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domingo, 15 de janeiro de 2012

P1 - 25 de Abril de 1974 na Guiné, na perspectiva do filho do último Chefe do Estado Maior do CTIG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz


Mensagem de Luís Gonçalves Vaz (filho do último Chefe do Estado Maior do CTIG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz com data de, 13JAN2012 

O dia a seguir, à revolução dos "cravos" (25 de Abril de 1974), vivido na Guiné, na perspectiva de Luís Gonçalves Vaz, então com 13 anos de idade.



História no Ultramar com Luís Gonçalves Vaz 



Local: Guiné-Bissau

Data: 26 e 27 de Abril de 1974

Luís Gonçalves Vaz, Bissau 1974 (13 anos)
Na Guiné o 25 de Abril “só chegou” no dia seguinte, pois só na manhã do dia 26  é que se iniciaram as ações dos oficiais do MFA, nomeadamente os onze oficiais que se dirigiram ao Gabinete do General Comandante-Chefe (General Bettencourt Rodrigues) e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa.  O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole). Logo de manhã dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. É claro que o coronel Henrique Vaz, não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo-Verde.

O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai, iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal, no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.

Antigo Liceu Honório Barreto em Bissau, hoje Liceu Nacional Kwame N' Krumah "
                 (Fonte: Blogue Liceu Nacional Kwame N' Krumah)

Esses mesmos oficiais do MFA,  solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”.  Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto. Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem Cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal.

Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois haviam muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas; “Tuga na ba p`Bó Terra”… é claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade.
O Clube militar em Sª Luzia, visto de minha casa. Nesta avenida formavam-se algumas colunas militares, que seguiam para o mato, e durante um ano vi a formação de muitas, em que diversos furriéis e alferes milicianos revelavam “alguma emoção”… Lembro-me muito bem como se fosse hoje, e marcaram-me para sempre.

Foto de:   António Teixeira* (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73

Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG, era aquela mesmo em frente do Clube militar, na outra ponta da avenida). 

Pelo caminho assisti ao episódio do "Cerco da PIDE”, onde me lembro muito bem de ver a ação de grande eficiência, de dois pelotões de Para-quedistas…… lembro-me muito bem..... Estive bem ao lado, daqueles Para-quedistas que estabeleceram logo de imediato um "Perímetro de Segurança". E se bem me lembro, deveria ser o único "branco" a assistir à manifestação. Houve tiros e tudo. Depois fui pelas Tabancas até Sª Luzia, sempre acompanhado pelos meus colegas Guineenses, que me protegeram e não permitiram que me acontecesse mal algum, só me deixaram após me entregarem aos elementos da PM, que faziam a segurança à entrada da Base Militar de Sª Luzia (a entrada estava barrada com rolos de arame farpado).
Guiné – Bissau, Pós-25 de Abril de 1974 - Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: na primeira foto, um manifestante empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." ; na segunda foto, um dos manifestantes exibe um improvisado autocolante nas costas, onde se lê: "Viva o General António Spínola! Viva o Povo da Guiné!". Fotos: © José Casimiro Carvalho

Foto de: ex. fur. Ranger Casimiro Carvalho

 Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.

Segundo um interveniente nessa missão, o 1º Cabo Para-quedista nº 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado,  no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/ ,“…O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam “morte à PIDE e aos colonialistas”. A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes. …” 

Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné.


Braga, 13 de Janeiro de 2012


Luís Gonçalves Vaz





3 comentários:

A. Marques Lopes disse...

Grato ao Luís Gonçalves Vaz pelo que conta. É bom e importante ouvir da boca de quem viveu os acontecimentos que suponho, e acho natural, dadas as circunstâncias, terão sido assim. E ele confirma. Não foi diferente do que se passou por cá. Obrigado.
A. Marques Lopes

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caros amigos.

Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide, terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in:Estudos Gerais da Arrábida, A DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber: "...A população da Guiné começou logo a virar e as
manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo.
No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram
montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram
pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência
disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou
menos a situação ..."
Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.

Luís Gonçalves Vaz

Abel Castanheira disse...

Após tantos anos é a primeira vez que leio um relato que presenciei na primeira pessoa. Frequentava eu o 5º ano sendo que a minha irmã estava no 4º.
Grato pela recordação.