MSG de Jorge Araújo com data de : 221919ABR2012
Caríssimo Camarada Sousa de Castro.
Os meus melhores cumprimentos.
Faz hoje quarenta anos que a Companhia
de Artilharia 3494 – a nossa – travou a sua primeira grande batalha naquela a
que chamam a terra vermelha e verde, ou seja, a Guiné.
Sobre esse acontecimento de má memória
ocorrido em 22.Abr.1972, na Ponta Coli (Xime), elaborei já um pequeno texto
publicado no poste 148, em 03.Abr.2012.
A história que seguidamente se
apresenta corresponde, com efeito, ao segundo episódio verificado no mesmo
local, este em 01.Dez.1972, uma vez que a CART 3494 contabilizou
aí, como sabeis, duas emboscadas no período em que esteve aquartelada no Xime.
Assim, com este depoimento, dou por
encerrado o que se oferece dizer sobre este tema da Ponta Coli, esperando que
ambos os textos tenham sido esclarecedores e, ainda, do V. agrado.
Envio a todos um grande abraço.
Jorge Araújo.
Ex-Furriel
Mil Op Esp/RANGER
CART
3494
Xime-Mansambo
1972/1974
GUINÉ
Jorge
Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
ERA UMA VEZ UMA
ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA
- O CASO DA PONTA
COLI (XIME-BAMBADINCA) -
I – O CASO DA PONTA COLI - XIME: - NOVA
EMBOSCADA
Entre a chegada a Bissau no dia
28.Dez.1971, a bordo do Paquete Niassa, e o regresso a Lisboa em 03.Abr.1974,
efectuado nos Transportes Aéreos Militares (TAM - boeing 707), a CART 3494 escreveu algumas páginas da
sua história colectiva com acontecimentos indeléveis que continuam, ainda hoje,
a influenciar os itinerários, os comportamentos e as atitudes – isto é: a vida – de alguns elementos do
seu contingente, agora ex-combatentes, e que mais à frente aprofundaremos.
Durante vinte e sete meses e uma semana,
ou seja, cento e dezoito semanas, que perfazem oitocentos e vinte e oito dias,
equivalente a dezanove mil e oitocentas e setenta horas, totalizando um milhão,
cento e noventa e dois mil e trezentos e vinte minutos - é muito tempo; e muito
jogo…, os principais episódios foram classificados numa escala de graves e
muito graves, em função dos efeitos produzidos nas NT.
O caso da Ponta Coli, que acabaria por
contabilizar dois episódios muito graves durante a permanência da Unidade no Xime, antes da rotação para Mansambo ocorrida em Março de 1973, era
o contexto que suscitava maior incógnita quanto à efectiva possibilidade de aí
acontecerem encontros/desencontros com os guerrilheiros, sempre de
consequências imprevisíveis, na justa medida em que eles sabiam tudo sobre os
nossos movimentos, horas de saída e chegada ao aquartelamento, transporte,
efectivos, armamento utilizado, local da segurança, postos de vigia, entre
outros detalhes.
Esse conhecimento dava-lhes, desde logo,
uma efectiva vantagem, podendo agir de surpresa, controlando o tempo e o
espaço, “como se fosse uma qualquer caçada ao coelho bravo, à gazela ou ao
javali”, colocando cada presa no centro da sua mira. Mas, em função destes dois
exemplos, veio a provar-se que não agiram, felizmente, com muita disciplina
táctica e técnica e que, numa relação custo/benefício, o custo foi francamente
superior.
Estou convencido que os guerrilheiros
estiveram emboscados na Ponta Coli, em outras ocasiões em que não houve contacto
directo, desconhecendo-se qual ou quais os motivos que os levaram a não tomarem
a iniciativa do ataque. Esta convicção/intuição resulta do facto de terem sido
identificados (e confirmados!) sinais da presença humana, que não do nosso
lado, e que implicaram a pernoita em espaços muito próximos daqueles que
habitualmente eram por nós ocupados.
