do Conselho de Guerra, Cmdt Pedro Pires [que viria a ser a última], naquela ocasião a supervisionar as actividades da guerrilha nos territórios da Frente Sul [mapa abaixo], uma vez que passadas poucas horas de as ter escrito, o seu autor seria assassinado por membros do seu próprio partido, em Conacri, tema amplamente dissecado no blogue [exs. P15683-LG e P16510-LG, entre outros].

Mapa: Região do Tombali (cor laranja). Faz fronteira c/ a Guiné-Conacri (área 3.736 km²)

(https://peccaviconsulting.files.wordpress.com/2017/01/political-map-of-guinea-bis.gif)


Estas novas orientações propostas por Amílcar Cabral, que não teria a oportunidade de conhecer os resultados, acabariam, porém, por influenciar os tempos que se seguiram, transformando os cenários da guerra-de-guerrilha ao longo do ano de 1973 e os palcos das três frentes (Norte, Sul e Leste) onde cada uma das unidades militares se movimentava. Esse ano, todos nós o sabemos, foi um ano farto de ocorrências de grande significado individual e colectivo, sendo que uma grande parte delas acabariam por ficar gravadas, para sempre, como efemérides no âmbito da historiografia da guerra no CTIGuiné.

2.   – A ÚLTIMA CARTA DE AMÍLCAR CABRAL A PEDRO PIRES ESCRITA MOMENTOS ANTES DO SEU ASSASSSINATO
 - As suas directrizes para o prosseguimento da luta armada (1973)

A poucas horas de ser assassinado, em Conacri, por elementos do seu próprio partido ligados à sua segurança pessoal, como foi referido na introdução, Amílcar Cabral escrevia uma missiva ao Cmdt Pedro Pires, dando-lhe novas diretrizes quanto ao que deveria ser feito a partir de então na zona da fronteira sul do território, identificando ao detalhe as acções a executar por cada grupo, o seu número de elementos e respectivo armamento a utilizar, bem como a competente cronologia.

De referir que o seu assassinato já havia sido por si vaticinado como uma forte probabilidade para o fim da sua vida [morte], ficando célebre a frase que lhe é atribuída - “se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC, só nós próprios”.

Em função do acima exposto, importa dar conta de que esta narrativa só foi possível elaborar depois de consultados, com a devida vénia, os arquivos da Casa Comum, Fundação Mário Soares, em particular a vasta correspondência escrita/manuscrita por Amílcar Cabral, donde foi seleccionada a carta acima referida. Ela será transcrita na íntegra, mas intercalada com outras referências extraídas do vasto espólio disponibilizado por este blogue, com o superior objectivo de aprofundamento desta problemática.

O original será colocado no final, assim como referida a sua fonte.

Citação:
(1963-1973), "Comandante Pedro Pires com dois combatentes do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43495 (2017-3-31)


Eis, abaixo, o conteúdo da carta em título.

“Acabo de receber a mensagem [dos serviços de inteligência (secretos)?] sobre a concentração do inimigo em Cacine com o objectivo de ocupar posições no Sector



[Será que se refere à Directiva n.º 2/73, de 8 de janeiro de 1973, do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné (?), onde cria o Comando Operacional n.º 5 (COP 5), para o qual foi designado, como seu Cmdt, Alexandre da Costa Coutinho e Lima, à data major de art, e hoje cor art ref. (P2677-LG)].

Recupero a missão do COP 5, constituída por 8 pontos. Neste contexto apenas irei referir os primeiros seis, a saber:

1.    – Intercepta o corredor de Guileje, especialmente pela implantação de minas e armadilhas e execução de fogos de interdição.

2.    – Executa acções de reconhecimento na faixa fronteiriça, por forma a detectar novas linhas de infiltração IN na sua ZA [zona de acção], com vista ao oportuno desenvolvimento de acções de contra-penetração.

3.    – Acaba com o IN na sua zona de acção, aniquilando-o, capturando-o, ou, no mínimo, expulsando-o para o exterior do T.O.

