MSG de, ex. Fur. Mil. Op. Esp/Ranger, Jorge Alves Araújo com data de: 022331ABR2012
Caríssimo Camarada Sousa de Castro.
Promessa feita; promessa cumprida! E
já não era sem tempo.
Neste momento de grande consternação,
sinto muito que o Sousa Pinto não tenha tido a oportunidade de ler este texto.
Em sua memória, ele também lhe é dedicado.
Reza a história que o mês de Abril tem
sido para nós, até ao presente, um mês fértil em recordações e,
simultaneamente, de grandes emoções. E este ano não foge à regra, dando conta,
nesta nota introdutória, algumas que têm por enquadramento o âmbito militar.
Primeiro; porque no dia 04.Abr.1974,
faz amanhã trinta e oito anos, aportámos ao Cais da Rocha Conde de Óbidos, em
Lisboa, regressados de Bissau a bordo do Paquete Niassa – com direito a escala
no porto do Funchal – depois de aí termos concluído a Comissão de Serviço
Militar Obrigatório, para três semanas depois, em “25 de Abril”,
termos assistido/ participado naquele memorável dia que levou ao fim da(s)
Guerra(s).
Segundo; porque uma semana depois da
chegada, em 12.Abr.1974, minha mãe, Georgina Araújo, comemorou o seu
quadragésimo sexto aniversário num ambiente de grande euforia e felicidade
recíproca, mais humano e ecológico do que nunca, afirmando, após apagar as
velas do ‘4’ e do ‘6’, que a maior prenda que tinha recebido naquele dia foi o
de poder contar com a presença do filho, o que se entende. Fará agora, no
próximo dia 12.Abr.2012, oitenta e quatro primaveras, não estivéssemos, nós, na
Primavera.
Terceiro; porque no próximo dia
22.Abr.2012 completa-se quarenta anos em que o meu GComb – o 4.º –, travou a
sua primeira grande batalha na Ponta Coli (Xime), como todos os camaradas da
CART 3494 sabeis. E é devido a esse acontecimento que estamos hoje aqui sob
outra super emoção, na medida em que procurámos dar corpo, alma e desejo, ao
que vivemos, sentimos e respirámos naquele dia inesquecível.
Ex. Fur. Mil. Inf. Sousa Pinto |
Posto isto, eis então a narração desse
acontecimento na Ponta Coli, uma história mais para ajudar a crescer o nosso
blogue. Texto igual será enviado para a «Tabanca Grande», blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço para todos os
FANTASMAS DO XIME.
Jorge Araújo.
Ex-Furriel
Mil Op Esp/RANGER
CART
3494
Xime-Mansambo
1972/1974
Nota do editor: Devo referir que, em relação ao ponto "primeiro" a CART 3494, regressou à Metrópole em 03 de Abril de 1974 nos TAM (Transportes Aéreos Militares) apenas e só o Ex. Fur. Mil. Op Esp/Ranger-Jorge Alves Araújo, regressou por via marítima acompanhando diverso material pertencente à CART 3494 e entregar no RAP 2 (Regimento de Artilharia Pesada nº 2) em Vila Nova de Gaia.
ERA UMA VEZ UMA
ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA
- O CASO DA PONTA
COLI (XIME-BAMBADINCA) -
A decisão há muito que estava tomada.
Faltava apenas esperar por uma oportunidade, para tornar público, na primeira
pessoa, a descrição dos sons, das imagens e de mais alguns detalhes gravados na
nossa memória de longo prazo, antes que as mesmas se apaguem, sobre um tema que
justificou já, no blogue de: Luís Graça & camaradas da Guiné; a participação
de vários tertulianos (vidé: P9446 +
P9457), ou seja, o «caso da Ponta
Coli - Xime», aproveitando este momento de recordações para a (re)baptizar como
o «palco de jogos de sobrevivência».
E essa oportunidade chegou agora por
quatro motivos particulares:
Fur. Mil. Art. Bento com Fur. Mil. Art Carda |
1 – Por
terem passado já quarenta anos (1972-2012) sobre essa data, sendo também, por isso mesmo, uma ocasião para prestar homenagem póstuma ao nosso camarada
Furriel Manuel Rocha Bento, falecido em combate nesse local.
