As Transmissões Militares na Guiné
(...) Quando em 1962 o capitão Garcia dos Santos chegou a
Bissau para comandar um Destacamento do STM, não havia no Comando Territorial
Independente da Guiné (CTIG)
nenhum oficial de transmissões. O responsável dos assuntos
de transmissões no QG era o capitão Castelo da Silva, de Artilharia, que
chefiava a CHERET (Chefia do Reconhecimento das Transmissões).
O capitão Garcia dos Santos passou a chefiar o STM e o
capitão Marques Esgalhado, em 1963, veio superintender as transmissões de
campanha. A Delegação e o Destacamento do STM eram constituídos por 70 homens,
sendo um capitão, seis sargentos e 63 praças. Foram estes os pioneiros das
transmissões na Guiné, quando a guerra estalou em 1963.
- Emissor-Receptor de HF Racal TR-15.
|
Não tiveram, porém, tarefa fácil, porque as
características do território, pequeno e quase plano, aconselhavam o uso de
meios de VHF, que eram mais escassos e em pior estado que os de HF.
O capitão Garcia dos Santos tinha como missão, não só
montar as redes de acordo com o plano fixado no trabalho do major Costa Paiva,
mas também fazer a ligação a Lisboa e montar redes de feixes e a rede
telefónica automática dentro de Bissau.
No âmbito desta vasta missão, e antes de partir para a
Guiné, deslocou-se a Cabo Verde acompanhado de dois sargentos, um
radiotelegrafista e outro radiomontador (Lopes e Amador) para montarem a
ligação com Lisboa através de um emissor-receptor E/R RCA de quatro canais com
amplificador de um Kw, com mastros CTH de antena montada em X.
A instalação foi feita no aquartelamento de uma
bateria de Artilharia na Ilha do Sal. Logo que regressou a Lisboa seguiu por
via aérea a juntar-se ao seu Destacamento, que já partira por via marítima.
No início da guerra, o Destacamento do STM teve de
arcar com as missões que deveriam caber a outros órgãos. Mas, em 1967 já
existia um Pelotão de Reabastecimento e Manutenção destinado às transmissões de
campanha que, com os elementos de apoio logístico para o pessoal, veio a
transformar-se em companhia.
Foi ainda criada outra companhia, a Companhia de
Transmissões Independente, subordinada ao QG, que se destinou a dar apoio às
operações em pessoal e material, incluindo o envio de viaturas de transmissões
para os CAOP (Comando de Agrupamento operacional), COP (Comando Operacional) e
COT (Comando Operacional Táctico). Esta Companhia de Transmissões tinha, além
de um Serviço de Som, também missões de
Escuta sobre as quais reportava directamente ao Palácio do
Governador, com conhecimento ao Comando-Chefe. Mais tarde, em 1971, foi constituído
o Agrupamento de Transmissões (Agr Tm) que englobou esta Companhia, o Pelotão
de Reabastecimento e Manutenção e o Comando das Transmissões. A este
agrupamento foram atribuídas instalações próprias, com grandes pavilhões ao
estilo colonial.
Emissor/Receptor de HF AN/GRC-9
|
Emprego Táctico e Apoio Logístico das
Transmissões na Guiné
As ligações fixas do CTIG passaram para a
responsabilidade do Destacamento do STM e, como as localidades onde se situavam
as unidades principais e os comandos operacionais tinham já estações do STM, as
redes para os servir e encaminhar o seu tráfego eram exclusivamente encargo do
STM.
Com o destacamento das viaturas de Transmissões para
os comandos operacionais, a Companhia de Transmissões passou a ter intervenção
em permanência.
- Ligações rádio na Guiné. |
Na Guiné havia uma salutar e útil ligação do pessoal
de Tm às operações em curso, assim como interesse pelas condições de instalação
e funcionamento das Transmissões das unidades de quadrícula. Esta ligação era
importante, quer a estabelecida pelo pessoal de manutenção quer pelo oficial de
operações de Transmissões do CmdTm, pois assim se melhoravam práticas e se
antecipavam necessidades.
As ligações terra-ar e terra-mar eram asseguradas por
um variado leque de materiais e equipamentos, nem sempre tão eficazes como
seria desejável.
Também o apoio logístico operacional de material de
transmissões era relativamente deficiente, isto apesar de haver, primeiro um
pelotão, e depois uma Companhia de Manutenção e Reabastecimento, sempre muito
bem guarnecidos de técnicos, e de haver em cada Batalhão um radiomontador com
os seus ajudantes de mecânicos. Esta Companhia tinha um Destacamento Avançado
em Bafatá que apoiava toda a zona Norte e Nordeste.
