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sexta-feira, 15 de julho de 2016

P273 - DO OUTRO LADO DO COMBATE - Parte IV: Entrevista dada pelo cirurgião cubano. Domingo Diaz Delgado e publicada no livro, escrito em Castelhano, com o título, «HISTÓRIAS SECRETAS DE MÉDICOS CUBANOS» da autoria do jornalista, Hedelberto Lopez Blanch. (por Jorge Araújo)

Na sequência da publicação do terceiro fragmento sobre as memórias de médicos cubanos na Guiné (1966-1968), eis a última parte referente ao cirurgião Domingo Diaz Delgado.

Seguir-se-ão as restantes entrevistas, com recurso à mesma metodologia que inclui a sua estruturação em partes.

Jorge Araújo.

JUL’2016.

GUINÉ

Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494

(Xime-Mansambo, 1972/1974)

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1968)

- O CASO DO CIRURGIÃO DOMINGO DIAZ DELGADO (IV) -

1.   – O CASO DO CIRURGIÃO DOMINGO DIAZ DELGADO [IV]
Para melhor compreensão da contextualização deste último fragmento sobre o médico em título, sugere-se a leitura dos P268 (1.º), P271 (2.º) e P272 (3.º). O primeiro relacionado com a preparação para a missão africana, viagem e inclusão na estrutura do PAIGC. O segundo de explicação/caracterização da paleta de actividades clínicas presentes no quotidiano de um médico naquela guerra de guerrilha, das condições logísticas vividas em bases improvisadas, provisórias e de parcos recursos, ora socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora cuidando das maleitas apresentadas pela população sob o seu controlo. O terceiro identificando as actividades operacionais em contexto de bi-grupo durante os primeiros três meses de 1967 na região [frente] Norte [Sambuia) até ao momento em que começou a ter vários problemas de saúde que o obrigaram a fazer uma viagem até Conacri para recuperação/restabelecimento.
Utilizando o mesmo instrumento já apresentado no P271 [Suprintrep n.º 31, de 13Fev1971 - P2787-LG] dá-se conta na linha azul (mapa abaixo) da geografia dos itinerários percorridos pelo médico Domingo Diaz, também designados por “corredores” ligando as diferentes bases do PAIGC, durante os primeiros oito meses da sua missão [julho de 1966 a março de 1967]. A estrela verde corresponde aos itinerários utilizados durante o segundo período na região [frente] Leste, entre Junho e dezembro de 1967, com destaque para as actividades guerrilheiras desenvolvidas em Madina do Boé e Beli.


- A entrevista com as seis últimas questões [P4 > 23.ª à 28.ª] -
“Donde o tempo não se mede pelo relógio”
23. = Depois da recuperação em Conacri, aonde o colocaram?
Após um forte tratamento médico e com uma recuperação quase total, enviaram-me para a zona [frente] Leste. Esta região era um pouco mais tranquila do ponto de vista militar, embora se realizassem várias operações. Por exemplo Víctor Dreke dirigiu um dos ataques a um quartel. Anteriormente [novembro de 1966] tinha-se verificado ali um combate importante onde mataram um dirigente desse movimento, o comandante Domingos Ramos.
[Domingos Ramos foi morto em Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966 (curiosamente o dia do meu 16.º aniversário), sendo considerado, por esse facto, um herói da Guiné-Bissau, uma vez que fez parte do grupo de pioneiros da luta de libertação, sob a liderança de Amílcar Cabral (1924-1973). Tem o seu nome ligado à toponímia e a instituições de ensino do país. O seu rosto figura em notas do Banco Central da Guiné-Bissau – exemplo da nota de cem pesos de 1983 e 1990. Tinha também um irmão na guerrilha – P16123-LG].
Para Domingo Diaz, [a frente Leste] era uma região onde se combatia, mas não com as mesmas características das do Norte. No Leste era uma zona mais isolada, com uma fronteira amiga, ou seja, a Guiné-Conacri.
Na zona de Madina do Boé morreu um companheiro cubano por uma úlcera perfurada ao comer umas folhas muito ácidas daquele lugar, que se chamam foli. Os nativos comem-nas para ter mais força e reanimarem-se, pois é muito ácida. A este companheiro se lhe perfurou o estômago e quando chega às minhas mãos está em agonia. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para lhe conter a hemorragia, e como carecíamos de instrumentos cirúrgicos, tentámos transferi-lo para o hospitalito de Boké, na Guiné-Conacri, mas faleceu durante a viagem. Este companheiro foi sepultado ao lado da base aonde nos encontrávamos.
[A morte deste cubano – o tenente Radamés Sánchez Bejerano – ocorreu em 19 de julho de 1967, cinco dias depois de um ataque de artilharia efectuado pelos guerrilheiros do PAIGC ao quartel de Madina do Boé, conforme depoimento do médico Domingo Diaz publicado no livro «La Historia Cubana en África – 1963-1991», de Ramón Pérez Cabrera, p. 152. […] Aí se refere que após concluído o ataque, e na

