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terça-feira, 10 de maio de 2016

P261 - AS TRANSMISSÕES NA GUERRA COLONIAL DA GUINÉ (Autoria da Comissão da História das Transmissões) Publicado na "Revista Militar" Nº 2513/2514 - Junho/Julho de 2011

As Transmissões Militares na Guiné


(...) Quando em 1962 o capitão Garcia dos Santos chegou a Bissau para comandar um Destacamento do STM, não havia no Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG)
nenhum oficial de transmissões. O responsável dos assuntos de transmissões no QG era o capitão Castelo da Silva, de Artilharia, que chefiava a CHERET (Chefia do Reconhecimento das Transmissões).

O capitão Garcia dos Santos passou a chefiar o STM e o capitão Marques Esgalhado, em 1963, veio superintender as transmissões de campanha. A Delegação e o Destacamento do STM eram constituídos por 70 homens, sendo um capitão, seis sargentos e 63 praças. Foram estes os pioneiros das transmissões na Guiné, quando a guerra estalou em 1963.

(...) No que se refere ao fornecimento de equipamentos rádio para redes fixas a cargo dos sectores, batalhões e companhias, foram distribuídos equipamentos excelentes, como o MARCONI H-4000 (de tipo civil) e os RACAL TR-15 e RT-422. (...)
- Emissor-Receptor de HF Racal TR-15.
Não tiveram, porém, tarefa fácil, porque as características do território, pequeno e quase plano, aconselhavam o uso de meios de VHF, que eram mais escassos e em pior estado que os de HF.
O capitão Garcia dos Santos tinha como missão, não só montar as redes de acordo com o plano fixado no trabalho do major Costa Paiva, mas também fazer a ligação a Lisboa e montar redes de feixes e a rede telefónica automática dentro de Bissau.

No âmbito desta vasta missão, e antes de partir para a Guiné, deslocou-se a Cabo Verde acompanhado de dois sargentos, um radiotelegrafista e outro radiomontador (Lopes e Amador) para montarem a ligação com Lisboa através de um emissor-receptor E/R RCA de quatro canais com amplificador de um Kw, com mastros CTH de antena montada em X.

A instalação foi feita no aquartelamento de uma bateria de Artilharia na Ilha do Sal. Logo que regressou a Lisboa seguiu por via aérea a juntar-se ao seu Destacamento, que já partira por via marítima.

No início da guerra, o Destacamento do STM teve de arcar com as missões que deveriam caber a outros órgãos. Mas, em 1967 já existia um Pelotão de Reabastecimento e Manutenção destinado às transmissões de campanha que, com os elementos de apoio logístico para o pessoal, veio a transformar-se em companhia.
Chave de transmissão código morse

Foi ainda criada outra companhia, a Companhia de Transmissões Independente, subordinada ao QG, que se destinou a dar apoio às operações em pessoal e material, incluindo o envio de viaturas de transmissões para os CAOP (Comando de Agrupamento operacional), COP (Comando Operacional) e COT (Comando Operacional Táctico). Esta Companhia de Transmissões tinha, além de um Serviço de Som, também missões de
Escuta sobre as quais reportava directamente ao Palácio do Governador, com conhecimento ao Comando-Chefe. Mais tarde, em 1971, foi constituído o Agrupamento de Transmissões (Agr Tm) que englobou esta Companhia, o Pelotão de Reabastecimento e Manutenção e o Comando das Transmissões. A este agrupamento foram atribuídas instalações próprias, com grandes pavilhões ao estilo colonial.



 Emissor/Receptor de HF AN/GRC-9



Emprego Táctico e Apoio Logístico das Transmissões na Guiné


As ligações fixas do CTIG passaram para a responsabilidade do Destacamento do STM e, como as localidades onde se situavam as unidades principais e os comandos operacionais tinham já estações do STM, as redes para os servir e encaminhar o seu tráfego eram exclusivamente encargo do STM.


Com o destacamento das viaturas de Transmissões para os comandos operacionais, a Companhia de Transmissões passou a ter intervenção em permanência.
- Ligações rádio na Guiné.

Na Guiné havia uma salutar e útil ligação do pessoal de Tm às operações em curso, assim como interesse pelas condições de instalação e funcionamento das Transmissões das unidades de quadrícula. Esta ligação era importante, quer a estabelecida pelo pessoal de manutenção quer pelo oficial de operações de Transmissões do CmdTm, pois assim se melhoravam práticas e se antecipavam necessidades.

As ligações terra-ar e terra-mar eram asseguradas por um variado leque de materiais e equipamentos, nem sempre tão eficazes como seria desejável.

Também o apoio logístico operacional de material de transmissões era relativamente deficiente, isto apesar de haver, primeiro um pelotão, e depois uma Companhia de Manutenção e Reabastecimento, sempre muito bem guarnecidos de técnicos, e de haver em cada Batalhão um radiomontador com os seus ajudantes de mecânicos. Esta Companhia tinha um Destacamento Avançado em Bafatá que apoiava toda a zona Norte e Nordeste.

