Mensagem com data de 28/04/2020 de:
Edgar Tavares Morais Soares, ex. Fur Milº OP Especiais - CCS/BART 3873
Guiné, Bambadinca DEC71/04ABR74
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Fur. Milº Edgar Soares, 1971 |
Como todos os Portugueses de boa memória,
é óbvio e natural que rejubilei com os acontecimentos e princípios que
presidiram ao 25 de abril de 1974. Todavia, existe um passado que se torna
sempre muito recente no meu ego, que me persegue muito profundamente e, como
tal, não posso mais calar. Como à data, 1974, denunciei, fui militar na Guiné,
durante 27 meses e meio, com términos da comissão a 04 de abril de 1974, data
de desembarque em Lisboa. Na Guiné, estive integrado no BART 3873, sediado no
setor Leste, na região de Bambadinca. Do nosso Batalhão, faziam parte as
companhias CCS, 3492, 3493 e 3494, que ocuparam os aquartelamentos,
respetivamente, de Bambadinca, Xitole, Mansambo e Xime. Em Bambadinca, tínhamos
um centro de formação de tropas nativas, e, afeta à CCS, uma companhia de
intervenção nativa, CCAÇ 12, comandada pelo capitão Bordalo, RANGER, que viveu
os seus últimos anos em Lamego, sendo os mais graduados do continente.
Posteriormente, a CCAÇ 12, foi rendida por uma outra companhia de nativos, na
sua totalidade, a CCAÇ 21, comandada pelo magnifico tenente Jamanca.
Ainda como tropas nativas,
tínhamos múltiplos pelotões de milícias, em autodefesa, nas zonas de Mato Cão,
Amedalai, Finete, Fá Mandinga, Missirá, Enxalé, no reordenamento de Nhabijões,
Etc…
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Bambadinca |
Durante o Comando Chefe do General Spínola,
na Guiné, foi desenvolvida toda uma ação Psicológica, junta das populações nativas e até das nossas tropas, onde destaco
a máxima “Guiné de Hoje Guiné Melhor”, e
houvesse daquele que agredisse, fisicamente ou verbalmente, um nativo… Mais se
dizia nessa “Psíco”, “juntem-se a nós, porque quando a independência chegar,
vocês serão os futuros detentores do poder que vier a ser constituído”.
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Edgar Soares, 1972 |
Foi então naquele contexto
militar, e já com o General Bettencourt Rodrigues a render o General Spínola, que
ali permaneci com os meus camaradas de armas.
Após 15 dias do regresso, por
términos de comissão, aconteceu o 25 de Abril, estando eu nesse mesmo dia, por
coincidência, no quartel do RAP 2, em Gaia, quando chegou a notícia que estava
a haver um levantamento militar em Lisboa…
Muito rapidamente, notou-se o
Povo a começar a vir para a rua e então logo se começaram a ouvir alguns
gritos, que se foram tornando muitos: - “liberdade, abaixo o fascismo, morte à
Pide…” e muitos outros slogans que as circunstâncias impunham…
Lembro-me de estar no meio de um
tiroteio, na Av. Rodrigues de Freitas, frente à biblioteca, em S. Lázaro e ter
socorrido uma jovem que ao fugir tropeçou, bateu com a cabeça na berma do
passeio e desmaiou. Os tiros vinham da esquadra da PSP e de uma viatura da
mesma polícia que, entretanto, estava a ser apedrejada pelos populares…
Sim! Sim! Sim! Viva o 25 de Abril,
enquanto movimento de uns tantos militares, “os capitães de abril”, em luta
pela liberdade intelectual e moral de um Povo amordaçado no falar, no dizer, de
pensamento condicionado pela censura, com toda a sua juventude refém de
acontecimentos inopinados, motivados pela obrigatoriedade do cumprimento do
serviço militar…
Entretanto, decorridos os primeiros
entusiasmos, eis que o poder, depois de ter passado pela rua, “MFA/POVO/POVO/MFA”,
é entregue aos supra interesses “manipulados e manipuláveis” dos emergentes
políticos, que, com retoricas, quais as mais iluminadas, perante um povo vazio
de doutrinas ideológicas, mais preparado para um seguidismo fácil, e foi assim
que vimos o processo a evoluir, abruptamente, com vários ziguezagues, até ao
ponto aonde eu agora quero chegar. A descolonização.