4.    – Procura alargar a sua área de actividade de contra-guerrilha, por acções de reconhecimento no corredor de Guileje em ordem a intensificar o esforço de contra-penetração e por acções de golpe de mão sobre a área de Quitáfine.

5.    – Assegura a defesa eficiente dos aglomerados populacionais ocupados pelas NT e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua ZA [zona de acção].

6.    – Garante as condições de segurança necessárias à execução de movimentos nos itinerários do Sector, em especial Gadamael-Guileje e Cacine-Cameconde.

Em função dos objectivos acima, Amílcar Cabral escreve, como procedimentos de ataque:

Penso que devemos tomar medidas imediatas para verificar a informação dada [omite a sua origem; acaso se refira à Directiva n.º 2/73, essa informação chega-lhe dez dias após a sua aprovação/publicação] e estar prontos a enfrentar o inimigo. Pois, como sempre, a melhor defesa é o ataque. Por isso proponho:

1.    – Deves deslocar-te à fronteira de Kitáfine [ou Quitáfine], se a tua saúde o permite, para coordenar a acção dos combatentes na área.

2.    – Mobilizar no Sector, para a acção, todas as forças regulares e locais.

3.    – Levar para lá a artilharia que está na fronteira de Candjafara, com as suas dotações em homens, incluindo o Grad [foguetão de 122 mm]. Se possível fazer um ataque a Kebo [ou Quebo] antes de retirar a artilharia pesada para Quitáfine.

4.    – Os anti-aeristas que estão ainda na fronteira (vinte e tal homens) devem levar para Quitáfine 3 peças [AA] ZGU-14,5 mm para fazer emboscadas a helicópteros, apoiados pela infantaria.

5.    – Enviar a Quitáfine os 15 homens da infantaria que estão em Gadamael. Vou ver a possibilidade de mandar mais alguns elementos de infantaria para lá, antes do fim do mês [de janeiro/1973], o que é muito difícil.

6.    – Montar emboscadas, mesmo com poucos homens na área Cacine-Cameconde, com forças regulares. As forças locais devem estar vigilantes nas outras áreas.

7.    – Minar todas as vias de comunicação terrestres do inimigo, minas anticarro e antipessoais.

8.    – Atacar o mais breve possível, inclusivo com Grad [foguetão de 122 mm] se houver condições para usar essa arma. Atacar duro com canhões, morteiros e bazucas RPG-7.

9.    – Dar ordens aos políticos para preparar as populações, que devem esconder bem as colheitas e tomar medidas de defesa contra os bombardeamentos.

10. – Vou pôr tudo em marcha para que mais munições cheguem aí com urgência, se ainda não foram.

Quanto ao foguetão de 122 mm, a que o PAIGC chamou de arma especial, cujo tubo se apresenta na imagem ao lado, as suas características e outras informações de interesse geral podem ser consultadas no P1828-LG, da responsabilidade do cor art ref Nuno Rubim, onde se refere, ainda, a existência de um tubo igual no Museu Militar de Lisboa, em Santa Apolónia, que segundo se julga saber é o exemplar capturado em Cufar, precisamente em janeiro de 1973.

[Continua…] Já era de prever que o inimigo fará tentativas para reocupar Quitáfine e possivelmente o Boé Oriental. Os tugas pretendem evitar a reunião da Assembleia Nacional Popular, por isso querem as áreas em que poderemos pensar fazer a reunião. [Esta viria a realizar-se oito meses depois na região do Boé, em 23 de setembro desse ano, local onde, no dia seguinte, foi proclamada a Independência do Estado da Guiné-Bissau].

Temos de encarar a actividade do inimigo com calma e decisão, para fazer tudo para liquidar o maior número possível das suas forças vivas. Temos grandes dificuldades de homens, mas devemos fazer a guerra com os homens que temos.

Se não podes tu mesmo ir a Quitáfine (área da fronteira de Ba-Kulontó), manda para aí camaradas capazes. Penso que o Bota [Cmdt Bouta N’Batcha] deve seguir para aí, deixando alguém no seu lugar. O Bobo Keita [1939-2009] que regressou para a missão, poderá também ajudar.