A razão fundamental para que assim acontecesse tinha a ver com a existência de uma grande multiplicidade de tipos de equipamentos e de procedências, agravada, depois, com o facto de não haver mercado local devidamente abastecido em peças e sobressalentes. Isto fazia depender a prontidão das reparações dos pedidos que eram feitos para Portugal, onde os tempos de requisição eram muito elevados. É de considerar também a prática da requisição injustificada ou excessiva, para auto-armazenamento.

Actividades importantes desempenhadas pelas Transmissões na Guiné foram também as de apoio de som, que acompanhava sempre as deslocações do general Spínola, e as de Escuta e Guerra Electrónica, conduzidas em 1971/73 pelo capitão José Tavares Coutinho.

Havia também um Centro que funcionava 24 horas por dia com escuta permanente às rádios do Senegal e Guiné-Conakry, com traduções permanentes, escutas às redes do PAIGC também com tradução sempre que necessário e radiolocalização em helicóptero.
Foi o único teatro de operações até hoje onde este tipo de acção foi feita pelas
Transmissões, com resultados reais. Eram enviados relatórios bi-diários ao ComandoChefe, com relatos dos noticiários e outros considerados relevantes. Foi dali que foram recebidas as primeiras notícias sobre a operação “Mar Verde”, directamente de Conakry, em 1970.



A Fase Dura da Guerra na Guiné, 1972-74


A guerra na Guiné foi a mais dura dos três teatros de operações. As batalhas hoje conhecidas pelos “Três G”: Guileje, Gadamael e Guidaje, foram exemplos disso.
Neste período, o comandante do Agrupamento de Transmissões (Agr Tm) era o tenentecoronel Mateus da Silva. O Agr Tm tinha uma Companhia TSF, comandada pelo capitão José Tavares Coutinho, depois rendido pelo capitão Daniel Ferreira, e uma Companhia de
Reabastecimento e Manutenção de Material de Tm (CRMMTm), comandada pelo capitão Rogério Nair dos Santos. Dava também apoio logístico à Delegação do STM, chefiada pelo capitão António Pinho de Almeida, sendo seu adjunto o tenente Félix, que dependia tecnicamente da Chefia do STM em Lisboa. Esta dualidade de dependências criou frequentemente situações de atrito quando tinha que se exercer acção disciplinar. Os pergaminhos do STM levavam sempre este a perspectivar tecnicamente as infracções disciplinares, chamando a si a respectiva competência.

O tenente Armando Praça, durante o estágio de seis meses em 1973, foi destacado para a região do Cantanhês, no Sul, onde o PAIGC exercia o seu maior esforço. Regista-se que a sua acção foi de grande coragem, pois chegou a repor instalações danificadas pelo fogo, ainda antes de acabar a flagelação, o que lhe valeu um louvor do Comando Militar de Bissau.

Emissor-Receptor Racal TR-28, origem Sul-Africana.

Em 1973, substituíram-se os últimos rádios AN/GRC-9 pelos RACAL TR-28, nas redes HF. No entanto, as comunicações tácticas no teatro de operações eram, sobretudo, de VHF, dada a pequenez do território e as curtas distâncias que separavam as Unidades. Em instalações fixas eram usados rádios AN/PRC-10, já muito velhos, e os IRET PRC-239 com antenas RC-292 (com plano de terra) em mastros CTH de cerca de nove metros.

Ligavam-se com estes meios os rádios portáteis AVP-1 e IRET PRC-236. As comunicações de VHF só eram perturbadas pelas árvores de grande porte e pelas matas, já que o território é quase plano (máxima elevação de cerca de 300 metros na região sul) e, naturalmente, pela linha de vista.

Nas Instruções de Aperfeiçoamento Operacional (IAO), a que eram submetidas as unidades antes de irem para o seu destino, normalmente realizadas no Campo Militar do Cumeré (a cerca de 50 km de Bissau), eram dadas indicações práticas de uso dos meios e também soluções expeditas como a de se aproveitarem as construções das formigas baga-baga (com alguns metros de altura) para melhorar as comunicações com a base. O E/R AVP-1 não era operado por especialistas de transmissões e era necessário explicar que, em caso de ligação com os meios aéreos (terra-ar), não se devia apontar a antena ao aéreo mas sim colocá-la a 90 graus, tão frequente era este erro de uso.
Emissor-receptor em VHF AVP-1

A pergunta mais frequente dos quadros que já tinham estado em Angola ou Moçambique era porque é que os Racal, que tão bem respondiam nestes territórios, não tinham grande aplicação na Guiné. Efectivamente, a Guiné, pela sua pequenez não se ajustava à filosofia de propagação em HF. A onda de solo amortecia rapidamente devido à floresta, que sempre se colocava em qualquer direcção e, vencida a zona de silêncio, estava-se já perante distâncias superiores a 100 km só ultrapassáveis com onda reflectida na ionosfera, apenas usada nas comunicações entre escalões superiores a Companhias, ou seja CAOP’s ou COP’s ou destes com o Comando-Chefe em Bissau, ou seja, em ligações de carácter estratégico e não táctico que era o terreno da guerra.