Esta convicção é reforçada com o facto
concreto relatado no documento referente ao programa de actividades para aquela
zona retirado do bolso do camuflado do comandante Mário Mendes, aniquilado no
decorrer de uma acção à Ponta Varela, efectuada em conjunto pela CART 3494 e pela CCAÇ 12, em Maio de 1972, que previa a concretização de novas
emboscadas na estrada Xime-Bambadinca, tema que abordarei em outra oportunidade.
Assim, durante os treze meses em que a CART 3494 esteve aquartelada no Xime, a
quem tinha sido atribuída a responsabilidade diária de garantir a segurança
possível em parte do troço que ligava este lugar a Bambadinca (sede do BART
3873), essa tarefa/acção/missão, considerada “Rainha” no conjunto de todas as
outras, foi realizada por trezentas e oitenta vezes, aproximadamente, o que perfaz,
feita a divisão pelos três GComb, cerca de cento e vinte e cinco presenças para
cada um, naquele a que tomei a iniciativa de (re)baptizar como o «palco de jogos de sobrevivência».
Como referido anteriormente, apenas
ocorreram dois contactos durante esse período, com mortos e feridos confirmados
de ambos os contendedores. O primeiro, no dia 22.Abr.1972, foi já narrado neste blogue da Companhia (vidé poste 148). O segundo, de que trata
este texto, ocorreu no dia 01.Dez.1972,
6.ª feira, tendo por intervenientes os elementos do mesmo GComb, ou seja, o 4.º pelotão.
Creio que a escolha do dia 01.Dez.1972, para a concretização desta
segunda emboscada às NT, não teve qualquer relação histórica com o dia 01.Dez.1640, também conhecido por «Restauração
da Independência», designação atribuída à revolta dos portugueses iniciada
naquela data com a invasão do Palácio Real, sito no Terreiro do Paço, em
Lisboa, onde prenderam a Duquesa de Mântua, obrigando-a a dar ordens às suas
tropas para se renderem, matando Miguel de Vasconcelos e Brito (1590-1640),
Secretário de Estado da Duquesa, que era Vice-Rainha de Portugal, em nome do
Rei Filipe IV de Espanha (1605-1665), Filipe III de Portugal.
Também no dia 01.Dez., mas de 1922, ou
seja cinquenta anos antes, era legalmente constituída a direcção do primeiro
Núcleo da Liga dos Combatentes, em Pinhel, presidida por Manuel Augusto
Ferreira Lima da Veiga, Coronel de Infantaria e delegado, à época, da
denominada Liga dos ex-combatentes da Grande Guerra. A sua sede ficou instalada
no edifício do Regimento de Infantaria n.º 14, de onde partiu o Batalhão Expedicionário
de Infantaria n.º 12 da Guarda, com destino à Flandres, onde combateu, ao
serviço dos aliados, durante os anos de 1917 e 1918, na 1.ª Grande Guerra.
Cronologicamente, a seguir à primeira
história vem a segunda, e depois a terceira, e assim sucessivamente, e porque a
acção, o sentido e as formas dessa acção nunca se repetem, mesmo que os seus
intérpretes sejam os mesmos, eis outra oportunidade para tornar público o que
ainda guardo na memória relativo ao segundo acontecimento na Ponta Coli, cuja
ordem de apresentação foi estruturada em três pontos: o antes, o durante e o depois
dos factos.
De referir, ainda,
que este texto não caracteriza tão só e apenas o período de tempo em que
decorreu esta emboscada, mas adiciona-lhe outras pequenas histórias que lhe dão
uma certa coerência, aliás como nos ensina a filosofia, ou seja, o todo é mais
que a soma das partes, como se pode constatar de imediato.
II – O ANTES DE 01 DE DEZEMBRO DE 1972
A aprendizagem retirada da primeira
experiência vivida na Ponta Coli, em 22.Abr.72,
que conduziu à alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a ser auto
transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante trajecto até
ao local da segurança a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de
progressão e distribuição espacial de todos os seus elementos, dava a sensação
de ter sido uma boa opção, pelo menos ficava a ideia de se reduzir
substancialmente a exposição ao risco.
A segurança fazia-se diariamente,
excepto quando a Companhia tinha de efectuar outras missões que justificassem a
presença de todos os seus efectivos, sendo substituídos nessa função por
elementos de Grupos de Milícias que estavam sob jurisdição do Batalhão.
