Mensagem com data de: 02/10/2017 do nosso camarada
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
Caríssimo Sousa de Castro,
Os meus melhores cumprimentos
Para concluir o trabalho de
investigação em título, anexo o terceiro (e último) dos textos relacionado com
a divulgação de um conjunto de propostas formuladas por Amílcar Cabral em
Setembro de 1972 e enviadas a Sékou Touré, à data presidente da República da
Guiné Conacri, visando o pedido de reforço da ajuda militar, logística e
económica ao PAIGC, de modo a prosseguir a luta armada comum contra o regime
português.
Este trabalho de pesquisa
enquadra-se, também, no meu projecto de investigação historiográfica denominado
«(D)o outro lado do combate».
Obrigado.
Um abraço,
Jorge Araújo
Vd postes anteriores da série Parte I e II aqui:
– REFORÇO DAS FORÇAS DA LUTA E DOMÍNIO FINANCEIRO –
(PARTE III)
1. – INTRODUÇÃO
Apresento-vos,
com algum atraso, a terceira e última parte de um pequeno trabalho de pesquisa,
tendo por protagonista, uma vez mais, o secretário-geral do PAIGC, Amílcar
Cabral (1924-1973), elaborado com recurso aos seus testemunhos escritos disponíveis
na Casa Comum - Fundação Mário Soares - contributos essenciais para melhor se
compreender as causas e efeitos de cada acção desenvolvida e alguns dos
resultados contabilizados ao longo do conflito.
Com
efeito, esta pesquisa está relacionada com o alinhamento de um conjunto de
propostas elaboradas por Amílcar Cabral, remetidas em 14 de Setembro de 1972
[quatro meses antes do seu assassinato] à consideração de Sekou Touré
(1922-1984), tendo como superior objectivo o reforço da cooperação entre o
Partido Democrático da Guiné [PDG], então no poder, e o PAIGC na luta comum
contra o regime português.
Recorda-se
que este seu documento, escrito em francês e com tradução da nossa
responsabilidade, está organizado em quatro pontos principais, cujo âmbito dos
apoios resultam de uma apreciação, naquela época, dos maiores problemas e das
principais necessidades da luta inventariados e justificados pelo
secretário-geral, a saber:
I – Reforço da cooperação
militar.
II – No domínio da
segurança.
III – Reforço das
forças da luta.
IV – No domínio
financeiro.
Como síntese
ao referido anteriormente, a primeira parte do documento relativa à ‘cooperação
militar’ [P319], aborda o plano logístico, nomeadamente o reforço em armas,
munições e viaturas; a reparação e manutenção das estradas, pontes e acessos em
direcção às fronteiras da frente sul e ao fornecimento de cem toneladas de
arroz a custo mais acessível a ser pago pelo Partido.
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Sobre
o pedido de ‘reforço da acção armada’, a proposta contempla o envio de
militares do exército da Guiné Conacri para a fronteira, incluindo o
patrulhamento regular, com recurso à utilização de armas pesadas, p.e. canhões
de 130 mm. É, ainda, proposta a instalação de um sistema de defesa antiaérea ao
longo da fronteira, desde Sansalé até Foulamory, com patrulhamentos dessa zona
a cargo da Força Aérea Guineense.
É de
relevar que é neste período e nesta mesma região, agora cronologicamente a uma
distância temporal de quarenta e cinco anos, que por efeito de ser aprovada a
instalação de um sistema de defesa antiaérea ao longo da fronteira da Frente
Sul, o PAIGC viria a recebe os primeiros misseis terra-ar SAM-7 (STRELA), entre
Fev/Mar de 1973.
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Citação:
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Miguel Pessoa |
Do
ponto de vista histórico, aqui se relembra o episódio ocorrido com o camarada
Miguel Pessoa (Cor PilAv Ref, ex-Ten PilAv da BA 12, 1972/74), (imagem ao lado)
que viveu a experiência de ter de ejectar-se, em 25 de Março de 1973, domingo,
na região de Guileje, por via do seu avião FIAT G/91 ter sido atingido por um
desses misseis (Tabanca Grande: P16496, P16494, P15948, P15768 e P15333). Também
no P4051-LG, pode ler-se o seu relato acerca desta ocorrência. E, ainda, na
Revista Militar nº 2553, de Outubro de 2014 (pp. 893-907) em https://revistamilitar.pt/revista/2553,
sobre as origens e consequências dos ‘Strela’ no quadro operacional no CTIG.
