Mensagem de António Marques Lopes, Coronel de Infantaria na
reforma, ex. Alf. Mil./At Inf. CART 1690 - Guiné 1967/69 - Cantacunda,
Banjara, Geba e Barrô.
20 DE JANEIRO DE 1973
Amílcar Cabral, dirigente e fundador do PAIGC, é assassinado
em Conacri numa acção planeada pela PIDE-DGS
Dalila Cabrita Mateus diz no seu livro “A PIDE/DGS na
Guerra Colonial, 1961-1974” que «O assassínio de dirigentes foi um tipo
de operações levado a cabo pela PIDE/DGS. No entanto, constituía um assunto
delicado». E refere que o elemento dessa polícia incumbido de dar andamento
ao plano para a liquidação de Amílcar Cabral escreveu à margem do processo: «Comuniquei
particularmente ao chefe da Delegação que este assunto não pode ser objecto de
correspondência oficial. Ou não se dizem ou não se fazem». Refere, por
isso, que não é possível encontrar relatórios da PIDE sobre a liquidação de
Amílcar Cabral, até porque, citando José Pedro Castanheira, in “Quem mandou
Matar Amílcar Cabral”, o inspector adjunto Alberto Matos Rodrigues
recomendou que «Em trabalhos desses, não se deixam provas».E houve vários planos, assevera esta investigadora dos
Arquivos da PIDE existentes na Torre do Tombo.
O primeiro terá sido em 1967, o do inspector Miguel António
Cardoso, então chefe da delegação da PIDE na Guiné, que mandou vir de Conacri
um antigo combatente para que, conhecedor dos locais por onde Cabral costumava
passar nessa cidade, o matasse a tiro ou com granadas apreendidas aos
guerrilheiros. Só que, azar, esse homem foi preso pela tropa portuguesa e
deixou de valer. Mandou vir de Conacri mais dois elementos para o mesmo
objectivo, mas, entretanto, foi substituído. O novo chefe da delegação achou
que um deles era bêbedo e que o outro não tinha estofo e a operação foi
abandonada.
Em 1969 houve outra tentativa, esta planeada pela Aginter
Press, uma encapotada agência de informações sedeada em Portugal mas que,
efectivamente, se dedicava ao recrutamento de mercenários. Tinha ligações com a
PIDE e com a Legião Portuguesa desde 1966. Teve a colaboração da Secretaria de
Estado da Informação e Turismo, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da
Casa de Portugal em Paris, e participavam um diplomata senegalês,
oposicionistas a Sékou Touré e elementos da FLING. O orçamento era superior a
quatro mil contos, e o prémio em caso de êxito mil contos. Foi a Operação
Chèvre. Se não deu ou não foi avante, a investigadora não precisa.
Veio, depois, a Operação Mar Verde, em Novembro de
1970, planeada e comandada por Alpoim Calvão, com o apoio de Spínola e de
Marcelo Caetano. No livro de António Luís Marinho, “Operação Mar Verde, Um
Documento para a História”, vêm as missões atribuídas a cada um dos grupos
participantes na operação. Por exemplo, uma das do comandante Benjamim Lopes de
Abreu era “a eliminação física do Presidente da República da Guiné Ahmed
Sékou Touré” (documento 11). A ninguém foi explicitamente atribuída a
missão da “eliminação física de Amílcar Cabral”. No entanto, ao 1º Ten.
FZE Raul Eugénio Dias da Cunha e Silva tinha como missão: “Ataque e
destruição de elementos e instalações do PAIGC em Conacry II: …41-Secretariado
e habitação de Amílcar Cabral; 42-Casa de Aristides Pereira e Propaganda”. E
diz ele, no seu relatório, que “decidi atacar primeiro e rapidamente os
objectivos considerados de primeira importância: 41 e 42…”. Não é credível
que a eliminação de Amílcar Cabral não fosse também um dos objectivos. Dalila
Mateus narra que foi lançada sobre a casa de Amílcar Cabral uma chuva de
obuses, tendo um deles acertado em cheio no quarto ao lado daquele onde dormia
a mulher de Cabral, que teve de sair com os filhos pelas traseiras da casa.
Numa casa ao lado ficaram gravemente feridos um casal jugoslavo e uma filha,
uma outra filha deles morreu com um estilhaço na cabeça. E refere que Alpoim
Calvão disse ao Público de 21 de Maio de 1991 que se Cabral estivesse em
Conacri teria sido seguramente eliminado.
Em 1971 foi a delegação da PIDE em Cabo Verde que mobilizou
mil contos para contratar um cabo-verdiano residente em Monróvia, na Libéria, e
com anteriores ligações a Cabral e Agostinho Neto. Era para, com mais seis
indivíduos, assassinar Amílcar Cabral e destruir um depósito de material de
guerra em Conacri. Não resultou.
Mas a PIDE andava também atenta às divisões dentro do PAIGC.
Em Junho de 1967 teriam armadilhado a casa de Cabral em
Koundaré e teriam sido enviadas cartas para Catió, Cabedu, Farim, Mansoa e Bula
com o intuito de não serem acatadas as ordens de Amílcar Cabral. Os conjurados
foram presos e fuzilados. E a PIDE afirma ter ouvido, na altura, que Nino
Vieira encarou com simpatia “o movimento conspirativo do Boé”. Também em
Setembro desse ano parece ter havido um atentado contra o Secretário-geral do
PAIGC. Foi também o ano, constou em Dezembro, do descontentamento dos mandingas
pelas baixas sofridas em combate e pelo facto de os cabo-verdeanos serem poucos
a combater.