Naquela zona do globo o forte ruído atmosférico provocava um acentuado “fading” (atenuação) na propagação ionosférica e, por último, mas não o menos importante, a fronteira estava logo ali, eventualmente com as respectivas escutas de comunicações deste tipo. Sabia-se já, aliás, que o PAIGC possuía rádios russos de HF (P-104M), semelhantes aos AN/GRC-9. Há um exemplar destes no Museu das Transmissões, capturado em 1968.
Um dos problemas que se colocava aos operadores de transmissões era a ocupação de uma mão para o uso do AVP-1 que, não só impedia o manejo de uma arma, mas também dificultava a reacção individual a qualquer acção de fogo. A CRMMTm fabricou vários
micro-altifalantes que aligeiravam o problema. A sua resolução só viria a ser ultrapassada
com a introdução no campo de batalha de um rádio civil de origem sueca, os equipamentos da família STORNO que, em versões de portátil, móvel e base, constituíram a revolução das comunicações tácticas em 1973.

Estes equipamentos permitiram maior liberdade de movimentos e garantiam melhores comunicações. Até as comunicações permanentes os usaram para a transmissão de mensagens codificadas que os operadores liam em alfabeto fonético a uma velocidade que tornava impossível a sua inteligibilidade a um não especialista. Tinham, porém uma dificuldade de operação: o emissor era posto no ar através da própria voz (sistema de “voc” - voice operated control), sendo preciso manter sempre um tom de voz contínuo para evitar que a conversação se interrompesse. Era, no fundo, uma questão de algum treino e atenção. Estes rádios possuíam ainda um sistema de chamada bitonal que facilitava o contacto e melhorava a segurança.

- Emissor-Receptor de VHF AN/PRC-10.

Durante o período da maré-cheia o território ficava alagado em cerca de um terço, conferindo características especiais às comunicações via VHF (E/R AN/VRC-10, AN/PRC-10, AVP-1 e, mais tarde, STORNO) que se tornavam mais fáceis podendo atingir-se distâncias consideráveis.

Por via HF (AN/GRC-9 e RACAL TR-28), as comunicações foram sempre mais difíceis, primeiro pela pequenez do território que não aconselhava esta via e, depois, porque a Guiné era considerada uma zona mundial de alto ruído atmosférico.

Apesar de o apoio de transmissões ser eficaz e o material avariado ser substituído sempre que possível, ou reparado com celeridade, muitas vezes os rádios não funcionavam porque as antenas estavam em péssimas condições, o que mais vantagem trazia para o uso dos STORNO, já que neste caso as antenas eram curtas em helicóide encapsulada.

As comunicações mais críticas no TO (Teatro de Operações) eram, sem dúvida, as de pedido de apoio aéreo (APAR). A rede de APAR de VHF funcionava nas frequências exclusivas de 49,0 e 51,0 MHz. Em combate, as ligações faziam-se entre os AVP-1 e os ARC-44 do aéreo. Esta ligação era dificultada pela não total compatibilidade dos rádios do Exército e da Força Aérea, mas sempre se fazia satisfatoriamente, o que era vital, pois em situações de combate, nomeadamente de emboscadas, o apoio aéreo era prestado em poucos minutos (10 a 20), dadas as curtas distâncias em jogo. Tal “status” garantia às forças em operações que as situações de confronto fossem relativamente curtas, pois os guerrilheiros do PAIGC sabiam que rapidamente ficavam sob fogo aéreo dos aviões T-6 e Fiat G-91 e retiravam, dispersando antecipadamente. Outro apoio vital era o das evacuações por helicópteros (Allouette III) directamente do mato para o Hospital Militar de Bissau (HM-247). Os pedidos de apoio aéreo feitos para a Base Aérea Militar eram em HF, com os AN/GRC-9 e os RACAL TR-28.

SdC, operando Emissor/Receptor de HF AN/GRC-9 - Xime 1972

SdC operando TR-28 Racal

- Transcrição (com a devida vénia) da REVISTA MILITAR Nº 2513/2514 de Junho/Julho de 2011  artigo no que refere sobre as TRMS relacionada com Guerra Colonial na Guiné


Fotos: Revista Militar e Sousa de Castro, direitos reservados

Vd. Post. Emissores/Receptores da CART 3494

SdC, Maio 2016

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