Por hoje é tudo, ficando aguardando notícias tuas sobre a evolução da situação. Saúde e bom trabalho. O melhor abraço do camarada. Amílcar Cabral.

2.1 – A análise dos pontos 6: o da Directiva e o de Amílcar Cabral

Procurando confrontar cada um dos pontos 6, quer o da Directiva n.º 2/73, quer a execução da proposta avançada por Amílcar Cabral, prevista para a área Cacine-Cameconde, nada foi encontrado de muito relevante na investigação, em particular no itinerário Cacine-Cameconde, quando comparado com o de Gadamael-Guileje, este sim, já amplamente dissecado ao longo dos anos.

Como reforço da investigação, foi consultada no blogue LG a Unidade de Quadricula instalada nessa zona naquela época. Constatamos que entre os anos de 1972 [jan] e 1973 [out] foi/era a CCAÇ 3520 [Estrelas do Sul], uma Companhia de Madeirenses, mobilizada pelo BII 19 (Funchal), que garantia a actividade operacional entre Cacine e Cameconde. Como as referências nesse blogue são escassas (uma dezena) e os factos relevantes terem uma relação directa com essa variável, esta narrativa ficará amputada, certamente, de outros elementos mais significativos, em particular na dicotomia causas/efeitos da sua missão, enquanto actividade operacional.

O que se sabe é que ela se iniciou em 24 janeiro de 1972, por efeito da sua chegada ao porto de Cacine após concluído o IAO no Cumeré, para render a CCAÇ 2726 [1970/72], viagem efectuada a bordo da LDG “Montante”, ainda que até 22 de fevereiro se tenha verificado o período de sobreposição.

Cacine, 24jan1972. Chegada da CCAÇ 3520 ao porto de Cacine a bordo da LDG “Montante”. (Foto do alf mil Juvenal Candeias, com a devida vénia) – P4961-LG.

Em Cacine ficou instalada a maioria do contingente da Unidade, com um grupo de combate destacado em Cameconde, que era substituído mensalmente, em regime de rotação. Cameconde era então o Destacamento das NT mais a sul da Guiné, local situado a cerca de sete quilómetros da sede, sem população civil, e onde existia também um pelotão de artilharia com obuses de 14 mm. Entre os dois locais era realizada uma coluna diária, de ida e volta, com recurso à competente picagem.

A propósito desse contexto e da coluna diária que se fazia entre Cacine-Cameconde, o ex-cap mil op esp Alexandre A. M. Margarido, que foi o 4.º Cmdt da CCAÇ 3520, refere que Cameconde “era um daqueles locais onde apenas os combatentes portugueses conseguiam manter-se durante anos, sem enlouquecerem, face à falta de condições mínimas de subsistência. Inclusivé a água e os mantimentos tinham que ser transportados, numa coluna diária por um trilho rasgado na selva.

As altas temperaturas dentro dos abrigos, os insectos, as cobras que deslizavam da selva durante a noite, procurando o calor dessas fortificações, autênticos fornos, a exposição a atiradores e às flagelações por RPG, tudo isso, recuando 40 anos [hoje, 45] nas minhas memórias, era impensável ser suportado nos dias de hoje[P11129].

Quanto à Região de Quitáfine, a sul de Cacine, cuja base era considerada o “santuário do PAIGC” na opinião do camarada Juvenal Candeias, alf mil da mesma Unidade [P4961-LG e P11127-LG], este acrescenta que aí o PAIGC “estava fortemente instalado, numa mata que era densa e intransponível e provido de dispositivos de segurança, que tornavam os nossos movimentos impossíveis, salvo com utilização de meios excepcionais. Com trilhos minados e sentinelas avançadas [algumas em cima de árvores] permitiam-lhes uma tranquilidade apenas quebrada pelos obuses de 14 mm, disparados do nosso destacamento de Cameconde.