Em Janeiro de 1968 foi assinalado novo movimento de revolta
e, nesse ano, as notícias das divisões no PAIGC levaram a PIDE a tomar nota e,
como consta numa das pastas dos Arquivos da PIDE, “Em face desta notícia foi
considerado superiormente que se devia procurar, por todos os meios, se
necessário mesmo financeiros, explorar estas divergências”.
Em Março de 1972 é o próprio Cabral que apresenta um plano,
segundo ele de Spínola e dos colonialistas portugueses, com o objectivo de
decapitar a direcção do PAIGC. Primeiramente com a infiltração de antigos e
novos membros do Partido para gerarem a divisão na base do racismo, tribalismo,
diferenças de religião e virando guineenses contra cabo-verdianos. Após isso seria
a criação de uma direcção paralela para entrar em contacto com os dirigentes
dos países vizinhos tentando obter o seu apoio contra a verdadeira direcção,
particularmente contra o Secretário-geral. A fase seguinte seria: o assassinato
do Secretário-geral e todos os dirigentes fiéis à linha do partido; mudança da
designação do partido e paragem da luta; e, finalmente, entrar em contacto com
o governo português para obterem a autonomia interna e a criação do “Estado da
Guiné” fazendo parte da comunidade portuguesa. Spínola teria prometido postos
importantes aos executantes deste plano. E não há dúvidas que eram os
princípios defendidos por António de Spínola.
E foi no dia 20 de Janeiro de 1973, às 23 horas que um grupo
chefiado por Inocêncio Cani prendeu Cabral e a mulher. Face à resistência deste
Cani atingiu-o com um tiro no fígado, tendo depois ordenado a um seu
acompanhante que lhe desse uma rajada, que o atingiu na cabeça e o matou. Um
grupo chefiado por Mamadu N’Djai prendeu Aristides Pereira, meteu-o numa vedeta
do PAIGC e rumou para Bissau. Um outro grupo, chefiado por João Tomás Cabral,
assalta a prisão do PAIGC e liberta Mário Mamadou Touré e Aristides Barbosa,
que eram os cabecilhas do golpe.
Foram cerca de uma centena os golpistas. Depois de tomarem
conta das instalações do partido e terem prendido cabo-verdianos e mestiços
guineenses, foram recebidos por Sékou Touré na madrugada seguinte, mas o
presidente da Guiné não lhes deu cobertura mandou-os prender, deu ordens ao
exército que submetesse o PAIGC e pediu a navios soviéticos que estavam nas
suas águas que recuperassem a vedeta onde ia Aristides Pereira, o que
aconteceu.
A maioria não tinha ligações à PIDE, nem o Inocêncio Cani,
tendo sido arrastados pelo descontentamento contra a direcção do partido e
contra os cabo-verdianos. Mas alguns dos principais conjurados tinham:
- Mário Mamadou Touré (conhecido por Momu) era um antigo
preso do Tarrafal; o chefe da delegação da PIDE na Guiné Alberto Matos
Rodrigues arranjou-lhe emprego e protegeu-o, afirmando mesmo que esta “Foi
uma operação planeada e meteram-no lá” (diz José Pedro Castanheira, na obra
atrás referida);
- Aristides Barbosa confessou que, após sair do Tarrafal,
foi contactado por um agente da polícia de nome Gonçalves (na altura, havia na Guiné
vários agentes de apelido Gonçalves) para trabalhar para a PIDE e que aceitou,
pedindo “uma licença para táxi”; disse também que foi recebido por
Spínola antes de sair de Bissau;
- João Tomás Cabral, que tinha sido comissário político,
tinha correspondência com um informador de Pirada e com o elemento da PIDE em
Buruntuma, o agente de 1ª classe Orlindo Martins Jorge Vicente; a sua acção era
mentalizar os combatentes para que entregassem as armas porque o PAIGC não
conseguiria ganhar a guerra;
- Valentino Cabral Mangana, comandante de Marinha (como
Inocêncio Cani), propagandeava que Portugal daria a independência aos negros da
Guiné desde que o PAIGC fosse extinto e os cabo-verdianos afastados, pois
queria conservar Cabo Verde como uma base de grande importância estratégica
para si e os seus aliados.
Claro que houve uma conspiração no interior do PAIGC para
pôr termo à hegemonia dos cabo-verdianos. Mas é também evidente que a PIDE teve
um papel importante na instigação do golpe. E não actuava à rédea solta. Não me
parece que Alpoim Calvão tenha razão quando diz, no seu livro “De Conakry ao
M.D.L.P.”, “…a verdade é que não havia a mínima lógica para que as
autoridades portuguesas desejassem, em 1973, o assassinato de Amílcar Cabral”.
E traz em defesa desta ideia as negociações segundo ele planeadas entre Spínola
e Amílcar Cabral para a resolução política da situação na Guiné. Mas esquece-se
de dizer que Marcelo Caetano já dissera a Spínola – é o próprio Marcelo que
conta nas suas Memórias – que negociar na Guiné nem pensar, antes a
derrota militar. E conta Otelo Saraiva de Carvalho, em “Alvorada em Abril”,
que o inspector Fragoso Alas (grande amigo de Spínola, até constando que foi
esta amizade que fez com que os pides fossem libertados após o 25 de Abril…)
lhe terá dito que “os tipos tinham ido longe demais, porque a missão era só
raptar e conseguir trazer Amílcar Cabral para Bissau como refém”.
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