Quanto
à segunda parte, relativa à ‘segurança’ interna (P322), no documento solicita-se
autorização e colaboração no recenseamento de todos os indivíduos naturais da
Guiné-Bissau residentes na República da Guiné Conacri, com distribuição de
cartão de identificação emitido pelo PAIGC, com o propósito de procederem ao
controlo dos sujeitos em cada uma das regiões administrativas (ver mapa
abaixo).
Finalmente,
esta terceira parte corresponde às últimas propostas temáticas indicadas no
índice (pontos III e IV). No final de cada ponto será apresentado o competente original
dactilografado em língua francesa, critério utilizado desde o início deste
trabalho.
Propostas (finais)
III – Para reforço das forças
da luta
1. Em
cooperação com as autoridades locais, a J.R.D.A. [Juventude
da Revolução Democrática Africana] e a Milícia Popular guineense [organização a
quem foi oficialmente atribuído, a partir de 1969, um papel equivalente ao
exército], recuperação imediata dos combatentes que desertaram da frente para
se refugiarem na República da Guiné Conacri (Cadinhá, Djabada, Kanfrandi, Boké,
Boffa, Koba, Conacri, Koundara, Gaoual, etc.). O seu retorno imediato às
frentes da luta para serem reintegrados nas nossas Forças Armadas.
Linha de fronteira da
Frente Sul separando os territórios das duas Guinés (Net)
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Mapa das principais regiões
administrativas da República da Guiné Conacri aonde se refugiaram aqueles que
desertaram da(s) Frente(s) (Net).
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2. Permissão
para
o recrutamento de jovens (de 17 aos 25 anos), cidadãos imigrantes do nosso país
ou descendentes de imigrantes na República da Guiné Conacri.
a) –
Concentração destes recrutas em Conacri.
b) – Formação
acelerada, em Kindia, no campo de treino da OUA [Organização da Unidade
Africana, criada em 25 de Maio de 1963, em Adis Abeba, Etiópia, por iniciativa
do imperador etíope Haile Selassie (1892-1975), através da assinatura da sua
Constituição por representantes de trinta e dois governos de países africanos
independentes. Em 9 de Julho de 2002 a OUA foi substituída pela União Africana
(UA)]. A formação dos recrutas visa a sua integração nas frentes da luta.
Original em
francês (folha 2)
IV – No domínio financeiro
1. Comprar,
ao melhor preço para o Ministério do Comércio, as quantidades
de certos produtos de primeira necessidade (gasolina, sabão, fósforos, alguns
tecidos, etc.) quando as nossas disponibilidades não ultrapassem as
possibilidades para o consumo imediato.
2. Permissão
para que o nosso Partido possa receber quotas (voluntárias) dos
cidadãos do nosso país instalados [residentes] na República da Guiné Conacri,
para o desenvolvimento da luta.
3. Realização,
por intermédio do P.D.G. [Partido Democrático da Guiné],
especialmente da J.R.D.A. [Juventude Revolucionária Democrática Africana], da
C.N.T.G. [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Guiné] e da U.N.F.G. [União
Nacional das Mulheres da Guiné], de festas, missões, quermesses, etc., para a
obtenção de receitas destinadas à luta.
Estas
medidas poderiam ajudar o nosso Partido, de modo significativo, a fazer face às
exigências cada vez maiores da luta no domínio financeiro.
Apresentaremos
novas propostas à medida da intensificação da luta e o desenvolvimento da
cooperação prática o exigirem.
Conacri,
14 de Setembro de 1972, Amílcar Cabral, Secretário-Geral
Original em
francês (folha 3)
Fonte:
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07200.177.003
Título: Propostas do PAIGC à consideração de Sekou Touré
Assunto: Propostas de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, à consideração
de Sekou Touré, no âmbito da cooperação entre o PDG e o PAIGC. Reforço da
cooperação no domínio militar. Domínio da segurança. Reforço das forças vivas
da luta. Domínio financeiro.
Data: Quinta, 14 de Setembro de 1972
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Decisão de A. Cabral /
Propostas a Sekou Touré 1972. Documento igual a 04603.004.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Obrigado
pela atenção.
Um
forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
02OUT2017