A atenção
e a concentração continuavam a ser as
palavras de ordem, ou palavras-chave, quando se saía do aquartelamento para
cumprir esta missão, justificada ainda com maior veemência depois do expresso
na correspondência retirada ao comandante Mário Mendes, conforme referido
anteriormente. E o tempo foi passando, felizmente sem ocorrências de maior na
Ponta Coli.
Em finais de Setembro/72, depois de uma
intensa actividade militar, pensei que era chegado o momento de agendar o primeiro
período de férias de trinta e cinco dias, de acordo com as normas então em
vigor, tendo decidido passá-las na Metrópole, como se dizia à época, fazendo
coincidir esse período com o meu aniversário. E assim foi. Escolhemos o período
de 24.Out. a 27.Nov.1972.
Chegado ao aeroporto de Lisboa, fui
recebido pelos nossos familiares directos (os pais), seguindo depois para a sua
(nossa) residência, em Moscavide. Os primeiros dias foram de completa
readaptação aos espaços, particularmente no que concerne ao trânsito intenso da
cidade, aos semáforos e às passadeiras, aos cheiros, aos ruídos; em suma, a
quase tudo.
O ambiente de felicidade iluminava cada
dia que ia passando, com os meus familiares a não perderem a oportunidade de colocarem
questões sobre a realidade por mim vivida na Guiné, transmitindo-me os seus
medos, expectativas e ansiedades, mas também procurando saber mais como era a
sua gente, o seu ambiente, o seu clima, a sua organização social, os seus
consumos, o que era perfeitamente natural e normal naquele tempo. Os amigos,
alguns mais velhos, que tinham já vivido experiências semelhantes nos
diferentes cenários ultramarinos, davam-me conselhos, sugestões e outras dicas
visando ajudar-nos a ultrapassar eventuais dificuldades.
Mas, do que mais se falou durante esse
mês foram os episódios vividos até então, em que a nossa existência física
esteve francamente em causa, e que após efectuada a sua avaliação, em
consciência, considerei ter sido de elevado risco, muito maior daquele por que
passa um funâmbulo no circo, no exercício de equilíbrio no arame, mesmo que não
possua rede de segurança a meio caminho do solo, como foram os casos da
emboscada na Ponta Coli (22.Abr.1972) e o naufrágio no Rio Geba (10.Ago.1972).
OBUS 10,5 cm |
Por outro lado, e uma vez que o ex-Alf. Mil.
Maurício Viegas, também ele natural de Lisboa e CMDT do Pelotão de Artilharia
(obuses 10.5) do Xime, me sugeriu que visitássemos os seus pais, residentes na
Boa-Hora, em Lisboa, facultando-me a sua morada. Daí ter agendado um encontro com
eles, em nome do convite/pedido formulado aquando da minha saída do Xime,
levando-lhes as naturais saudades e palavras de conforto e de ânimo para
resistirem ao tempo que ainda faltava para a conclusão da sua Comissão de
Serviço.
Na sequência do primeiro contacto presencial,
aceitei a proposta de com eles almoçar, ficando também combinada uma sessão de
slides (meus) visando uma aproximação à realidade por parte daqueles que,
estando longe dos seus familiares (militares), gostavam de ver as suas
paisagens, as suas gentes, as lavadeiras, as beijudas e outros ícones da cultura
guineense, e que para mim era o contexto para onde teríamos de voltar alguns
dias depois.
Como um dos tios do ex-Alf. Viegas era pasteleiro
(mestre de renome em doçaria), e o sobrinho comemorava o seu aniversário no dia
01.Dez. (já não me recordo quantos,
mas seriam certamente mais de vinte), logo nos pediu para sermos portadores de
um bolo especial para esse dia de anos, confeccionado com uma substância (XPTO) preparada para aguentar os dias
suficientes até à nossa chegada ao mato. No dia 26.Nov.1972, véspera da partida, lá fomos buscar o bolo ao Bairro
da Boa-Hora, fazendo votos para que ele chegasse inteiro ao seu destino.
Embarquei no dia aprazado, prometendo
voltar, logo que fosse possível, para um segundo período de férias.