A razão fundamental para que assim acontecesse tinha a
ver com a existência de uma grande multiplicidade de tipos de equipamentos e de
procedências, agravada, depois, com o facto de não haver mercado local
devidamente abastecido em peças e sobressalentes. Isto fazia depender a
prontidão das reparações dos pedidos que eram feitos para Portugal, onde os
tempos de requisição eram muito elevados. É de considerar também a prática da
requisição injustificada ou excessiva, para auto-armazenamento.
Actividades importantes desempenhadas pelas Transmissões
na Guiné foram também as de apoio de som, que acompanhava sempre as deslocações
do general Spínola, e as de Escuta e Guerra Electrónica, conduzidas em 1971/73
pelo capitão José Tavares Coutinho.
Havia também um Centro que funcionava 24 horas por dia
com escuta permanente às rádios do Senegal e Guiné-Conakry, com traduções
permanentes, escutas às redes do PAIGC também com tradução sempre que
necessário e radiolocalização em helicóptero.
Foi o único teatro de operações até hoje onde este
tipo de acção foi feita pelas
Transmissões, com resultados reais. Eram enviados
relatórios bi-diários ao ComandoChefe, com relatos dos noticiários e outros
considerados relevantes. Foi dali que foram recebidas as primeiras notícias
sobre a operação “Mar Verde”, directamente de Conakry, em 1970.
A Fase Dura da Guerra na Guiné, 1972-74
A guerra na Guiné foi a mais dura dos três teatros de
operações. As batalhas hoje conhecidas pelos “Três G”: Guileje, Gadamael e
Guidaje, foram exemplos disso.
Neste período, o comandante do Agrupamento de
Transmissões (Agr Tm) era o tenentecoronel Mateus da Silva. O Agr Tm tinha uma
Companhia TSF, comandada pelo capitão José Tavares Coutinho, depois rendido
pelo capitão Daniel Ferreira, e uma Companhia de
Reabastecimento e Manutenção de Material de Tm
(CRMMTm), comandada pelo capitão Rogério Nair dos Santos. Dava também apoio
logístico à Delegação do STM, chefiada pelo capitão António Pinho de Almeida,
sendo seu adjunto o tenente Félix, que dependia tecnicamente da Chefia do STM em
Lisboa. Esta dualidade de dependências criou frequentemente situações de atrito
quando tinha que se exercer acção disciplinar. Os pergaminhos do STM levavam
sempre este a perspectivar tecnicamente as infracções disciplinares, chamando a
si a respectiva competência.
O tenente Armando Praça, durante o estágio
de seis meses em 1973, foi destacado para a região do Cantanhês, no Sul, onde o
PAIGC exercia o seu maior esforço. Regista-se que a sua acção foi de grande
coragem, pois chegou a repor instalações danificadas pelo fogo, ainda antes de
acabar a flagelação, o que lhe valeu um louvor do Comando Militar de Bissau.
Emissor-Receptor Racal TR-28, origem Sul-Africana. |
Em 1973, substituíram-se os últimos rádios AN/GRC-9
pelos RACAL TR-28, nas redes HF. No entanto, as comunicações tácticas no teatro
de operações eram, sobretudo, de VHF, dada a pequenez do território e as curtas
distâncias que separavam as Unidades. Em instalações fixas eram usados rádios
AN/PRC-10, já muito velhos, e os IRET PRC-239 com antenas RC-292 (com plano de
terra) em mastros CTH de cerca de nove metros.
Ligavam-se com estes meios os rádios portáteis AVP-1 e
IRET PRC-236. As comunicações de VHF só eram perturbadas pelas árvores de
grande porte e pelas matas, já que o território é quase plano (máxima elevação
de cerca de 300 metros na região sul) e, naturalmente, pela linha de vista.
Nas Instruções de Aperfeiçoamento Operacional (IAO), a
que eram submetidas as unidades antes de irem para o seu destino, normalmente
realizadas no Campo Militar do Cumeré (a cerca de 50 km de Bissau), eram dadas
indicações práticas de uso dos meios e também soluções expeditas como a de se
aproveitarem as construções das formigas baga-baga (com alguns metros de
altura) para melhorar as comunicações com a base. O E/R AVP-1 não era operado
por especialistas de transmissões e era necessário explicar que, em caso de
ligação com os meios aéreos (terra-ar), não se devia apontar a antena ao aéreo
mas sim colocá-la a 90 graus, tão frequente era este erro de uso.
Emissor-receptor em VHF AVP-1 |
A pergunta mais frequente dos quadros que já tinham
estado em Angola ou Moçambique era porque é que os Racal, que tão bem
respondiam nestes territórios, não tinham grande aplicação na Guiné.