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BAMBADINCA |
Com aquele processo de
descolonização, das nossas então províncias ultramarinas, surgiu, quanto a mim,
uma das maiores vergonhas da nossa história…. Após guardarem os CRAVOS, eis que
se fez jorrar o SANGUE dos “mártires portugueses agora anónimos” do 25 de
Abril…
Sabiam que de um momento para o
outro, àqueles portugueses, tropa nativa, que sempre estiveram na linha da
frente, ao nosso lado, a lutar tal como
nós, por ideias e ideais um tanto desconhecidos de muitos, mas que nos eram
impostos, ao serviço da PÁTRIA, Lhes foram retiradas todas as armas e mais
elementos de defesa, pessoal e coletiva? Sabiam que aqueles autênticos
guerrilheiros foram deixados ficar para trás, pela sua Pátria de então,
entregues única e exclusivamente às suas sortes, acabando, na sua grande
maioria, foragidos nas matas? Sabiam que os nossos políticos outorgantes da
Independência ao PAIGC, os deixaram sem qualquer obrigatoriedade de indulto
impositivo, para não terem de enfrentar os pelotões de fuzilamento, do inimigo
de outrora? Sabiam que todos aqueles que estiveram identificados como nossos
tropas ou aliados, foram passados a bala, em fuzilamentos individuais e
coletivos, sem qualquer possibilidade de defesa, vindo a ser sepultados uns e enterrados
outros, quais campos nazis, em balas comuns, quantos deles, soldados sargentos
e oficiais, “Tenente JAMANCA”, com condecorações múltiplas por atos e atitudes de
distinção ao serviço da PATRIA? Pois tudo isto se passou e muito mais, o que
considero a vergonha do “25 de ABRIL” …
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Guiné > Brá > 1966 > O Alf Mil Briote, à esquerda, ladeado de dois dos primeiros comandos africanos, o Jamanca e o Joaquim - Foto do blogue: Luis Graça & camaradas da Guiné |
Mas, reparem os comentadores e nossos
historiadores, que não foram só os nossos soldados, sargentos e oficiais
nativos que enterramos ingloriamente!!!
Que havemos de pensar e dizer de todos aqueles que um dia também daqui
partiram com os mesmos propósitos militares, ao serviço da PÁTRIA, e lá
tombaram, ou regressaram, com problemas de natureza múltiplas, outros tantos
com as mesmas condecorações, pelos mesmos atos de distinções??? Não estará na hora
de nos perguntarmos, portugueses, se tudo pelo que passamos, os de cá e os de
lá, valeu a pena?...
É bem capaz que os maiores culpados
dos acontecimentos supra, sejam os do velho regime, “Fascismo”, ate por não
terem sabido ou querido resolver os problemas da independência a seu tempo!!!
Na realidade, cada um por si, se me afigura que o socialismo e as outras ditas
ideologias, democráticas, também não estiveram em nada melhor na gestão daquela
“herança”, e bem pior, desonraram-se e desonraram historicamente todo um Povo...
“Por negligência agnóstica?”, Não acredito. Com certeza, outros valores que a
razão ainda quer desconhecer, estiveram por de trás de todos aqueles
acontecimentos…
Uma coisa é certa, toda uma geração, que também é a
minha, terá que ficar com a amargura dos factos da história não contada, desvirtuada no nosso desempenho de serviço à
dita PÁTRIA, ficando-nos sem dúvida, como maior consolação, as muitas amizades
que ao tempo fomos acumulando, lá e cá, e que vamos alimentando nos momentos
que promovemos dos sãos convívios dos velhos “guerrilheiros”…
Como dizia o Camões, para o bem e
para o mal: - “…DITOSA PÁTRIA QUE TAIS FILHOS TENS” (?)… “Glória aos
vencedores, honra aos vencidos”!... Descansa em Paz JAMANCA e Todos Aqueles que
te acompanharam na dita e na desdita!...
Alvarenga 25 de abril de 2020
Edgar Soares