2 – Pela
necessidade de dar conta da minha versão a todos aqueles que viveram este
acontecimento, directa ou indirectamente. Este contributo pretende ser apenas mais
uma pequena peça do puzzle da CART 3494,
e, concomitantemente, uma outra peça do puzzle, naturalmente maior, que é a
história do conflito político-militar do C.T.I.Guiné.
3 – Pelo
convite/desafio suscitado pelas dúvidas do camarada CMDT ex-Cap. Artª António
José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva), na sua MSG de 2009.03.22 publicada
no blogue da Companhia, em que manifestou vontade de saber o que se passou em
concreto, uma vez que a sua nomeação para liderar a CART 3494 foi causa/efeito dessa emboscada.
4 –
Para transmitir, publicamente, uma palavra de gratidão a todos quantos naquele
dia 22.Abr.1972 deram o seu melhor,
num contexto que no início nos era francamente desfavorável, superando as
adversidades em defesa da vida – das suas e a dos seus semelhantes, camaradas
de armas. Não fora essa transcendência singular e os resultados teriam sido bem
diferentes, para pior, como poderão constatar pela leitura do ponto seguinte.
II – O (DES)ENCONTRO DE 22.ABR.1972 – O
jogo dos possíveis
O dia 22 de Abril de 1972 será sempre um dia para recordar,
particularmente por todos os ex-militares que constituíram a CART 3494, e em especial por aqueles
que viveram, conviveram e sobreviveram ao jogo do “gato e do rato” ou de “escondidas”,
como é comum definir-se, no léxico militar, o conceito de “guerrilha”, como foi o caso dos elementos do 4.º GComb (pelotão) – o nosso.
Se antes, durante a instrução que
obedecia a um programa com tempos e ritmos pré-definidos, que era interrompida
por cansaço, conflitos surgidos ou por decisões unilaterais, e em que quase
tudo tinha um carácter de simulacro e de associação casual de probabilidades,
pois o objectivo primeiro era a aquisição de competências sensoriais e motoras,
visando ultrapassar possíveis obstáculos surgidos nos diferentes contextos,
agora, neste dia 22.Abr.1972, tudo
passou, num ápice, do “faz de conta” a uma situação REAL, em que a regra do
“jogo” era, então, a eliminação física do opositor ou dos opositores por
antecipação e perícia, num cenário que incluía, ainda, a variável designada
teoricamente por «Sorte».
Mas sorte
é quando uma coisa boa nos acontece, sem que seja esperada. É habitual afirmar-se
também, numa perspectiva de senso comum, que a sorte versus azar andam ligadas
ao destino, para quem nele acredita. Trata-se, assim, de uma força invisível
contra a qual não há nada a fazer. Segundo essa crença, destino ou fatalidade
emergem de um poder divino que está para além do comum dos mortais.
Com efeito, para nós, à data militares-combatentes
cumprindo o superior dever para com … (?), o dia 22.Abr.1972, sábado – dia de Saturno, deus especialmente querido
dos Romanos e a que a língua inglesa continua fiel pois chama, ainda, ao seu
sábado Saturday –
começou com as normais rotinas de cada dia: alvorada, higiene pessoal, pequeno-almoço,
preparação para o cumprimento das tarefas e obrigações individuais e colectivas,
em função das competências atribuídas anteriormente, que incluíam, entre
outras, a preocupação pelo bom funcionamento do armamento e equipamento
adequado e outros apetrechos necessários para a missão.
Do blogue "Luisgracacamaradasdaguiné" com a devida vénia |
O
tempo diário desse controlo acontecia, maioritariamente, no período em que
havia claridade (luz do dia), entre as 07:00/07:30 e o regresso após o Sol se
pôr (ocaso), ou, em situações excepcionais, até que ficassem concluídas as
actividades portuárias. O ponto escolhido para essa segurança ficava situado
numa zona compreendida entre a bolanha contígua ao Xime (Taliuará) e Amedalai, sendo
esse local designado por Ponta Coli,
e onde permaneciam diariamente os militares escalados para essa tarefa/acção/missão,
considerada “Rainha” no conjunto de todas as outras.