Chegado a Bissau no dia 27.Nov.1972, 2.ª feira, desci à terra,
e tomei consciência de que as férias tinham acabado, e que o principal assunto
que teria em mãos, a partir de então, era outro, mais sério e problemático do
que nunca.
Procurei resolver, com celeridade, a
deslocação para a Companhia, no Xime, tendo apanhado uma boleia de Bissau a
bordo de uma embarcação civil «CP10», cujo comandante era um militar da marinha
– o Cabo Silva, e que habitualmente
nos visitava no Xime, quando aí tinha de fazer carregamentos de madeiras para a
capital, ou de outros materiais mais pesados vs volumosos.
Cheguei ao aquartelamento na 4.ª feira,
dia 29.Nov.1972, por volta das 17.00
horas. Mas, como tinha feito a viagem ao sol, pois a embarcação navegava a céu
aberto, logo sem sombras, essa noite foi passada num estado febril em crescendo.
Antes, porém, tive a oportunidade de entregar ao ex-Alf. Maurício Viegas, o
bolo de aniversário que nos tinham pedido para lhe trazer. O dia seguinte, 5.ª
feira, foi passado na cama, aguardando que as drogas de marca «LM» – Laboratório Militar, distribuídas/receitadas
pelo camarada mezinho, ex-Fur. Mil. Enf.º Carvalhido da Ponte desempenhassem a
competente acção farmacológica no organismo.
O dia seguinte, 6.ª
feira, dia 01.DEZ.1972, voltou a ser
um dia diferente, como muitas emoções versus tensões, em função dos relatos que
desenvolveremos no ponto seguinte.
III – O DIA 01.DEZ.1972 – a segunda
emboscada na Ponta Coli
Se o dia 22 de Abril de 1972, data da primeira batalha travada na Guiné
(Xime) pelos militares da CART 3494,
através do seu 4.º GComb, continuava
bem presente na memória de todos, particularmente naqueles que a viveram em
directo, esse dia 01 de Dezembro do
mesmo ano, fez aumentar não só os factos negativos contabilizados até então,
como ampliou os registos gravados na nossa memória de longo prazo. Entre o primeiro
e o segundo caso decorreram duzentos e vinte e dois dias.
E o que tenho em memória desse já
longínquo 1.º de Dezembro de 1972, acontecimento que está prestes a completar
quatro dezenas de anos, inicia-se com o acto de acordar, consequência do ruído
dos motores das duas viaturas unimog alinhadas na parada, como era habitual, destinadas
a transportar o GComb que nesse dia iria estar de serviço na Ponta Coli, ou
seja, o 4.º pelotão, o mesmo da 1.ª emboscada.
Este GComb, entretanto refeito depois de
ultrapassadas as enfermidades físicas sofridas pelos seus efectivos mais
atingidos anteriormente, viu reforçado os seus quadros de comando com a
chegada, em Maio, do ex-Fur. Mil. Mário M. Neves para substituir o ex-Fur. Mil.
Manuel Rocha Bento, falecido na emboscada anterior, e dois meses e meio antes
deste episódio (Set.) do oficial de que nunca dispôs, sendo nomeado para
comandar este grupo o ex-Alf. Mil. A. J. Serradas Pereira.
Passados poucos minutos da saída dos
militares do meu ex-GComb, levantei-me sentindo algumas melhoras em relação aos
dois dias anteriores, pois já não tinha febre, e avancei para os sanitários do
abrigo da messe de Sargentos, situados em frente ao nosso Tzero, este partilhado
com os camaradas ex-Furriéis Godinho, Ferreira e Neves.
Concluída a higiene pessoal, e quando
passava à porta da Secretaria da Companhia, que ficava exactamente em frente à
nossa, do outro lado do caminho térreo (a que se chamava rua), eis que ouvi e
senti os primeiros rebentamentos vindos do lado da Ponta Coli. Tratava-se, naturalmente,
de uma nova emboscada montada pelos guerrilheiros, já prometida há algum tempo
atrás, mas sem data marcada.
Não pestanejei.