Dispunham, como efectivos [forças regulares] “um grupo especial de 20 lança-granadas, responsável pelas constantes flagelações a Cameconde, que era apoiado por um bigrupo disperso pela zona de Cassacá e Banir (onde se supunha estar o comando). Estes efectivos eram reforçados por uma vasta população armada em autodefesa [forças locais], distribuídas pelas tabancas de Ponta Nova, Bijine, Dameol, Cassacá, Banir, Campo, Cassebexe e Caboxanque, entre outras. O respectivo reabastecimento era regular e seguro [como se depreende na carta de Amílcar Cabral], feito a partir da fronteira com a Guiné-Conacri, através de vários rios, em especial o Caraxe e o Camexibó.

Como prática operacional “as forças na região furtavam-se sistematicamente ao contacto [aliás, como em todas as frentes], optando por uma estratégia defensiva de protecção às populações que controlava, privilegiando as flagelações e a colocação de engenhos explosivos[P4961-LG e P11127-LG].

2.2 – A carta de Amílcar Cabral enviada a Pedro Pires em 19jan1973

Fonte:
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07166.001
Assunto: Comunica que recebeu a mensagem sobre a concentração do inimigo em Cacine. Propõe que se averigue a veracidade da informação e apresenta as instruções para o ataque na mesma área, mobilizar homens e armamento para a região e zonas circundantes, montar emboscadas, minar as vias terrestres, preparar as populações para a defesa contra os bombardeamentos.
Remetente: Amílcar Cabral.
Destinatário: Pedro Pires
Data: Sexta, 19 de Janeiro de 1973
Observações: Anexa cópia.
Fundo: Pedro Verona Pires
Tipo Documental: Correspondência

3.   - Conclusão
Pelo exposto se conclui que na época em análise as NT e a guerrilha organizavam-se em função das informações que circulavam entre os dois lados da fronteira, obtidas em “fontes privilegiadas” (ou “secretas”), influenciando depois todas as acções no terreno, bem como o sentido de cada uma delas, definidas nas políticas, finalidades e objectivos, e nas formas que as acções práticas deveriam tomar: as individuais e as colectivas.
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
11ABR2017

sábado, 1 de abril de 2017

P308 - (Convívios) ENCONTROS COM E PARA A HISTÓRIA - O CASO DO CAMARADA MANUEL JOSÉ JANES “O VIOLAS” DA CCAÇ 1427 (CABEDÚ – 1965/1967)

MSG de Jorge Araújo com data de: 30MAR2017

Caríssimo Camarada Sousa de Castro,

Aqui te envio mais uma pequena história (dupla) para o nosso baú de memórias, tendo na sua génese factos e feitos da nossa passagem em missão militar na Guiné, independentemente das Unidades, das épocas e/ou dos lugares.

São estas pequenas histórias que dão lugar a outras histórias.

Com um forte abraço de amizade.


Jorge Araújo.

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansa/mbo, 1972/1974)
ENCONTROS COM E PARA A HISTÓRIA

1.   INTRODUÇÃO

Participei no passado sábado, dia 25 de março, no Monte da Caparica, Município de Almada, num encontro/convívio entre camaradas, ex-combatentes na Guiné nos já longínquos anos de 1969 a 1974, pertencentes a diversas Unidades que passaram por localidades como sejam: Canquelifá, Teixeira Pinto, Piche, Bafatá, Bula, Aldeia Formosa, Bolama, Bissau e Xime (sendo este o nosso caso).

Estiveram representadas cinco Unidades, a saber: CCAV 2525 (69/71), CCAV 2748 (70/72), CCAÇ 2660 (70/71), CCAÇ 3545 (72/74) e a CART 3494 (71/74).

Eugénio Pereira
O encontro foi promovido pelo meu amigo e camarada Eugénio A. Pereira, ex-furriel da CCAÇ 3545 (Canquelifá,1972/1974 - Os Abutres), com um duplo objectivo: o de saborear a boa gastronomia alentejana e, entre garfadas, continuar a partilhar, num ambiente de grande camaradagem, alguns dos episódios mais marcantes de cada um de nós, gravados durante o biénio da missão militar ultramarina no CTIGuiné. Acreditando no vasto reportório ainda não divulgado, como foi o caso, estamos perante a chama historiográfica que continuará activa durante muito… muito tempo!