Considerando que em situações ditas
normativas as Companhia Operacionais eram constituídas por quatro GComb, no
caso da CART 3494 só três estavam
aquartelados no XIME, na medida em que o 2.º pelotão encontrava-se destacado, em
permanência, na Tabanca do Enxalé, esta situada na margem direita do Geba, em
frente ao Xime. Daí que o cumprimento desse dever diário era feito de três em
três dias por cada GComb, excepto quando a Companhia tinha de efectuar outras acções
ou operações que envolvessem a totalidade dos seus elementos.
Naquela data, o grupo escalado para
cumprir a acção/missão referida anteriormente era o 4.º pelotão, constituído por vinte elementos, entre sargentos e
praças, uma vez que não havia nenhum oficial (ex: alferes) adstrito, no preciso
momento em que o nosso calendário registava apenas oitenta dias de efectiva
permanência na região.
Ao efectivo militar sobredito juntava-se
sempre um Guia, no caso o Malan, natural da Guiné, e mais dois condutores auto,
uma vez que o transporte até ao local da segurança era feito em duas viaturas Unimog.
Porém,
naquele dia, a saída do aquartelamento não aconteceu à hora que era mais ou
menos habitual por se terem verificado diversos factos que contribuíram para
algum atraso, o último dos quais relacionado com o esquecimento de um rádio
emissor/receptor AVP1, que normalmente era levantado no posto de TRMS ou
entregue, na parada, pelo militar de serviço nesse posto a um dos furriéis do GComb.
Fur. Mil. Op/Ranger Jorge Araújo num posto de vigia improvisado na PONTA COLI |
Estando
reunidas, então, as condições de marcha, após uma análise global de todos os
procedimentos habituais, saímos rumo ao objectivo previsto (Ponta Coli) eram
aproximadamente 08.00 horas. Os vinte e três elementos que constituíam o
universo dos militares destacados para a missão, e que seguiam nas duas
viaturas, foram distribuídos de forma aleatória, contabilizando-se doze
elementos na viatura n.º 1 (a que seguia à frente) e onze na viatura n.º 2 (a
que seguia atrás, naturalmente). Para além da nossa companheira residual
no mato - G3 - na panóplia do armamento
constava, ainda, um morteiro 60, uma bazuca e as respectivas granadas de cada
de um deles, distribuídas entre todos os militares.
Local da Emboscada "PONTA COLI - Xime 22ABR72 |
Ao som das primeiras rajadas de
“costureirinhas” (kalashnikov) e de rebentamentos de granadas de “RPG7”, que
procuravam atingir os alvos que se encontram nos centros das miras dos
guerrilheiros, os nossos camaradas lançaram-se das viaturas para o asfalto, e
reagiram, ou não, em função da situação em que cada um deles se encontrava,
continuando as viaturas a sua marcha, agora desgovernada, rumo à valeta da
estrada, servindo estas de refugio nos instantes iniciais para alguns de nós.
Entre gritos, gemidos e choros,
misturados com a utilização de uma linguagem de elevada erudição adquirida na
escola da vida e que, naquele cenário, era própria de quem estava em aflição e,
sobretudo, em inferioridade física e numérica, havia mortos, alguns feridos,
desmaiados e poucos em condições de estabelecer o equilíbrio entre um dos lados
da contenda.
Tendo em consideração a situação adversa
e o papel atribuído a cada um de nós enquanto combatentes, e porque me
encontrava na posse de todas as capacidades físicas e psicológicas, pois, como
vim a verificar mais tarde tinha sido o único ileso da 2.ª viatura, havia que
dar resposta na mesma linguagem bélica, utilizando os recursos disponíveis.
Entretanto, uma nova contrariedade fez
engrossar as dificuldades de então, na justa medida em que não nos era possível
comunicar com o aquartelamento, dando conta da ocorrência e sinalizando a nossa
posição, para uma primeira ajuda que bem precisávamos por parte da artilharia
pesada aí existente (obuses) e depois para o reforço de efectivos no terreno,
uma vez que o rádio AVP1, aquele equipamento que fez retardar a nossa saída,
estava em parte incerta, vindo a ser localizado, mais tarde, junto ao corpo do
Furriel Manuel Rocha Bento, já cadáver.