23. = Nas caminhas pelas matas teve experiências com serpentes?
Claro que sim. Atendi vários com mordidelas de serpentes e também vi morrer à minha volta seis nativos por esse motivo. Eram principalmente da população civil. Recordo um caso na zona [frente] Leste, um homem que chegou em muitas más condições e lhe tinha feito um garrote na perna, a qual estava muito danificada com muitas borbulhas e praticamente preta. Comecei a trata-lo e eu tinha uma ferida no pé. Estava usando uns chinelos plásticos [hoje, havaianas] que os naturais utilizavam muito e que me acostumei a esse tipo de calçado. Não me lembrei que tinha essa ferida no pé e já havia visto morrer à minha volta por picadelas de serpente.
Para esse tratamento fazíamos um corte em cruz no lugar da picada, levantávamos a pele nessa zona e começávamos a drenar para que saísse o sangue. Todo esse líquido me ia caindo na ferida que tinha eu no pé. Não sabia se isso me podia fazer mal ou não. Tomei a decisão de colocar um garrote na perna e fazer-me uma ferida. Não tinha bisturi, senão um canivete, que não estava esterilizado, mas era tanta a adrenalina que não senti o corte, e comecei a drenar. Um companheiro cubano controlava o garrote. Não tínhamos soro anti venoso para aplicar nessa zona. Em cada quarenta e cinco minutos aliviava dez minutos o garrote para que o sangue fluísse.
Passaram as horas e não senti nenhum sintoma. Provavelmente tomei esta decisão muito apressada, mas como tinha visto morrer não quis arriscar a ser mais uma. Os companheiros que estavam comigo eram gente competente, um grupo de tropas especiais de dez guerrilheiros, embora não estivessem acostumados aos afazeres médicos. Dois deles desmaiaram, mas depois outro ficou a ajudar-me até ao fim.
23. = Quando e como regressou da Guiné-Bissau?
Regresso em janeiro de 1968, ou seja, estive nesta missão durante vinte meses e em zonas de combates cerca de dezasseis. Regressei em más condições. Quando parti tinha 80 quilos e saí da Guiné-Bissau só com cinquenta. Com o objectivo de me recuperar, levaram-me a Conacri onde embarquei no navio cubano Pinar del Rio, que ia com destino ao Congo Brazzaville. Esses sete dias de viagem, mais uma semana no Congo, carregando troncos de árvores, e outra semana para regressar à Guiné-Conacri para recolher os restantes companheiros, serviram para me restabelecer um pouco. O meu grupo regressa com o que pensámos ser aquele que nos iria substituir, uma vez que quando tínhamos oito meses de actividade em Bissau, chega o segundo grupo cujo objectivo era reforçar a missão. No final regressamos todos juntos.
Desse segundo grupo quero fazer menção ao doutor Raúl Currás Regalado, que esteve todo o tempo na zona [frente] Sul da Guiné-Bissau. Posteriormente foi cumprir uma missão internacionalista em Angola, aonde participou na companhia do clínico cubano Martin Chang Puga em várias acções de guerra. Durante uma deslocação, o veículo aonde seguiam voltou-se e perderam a vida. Currás tinha umas características excepcionais e deixou dois filhos e a esposa. E Chang, que não esteve na Guiné-Bissau, era epidemiólogo, e também deixou filhos e esposa.


23. = Que fez ao regressar a Cuba?
Conclui a especialidade de neurocirurgia. Já tinha experiência desde quando era estudante de medicina ao prestar apoio nos Centros. Nesse tempo existiam somente três mil médicos em Cuba e os cirurgiões eram muito poucos. Antes de partir para a Guiné-Bissau fiz o internato com o sistema do Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia (INCA) criado pelo comandante René Vallejo para formar no imediato cirurgiões e anestesistas. Nesse ano de internato realizei operações de cirurgia superior e quando regressei da missão queria fazer neurocirurgia. Estive três anos e meio no Instituto de Neurologia e Neurocirurgia e graduei-me como especialista de primeiro grau nessa área. Depois estive oito meses no Hospital Joaquin Castillo Duany, no Oriente, como chefe dos Serviços de Neurocirurgia, e mais tarde transferi-me para o Hospital Naval como chefe da mesma especialidade, até 1979. Daí passei para o Ministério do Interior com a perspectiva da fundação do CIMEC [Centro de Investigaciones Médico-Quirúrgicas] em 1982, aonde trabalho desde o seu início como vice-director de docência e investigações.
–– Uma breve resenha da sua formação social e científica ––
Domingo Diaz Delgado nasceu em 1936, numa povoação chamada Florencia, na província de Camaguey, mas foi inscrito em Arroyo Arenas, na província da cidade de Havana. Terminou o bacharelato no Instituto de Marianao em 1957.
Começou a estudar medicina em 1959, devido a estar fechada a Universidade desde 1956, quando se agudizou a luta contra o tirano Fulgêncio Batista Zaldivar (1901-1973). Em meados de 1958 foi detido pela ditadura e levado à Décima Estação de Polícia situada no El Cerro, em Havana. Ali foi torturado durante vários dias, mas, por alguns esforços que foram desenvolvidos, foi libertado e saiu para o México. Regressou ao país em janeiro de 1959. Desde essa data se incorporou nos trabalhos da Revolução que se iniciaram nessa época e decidiu continuar os estudos, matriculando-se na Escola de Medicina.
Em 1961, quando se funda a Associação de Jovens Rebeldes, passou a ocupar o cargo de secretário organizador na Escola de Medicina. Mais tarde, em 1962, passou para a União de Jovens Comunistas. Desde os primeiros anos, trabalhou como aluno de cirurgia no Hospital Militar Carlos J. Finlay. Realizou o internato em cirurgia e terminou em 1965. Pertenceu ao grupo de médicos que subiu ao Pico Turquino, a cuja graduação presidiu o Comandante-chefe Fidel de Castro.
Continua...
Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.
13JUL2016.
[Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:



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