A concentração verificou-se pelas 12h30, no Largo do Centro-Sul, na Cova da Piedade, Almada, seguindo depois a comitiva para o restaurante «Tasca do Reguengos» [imagem ao lado], onde nos esperava um cardápio de iguarias muito apelativas, tornando a escolha deveras difícil. Ela (a minha) acabou por recair num prato de “carne do alguidar com migas”, que estava óptima.     

O Eugénio Pereira, mentor e organizador do convívio, e o Jorge Araújo, brindando à saúde dos presentes e à sua repetição num futuro próximo


  2.   O CASO DO CAMARADA MANUEL J. JANES “O VIOLAS” DA CCAÇ 1427 (CABEDÚ - 1965/1967)

- A grande surpresa do encontro

Estando o almoço a decorrer com a tranquilidade que o acto impunha, eis senão quando se aproxima de nós um indivíduo trauteando alguns versos do seu fadário vivido durante a Guerra do Ultramar, em estilo musical de fado.

Era, nem mais nem menos, o proprietário do restaurante, também ele ex-combatente no CTIGuiné nos anos de 1965/1967, fazendo parte do contingente da Companhia de Caçadores (CCAÇ) 1427, Unidade que esteve aquartelada no Destacamento de Cabedú, na região de Tombali, no Sul, conforme se indica no mapa e imagem abaixo.

Tratava-se do camarada Manuel José Janes, também conhecido por 1.º Cabo “O Violas”, alcunha pela qual passou a ser conhecido entre pares, por ser habitual a utilização do seu instrumento musical, e que, a partir daquele momento surpresa do almoço, fez aumentar o número de unidades ali presentes.   


Foto do destacamento de Cabedú retirada, com a devida vénia, da net em http://gw.geoview.info/cabedu_antigo_quartel_portugues,17205192p

O camarada Manuel Janes (CCAÇ 1427) a declamar as quadras do seu fadário da Guerra e que fez questão de me oferecer esse exemplar para o divulgar no Blogue, pois prometi-lhe fazê-lo enquadrado por um texto alusivo a este evento.

Mais dois camaradas furriéis da CCAÇ 3545, heróis de Canquelifá (1972/1974): o António Braz (dtª) e o Rogério Lourenço, escutando o poeta e fadista “O Violas”.


Cumprindo a promessa feita ao camarada Manuel Janes, eis então o seu poema:


Companheiros da farda que nos deram;


Caminhantes dum destino não escolhido;

Camaradas da G-3 que nos puseram;
Nas mãos jovens, como então nos foi pedido.

Alguém nos tirou do afago materno;
Alguém nos fez pisar terra perdida;
Alguém nos juntou naquele inferno;
Alguém nos roubou dois anos à vida.

Companheiros de silêncios adormecidos;
Mas saudosos cada um da sua terra;
Vinte e dois anos andámos meio esquecidos;
Evitando recordar esses anos, essa Guerra.

Mas há dezoito anos que nos reunimos;
Num convívio sempre mais alegre e forte;
Perdoamos à História e não desistimos;
Continuamos até que nos separe a morte.

Quarenta anos passaram e recordamos;
Com cabelos brancos, desfiando memórias;
Passando aos filhos e netos que adoramos;
Só o que de bom marcaram nossas histórias.

Com orgulho escrevemos um remete;
Num minuto de silêncio e de saudade;
Recordando os que morreram na 1427;
Um dia os encontraremos na eternidade.

   29 de Abril de 2007
  (Manuel José Janes)
Nota: Este poema foi lido durante o encontro da CCAÇ 1427, realizado em 29 de abril de 2007, a propósito da comemoração dos quarenta anos após o seu regresso.
Entretanto, terá lugar no próximo dia 23 de abril de 2017 o encontro dos cinquenta anos, tendo este por cenário a Quinta da Alegria, em Penalva, Município do Barreiro.
Concluímos, afirmando que este encontro/convívio acabou por se transformar em “dois em um”, cada qual com as suas histórias… que ficaram para a história… e que foram aqui narradas em síntese.
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.