Aos poucos, ao ritmo de um tempo que
parecia não passar, os desmaiados começam a acordar, os feridos tomam
consciência de que ainda têm força suficiente para reagirem, e com os cinco
ilesos que continuavam activos e operacionais, através dum impulso colectivo
vindo das entranhas e de um grito de contra-ataque, contribuímos para anular a
terceira tentativa de sermos apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC,
que muito porfiaram mas sem sucesso.
Por outro lado, o nosso sucesso ficou a
dever-se justamente ao esforço de todos, mas em particular a um MALAN (guia)
que, sangrando abundantemente da cabeça onde existiam pelo menos duas
perfurações, como tivemos a oportunidade de observar in loco, empunhava duas G3, uma em cada braço apoiadas pelas suas
axilas, e de pé, em plena estrada, despejava carregadores sem cessar.
Outra situação que contribuiu, também,
para a debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos
municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de
terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento, fazerem
uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim
relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da
localização das suas munições (granadas) que acabaram por ficar dispersas ao
longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros aproximadamente, dando a
ideia de que estávamos fortemente armados.
Passado o tempo de todas as incertezas,
que se estima entre quinze a vinte minutos, durante os quais o meio ambiente se
alterou profundamente, produzindo novos odores resultantes da combinação de
diferentes elementos, de que são exemplos: o capim e restante vegetação, a
terra e a pólvora, mesclados com a humidade e o aumento da temperatura externa
e interna - a dos nossos corpos -, os corações começaram a bater a um ritmo
cardíaco mais aceitável, e a boa notícia, que era possível transmitir a partir
daquele momento, era de que a situação militar estava controlada, caminhando
para a normalidade, com a chegada dos primeiros apoios externos e, também, por
via da fuga do IN.
Ponta Coli - Xime (local da emboscada) Fur. Godinho e Fur. Araújo |
O
primeiro elemento a chegar junto de nós, foi o nosso CMDT, Cap. Artª. Vítor
Manuel Ponte da Silva Marques, que nos perguntou: “então, Araújo, o que se passou …?”, logo secundado por um enfermeiro
da Companhia, que não recordo o nome mas tão só o seu rosto, pois era portador
de uma mala de primeiros-socorros. Mais apoios foram chegando à medida que iam
sendo mobilizados, quer do Xime quer do Batalhão sediado em Bambadinca, para
onde foram transportados os feridos mais graves ou aqueles que justificavam
maior atenção.
No final, o balanço da primeira
emboscada sofrida pela CART 3494,
foi de um morto (Furriel Manuel Rocha Bento), dezassete feridos entre graves e
menos graves nos quais estava incluído o Furriel Raul Sousa Pinto, ferido com
dezenas de estilhaços espalhados pelo corpo, mas com maior incidência na cabeça,
sendo este o segundo de três Furriéis que enquadravam os restantes militares do
GComb, e contabilizados apenas cinco ilesos, fazendo eu parte desse reduzido
grupo. Este nosso camarada acaba de nos deixar para sempre. O seu funeral
realizou-se ontem – 02.Abr.2012.
Que dizer mais?
Que viver é sempre uma possibilidade
para qualquer ser humano quando não está em ambiente de guerra convencional.
Porém, viver num contexto como aquele que esteve na génese desta narrativa, era
uma constante incógnita e/ou interrogação que nos ocupava parte do pensamento, em
virtude de poderem ocorrer novos encontros/desencontros no mesmo local e à
mesma hora, como veio a verificar-se 222
dias depois, em 01.Dez.1972,
tendo por protagonistas os elementos do mesmo GComb, ou seja o 4.º pelotão.
Numa outra
oportunidade, relataremos o que ficou da nossa experiência acerca deste novo
episódio ocorrido na Estrada Xime-Bambadinca, no local transformado em palco de
muitas emoções/tensões, num jogo de sobrevivência impregnado de superações e de
transcendências.