Efectivamente, a Guiné, pela sua pequenez não se ajustava à filosofia de
propagação em HF. A onda de solo amortecia rapidamente devido à floresta, que
sempre se colocava em qualquer direcção e, vencida a zona de silêncio,
estava-se já perante distâncias superiores a 100 km só ultrapassáveis com onda
reflectida na ionosfera, apenas usada nas comunicações entre escalões
superiores a Companhias, ou seja CAOP’s ou COP’s ou destes com o Comando-Chefe
em Bissau, ou seja, em ligações de carácter estratégico e não táctico que era o
terreno da guerra.
Naquela zona do globo o forte ruído atmosférico
provocava um acentuado “fading” (atenuação) na propagação ionosférica e, por
último, mas não o menos importante, a fronteira estava logo ali, eventualmente
com as respectivas escutas de comunicações deste tipo. Sabia-se já, aliás, que o
PAIGC possuía rádios russos de HF (P-104M), semelhantes aos AN/GRC-9. Há um
exemplar destes no Museu das Transmissões, capturado em 1968.
Um dos problemas que se colocava aos operadores de
transmissões era a ocupação de uma mão para o uso do AVP-1 que, não só impedia
o manejo de uma arma, mas também dificultava a reacção individual a qualquer
acção de fogo. A CRMMTm fabricou vários
micro-altifalantes que aligeiravam o problema. A sua
resolução só viria a ser ultrapassada
com a introdução no campo de batalha de um rádio civil
de origem sueca, os equipamentos da família STORNO que, em versões de portátil,
móvel e base, constituíram a revolução das comunicações tácticas em 1973.
Estes equipamentos permitiram maior liberdade de
movimentos e garantiam melhores comunicações. Até as comunicações permanentes
os usaram para a transmissão de mensagens codificadas que os operadores liam em
alfabeto fonético a uma velocidade que tornava impossível a sua
inteligibilidade a um não especialista. Tinham, porém uma dificuldade de
operação: o emissor era posto no ar através da própria voz (sistema de “voc” - voice operated control), sendo preciso
manter sempre um tom de voz contínuo para evitar que a conversação se
interrompesse. Era, no fundo, uma questão de algum treino e atenção. Estes
rádios possuíam ainda um sistema de chamada bitonal que facilitava o contacto e
melhorava a segurança.
- Emissor-Receptor de VHF AN/PRC-10. |
Durante o período da maré-cheia o território ficava
alagado em cerca de um terço, conferindo características especiais às
comunicações via VHF (E/R AN/VRC-10, AN/PRC-10, AVP-1 e, mais tarde, STORNO)
que se tornavam mais fáceis podendo atingir-se distâncias consideráveis.
Por via HF (AN/GRC-9 e RACAL TR-28), as comunicações
foram sempre mais difíceis, primeiro pela pequenez do território que não
aconselhava esta via e, depois, porque a Guiné era considerada uma zona mundial
de alto ruído atmosférico.
Apesar de o apoio de transmissões ser eficaz e o
material avariado ser substituído sempre que possível, ou reparado com
celeridade, muitas vezes os rádios não funcionavam porque as antenas estavam em
péssimas condições, o que mais vantagem trazia para o uso dos STORNO, já que
neste caso as antenas eram curtas em helicóide encapsulada.
As comunicações mais críticas no TO (Teatro de
Operações) eram, sem dúvida, as de pedido de apoio aéreo (APAR). A rede de APAR
de VHF funcionava nas frequências exclusivas de 49,0 e 51,0 MHz. Em combate, as
ligações faziam-se entre os AVP-1 e os ARC-44 do aéreo. Esta ligação era
dificultada pela não total compatibilidade dos rádios do Exército e da Força
Aérea, mas sempre se fazia satisfatoriamente, o que era vital, pois em
situações de combate, nomeadamente de emboscadas, o apoio aéreo era prestado em
poucos minutos (10 a 20), dadas as curtas distâncias em jogo. Tal “status”
garantia às forças em operações que as situações de confronto fossem
relativamente curtas, pois os guerrilheiros do PAIGC sabiam que rapidamente
ficavam sob fogo aéreo dos aviões T-6 e Fiat G-91 e retiravam, dispersando
antecipadamente. Outro apoio vital era o das evacuações por helicópteros
(Allouette III) directamente do mato para o Hospital Militar de Bissau
(HM-247). Os pedidos de apoio aéreo feitos para a Base Aérea Militar eram em
HF, com os AN/GRC-9 e os RACAL TR-28.
SdC, operando Emissor/Receptor de HF AN/GRC-9 - Xime 1972
- Transcrição (com a devida vénia) da REVISTA MILITAR Nº 2513/2514 de Junho/Julho de 2011 artigo no que refere sobre as TRMS relacionada com Guerra Colonial na Guiné
Fotos: Revista Militar e Sousa de Castro, direitos reservados
Vd. Post. Emissores/Receptores da CART 3494
SdC, Maio 2016
Vd. Post. Emissores/Receptores da CART 3494
SdC, Maio 2016
Sem comentários:
Enviar um comentário