III – CAUSAS/EFEITOS DESTA EMBOSCADA
No dia seguinte, domingo no calendário
solar também conhecido por Juliano, de Júlio César, o militar (general) e
político romano, a vigorar desde o ano de 709 de Roma (45 a.C.), a vida dos
combatentes da CART 3494 voltou a
ter, na sua agenda, uma nova missão de segurança à Ponta Coli, desta feita a
cargo do 1.º pelotão.
Uma primeira causa/efeito do episódio de
má memória do dia anterior foi o de ter produzido uma mudança de atitude na
estratégia utilizada anteriormente, no trajecto entre o aquartelamento e aquele
local, fruto do debate interno levado a cabo pelo grupo de furriéis
operacionais da Companhia, do qual fazíamos parte, no sentido de minimizar os
riscos pessoais de cada um de nós, sempre muitos expostos no cumprimento dessa
acção/ missão diária.
E o que ficou acordado, a partir de
então, foi a alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a ser auto
transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante trajecto até
à Ponta Coli a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de progressão e
distribuição espacial do respectivo efectivo.
Uma segunda causa/efeito daquele
acontecimento foi a diminuição do número de militares operacionais,
consequência dos diferentes graus de enfermidade e de inferioridade física
provocados pelos ferimentos em cada um deles, levando à evacuação dos casos
mais graves para o Hospital Militar de Bissau, onde permaneceram algumas
semanas. Como consequência, o 4.º pelotão ficou inoperacional durante algum
tempo. No nosso caso, transitámos de imediato para o 1.º pelotão, uma vez que
este GComb se encontrava desfalcado de quadros de comando.
Uma terceira causa/efeito da emboscada foi a distinção, com o «Prémio Governador», de dois elementos do GComb: o soldado Manuel de Sousa Monteiro, natural da Batalha, e o 1.º Cabo Manuel Amorim do Alto, natural de Terroso, Póvoa do Varzim, os quais adquiriram o direito de gozar na Metrópole, como se dizia à época, um mês de férias. Estes militares eram os municiadores do Morteiro 60 e da Bazuca, desconhecendo eu o nome, ou nomes, a quem se deve a iniciativa de ter proposto estas duas distinções.
Uma terceira causa/efeito da emboscada foi a distinção, com o «Prémio Governador», de dois elementos do GComb: o soldado Manuel de Sousa Monteiro, natural da Batalha, e o 1.º Cabo Manuel Amorim do Alto, natural de Terroso, Póvoa do Varzim, os quais adquiriram o direito de gozar na Metrópole, como se dizia à época, um mês de férias. Estes militares eram os municiadores do Morteiro 60 e da Bazuca, desconhecendo eu o nome, ou nomes, a quem se deve a iniciativa de ter proposto estas duas distinções.
Uma quarta causa/efeito deste episódio, e
que viria a ter grande influência no devir da organização da unidade social
designada por CART 3494 foi o facto
do nosso primeiro CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques, também
conhecido nos meios militares por «Salta-me
a Cabeça», consequência do uso frequente deste termo, se ter autoexcluído
de a ela continuar ligado. No dia imediato assinou a sua própria guia de
marcha, com destino aos Serviços de Psiquiatria do Hospital Militar de Bissau,
para não mais regressar ao Xime para junto dos seus camaradas milicianos.
Durante um pouco mais de três meses a CART 3494 deixou de poder contar com o
seu líder, vindo este a ser substituído por uma nova liderança a cargo do Cap.
Artª. António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva, como foi já
referido na nota introdutória), situação verificada no início do mês de Agosto
de 1972.
Este nosso novo CMDT, o segundo,
passados apenas meia-dúzia de dias da sua chegada ao Xime, viria a viver,
conviver e a sobreviver, tal como nós, a mais um episódio negativo que marcou a
história da Companhia, e do Batalhão, este relacionado com o «naufrágio no Rio Geba», ocorrido no dia
10.Ago.1972. Sobre este
acontecimento, e noutra oportunidade, darei a conhecer publicamente a minha
versão dos factos que, também eles se encontram ainda gravados na minha (nossa)
memória.
Passados aproximadamente três anos sobre
o abandono da Companhia por parte do nosso primeiro CMDT, Cap. Vítor Manuel
Ponte da Silva Marques, a sua pessoa e o seu nome acabariam por ficar mais uma
vez na história, agora da História de Portugal no período pós 25 de Abril de
1974. O seu nome ficará ligado para sempre ao que foi considerada uma tentativa
contra-revolucionária de 11.Mar.1975,
conforme nos dá conta o Diário da República de 21.Mar.1975, Decreto-Lei n.º
147-D/75, pp. 430 (4:5), assinado pelo General Francisco da Costa Gomes
(1914-2001), à data Presidente da República, acto que levou os seus autores a
serem expulsos das fileiras das Forças Armadas.
Face ao fracasso do seu propósito e de
mais dezoito oficiais dos três ramos das forças armadas, no qual o General
António de Spínola (1910-1996) se assumiu como líder, o Cap. Vítor da Silva
Marques, entretanto promovido ao posto de Major (e que já não está entre nós),
e o General António de Spínola, que foi governador militar na Guiné, como
sabemos, entre 1968 e 1973, acabariam por fugir para Espanha (Badajoz) e depois
para o Brasil, a exemplo, aliás, do que acontecera cento e sessenta e sete anos
antes (1808) com o exílio do Rei D. João VI.
Chegados ao fim deste episódio, o
primeiro menos agradável que consta no nosso currículo de ex-combatente na
Guiné, resta-me enviar para todos os meus camaradas «Fantasmas do Xime», ilustre cognome da CART 3494, votos de muita saúde, e que esta história real que agora
passei a escrito, e que certamente acompanharam com muita atenção, vos possa
dar o ânimo necessário para continuarem a lutar pela vossa sobrevivência.
Que sejam felizes!
Um grande abraço para todos, e até … ‘ao meu regresso’, isto é, até à próxima
emboscada.
Jorge Araújo.
Abr./2012
9 comentários:
Desembarquei no Xime vindo de Bissau pelas 17.00 horas do dia 2 de Novembro de 1973, juntamente com o meu Batalhão de Cavalaria 8323 e fizemos ainda nesse dia o trajecto entre o Xime e Bambadinca, onde pernoitamos a caminho de Pirada. Pelo que acabo de ler no texto acima, era nessa data a vossa companhia que fazia segurança naquela área. Felizmente passamos ali sem nenhum problema, pela parte que me toca, obrigado pela segurança que nos proporcionastes.
Obrigado António Rodrigues, pelo comentário que passo a responder e esclarecer.
Na data que referes, a minha CART 3494, já não estava no Xime, tínhamos mudado para Mansambo em Março/Abril de 1973, devido à muita intensidade operacional que sofremos no Xime. Nessa altura quem nos substituiu foi a CCAÇ 12, companhia de Africanos, à excepção dos graduados que eram todos europeus. Assim sendo foram eles a fazerem segurança `estrada na PONTA-COLI.
Um abraço,
Sousa de Castro
Confirmo, fomos nós a CCaç 12 que fomos deslocados de Bambadinca para 0 Xime que nos coube essa missão. Só uma pequena correção vários quadros europeus já tinham sido substituídos por quadros africanos como consequência da CCaç 12 se ter recusado a marchar para o Xime.
Joao Silva ex-furriel miliciano na CCaç 12
Candeias
Só hoje dei pela tua presença.
Contacta-me para ajfduarte@gmail.com
1 abraço
Duarte
Caríssimos Camaradas.
Pelas voltas no Google onde procurei o Xime, vim encontrar o blogge da Cart 3494. Contente com isso, foi de ler e ver as fotos por aqui publicadas, onde me levaram a recordar todos os momentos passados por lá, os bons e os maus.
Antes de continuar, quero deixar um abraço do tamanho do mundo que espero seja recebido onde Deus o tiver, ao Sousa Pinto, que acabei de saber do seu falecimento pelos comentários do Araújo.
Eu sou o ex Furriel Milº de Artª Manuel Lino do 20º Pelotão de Artilharia. Cheguei ao Xime em Agosto de 1972, creio que pouco tempo depois da chegada do agora cor. na reserva, Pereira da Costa. Pertencendo ao Pel. de Artº e sendo de rendição individual, não posso esquecer como sempre fui acolhido pela Cart 3494, e deixo desde já um abraço a todos.
Com pena minha, não recordo os nomes de todos os camaradas, mas vendo as fotos vão surgindo alguns escondidos na memória. No meu pelotão estava o alferes Viegas e o furriel Pacheco. Vários furriéis, o Godinho, Carda, Ponte, Araújo, Sousa Pinto entre outros.
Na minha praxe, lá me fizeram assinar um “documento”, na enfermaria, onde declarava não ter determinado tipo de doenças. Claro que paguei 2 garrafas de Dimple para o pessoal, além de que o cap me perguntou se eu era da metrópole, logo metropolitano e sendo assim, lá fui para debaixo de uma mesa na messe de sargentos fazer o trajecto de “metro” até Bambadinca, apitando e fazendo paragem em todas as estações. Coisas pela qual os piras tinham que passar.
Bons e maus momentos foram passados no Xime, estive convosco, cart 3494 até à substituição pela CCac 12 até Julho de 1974.
Tenho algumas fotos da época que poderei colocar.
Se houver algum encontro, terei o maior prazer em poder estar presente.
O meu email é; manuel.mlinus@gmail.com
Um abraço a todos os camaradas
Fur. Lino
Caros camaradas,
Apesar de ter estado no Xime-CART3494 em Dezembro/72 e Janeiro/73 só agora com a crónica do Jorge Araújo tomei conhecimento, dos pormenores da emboscada onde faleceu o Manuel da Rocha Bento. Na altura, contaram-me o sucedido mas nunca com esta clareza. Um bom serviço para todos nós.
Um abraço,
João Ruivo Fernandes
Lino. Eras de artilharia, estavas nos obuses e eu na 12 o Xime. Estudamos juntos nos salesianos, tu eras de artes gráficas. Certo?
Quando o Duarte que esteve comigo na 12, escreveu aqui nos comentários não te recordas-te de mim? Eu só vi o teu comentário hoje. Se não te recordares ou não fores quem penso não há problema. de qualquer das formas fomos companheiros de armas um abraço.
Candeias!
Claro que me recordo de tudo aquilo que escreveste e que está tudo correcto! No entanto tenho estado a tentar visualizar a tua cara desde os tempos do colégio e confesso que não me recordo assim da maioria dos antigos colegas.
Boas e más coisas foram passadas no Xime. São páginas das nossas vidas que vão sendo recordadas pelos contos dos nossos companheiros de armas.
Tenho lido comentários que nos vão actualizando as memórias daquilo que passamos, tais como a do Araújo sobre a emboscada em Ponta Coli, ou a excelente descrição feita pelo ex cap. Pereira da Costa, sobre o acontecido com o meu camarada de pelotão de Artª, o Fur Pacheco.
Encontrei aqui também numa messagem para ti, o Duarte. Há uns bons pares de anos que não sei nada dele, vou tentar contacta-lo.
Este ano, para pena minha, fiquei impossibilitado de poder estar presente no encontro em Felgueiras.
O meu email é o manuel.mlinus@gmail.com se puderes contacta-me para lembrarmos as malandrices dos tempo passados.
Um abraço
Manuel Lino
Lino podes fazer o teste do reconhecimento facial neste endereço, o Duarte passou. Penso que fomos finalistas no mesmo ano, mas não sei onde para o livro, todo psicadélico, como era moda na época e feito por vocês das artes gráficas. O Pacheco fui encontra-lo em Bolama no CIM e ao ler no Blogue do Luís Graça a estória contada pelo Cap. constatei que não era muito diferente do que se falava lá em Bambandica, embora mais soft. Eu cheguei à 12 em janeiro de 1793, vindo da CCav.3404que estava em Cabuca onde cheguei em Abril de 1972 e, tal como tu, em rendição individual. Recordo que nos primeiros meses em Bambandica chegou, transportado num unimog, um artilheiro nativo todo escalavrado na cara, pelo que nos disseram, tinha sido um acidente ao manobrar um obus. Como estava a anoitecer organizamos uma coluna e fomos até Bafatá para que ele fosse evacuado. Recordas-te?
http://www.youtube.com/watch?v=W3ToEr3he-4
Um abraço, João candeias.
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