Num impulso produzido a partir dos
sistemas internos homeostáticos, explicados na biologia da consciência como
sendo a memória especial de valor registada por via de experiência anterior –
imagens, sons e desempenhos –, complementada com a mensagem do mundo exterior
que acabara de ser descodificada, rapidamente me preparei para ir em seu
auxílio.
Vestido com estava naquele momento, em
fato de treino azul militar, coloquei à cintura os quatro carregadores de
munições encaixados no cinturão, peguei na minha companheira inseparável nestas
ocasiões, a G3, e parti só, na direcção da Ponta Coli, não fazendo a mínima
ideia do que me poderia acontecer até lá.
Atravessei as moranças da Tabanca, segui
no sentido da bolanha do Xime (Taliuará) e quando me encontrava mais ou menos a
meio do carreiro que ligava, na largura, os dois lados da bolanha, avistei um
grupo de guerrilheiros movimentando-se para sul, na fronteira da bolanha com a
vegetação aí existente. Avistei os guerrilheiros e eles também a mim, na medida
em que um deles disparou uma rajada na nossa direcção, mas sem consequências,
pois não devia ser grande especialista no tiro de precisão.
Guerrilheiros do PAIGC - 1973
(fotografias de Bara István em http://www.fotobara.hu/galeria.htm)
|
Ao ouvir o silvo das balas (uma meia
dúzia!?) que passaram por cima e ao meu lado, coincidente com o mergulho que
tive justamente de efectuar, por instinto de sobrevivência, e sem saber o que
viria a seguir, aí esperei um pouco, camuflado tanto quanto me era possível,
observando os movimentos do IN, e sem saber muito bem o que fazer a partir de
então: voltar para trás ou seguir em frente.
Quando me apercebi que aquele grupo de
guerrilheiros estava de regresso às suas origens, decidi avançar, mas com a
máxima atenção, pois a situação assim o exigia. Porém, vindos da Ponta Coli,
continuava a ouvir tiros e rebentamentos, sinal de que a situação ainda não
estava totalmente controlada.
Passados alguns minutos, talvez
dez/quinze, cheguei junto dos camaradas flagelados, grupo que, gradualmente,
tinha sido reforçado com a chegada de mais elementos de outros GComb,
deslocados em viaturas até ao local.
Aí chegado, constatámos que neste caso,
do ponto de vista da estratégica militar, os guerrilheiros foram obrigados a
alterar a sua, em função também das mudanças por nós introduzidas a partir da
avaliação feita à primeira emboscada.
Desta vez os elementos IN, estimados em
mais de sessenta unidades, que segundo informações posteriores eram constituídos
pelo grupo especial de Bazzokas, do CMDT Coluna da Costa, e do bigrupo dos
CMDT’s Mamadu Turé e Pana Djata, ficaram emboscados a cinquenta metros da linha
da nossa segurança, protegidos por bagabagas, árvores e outros arbustos mais
rasteiros.
Aguardaram que as NT ocupassem os postos
habituais, e quando nada fazia prever, pois esse era o método utilizado na
guerra de guerrilha, abriram as hostilidades, fazendo accionar, à distância,
duas minas de sopro colocadas junto a duas árvores de maior porte, seguida das
tradicionais rajadas de Kalashnikov e do lançamento de granadas de RPG7, tendo
os elementos do nosso GComb reagido em conformidade com a provocação e de
acordo com a experiência adquirida na anterior situação.
As ocorrências mais graves foram
provocadas pelo efeito das minas de sopro, tendo atingido dois elementos das NT
que, passado pouco tempo, foram evacuados para o Hospital Militar, em Bissau.
Entretanto, com a situação totalmente
controlada, depois da debandada dos guerrilheiros, que não conseguiram desta vez
obter grandes resultados práticos felizmente, iniciámos o reconhecimento na
zona outrora ocupada por estes.
Durante
o desempenho dessa tarefa, operacionalizada em equipa com o ex-Fur. Mil. António
Carda, do 3.º GComb, foi com alguma surpresa que encontrámos dois corpos de
guerrilheiros, já cadáveres, ocupando ambos, um ao lado do outro, um espaço
entre arbustos de aproximadamente dois metros, junto dos quais se encontravam
as suas respectivas armas. Um tinha uma Kalashnikov, o outro possuía uma
pistola Tokarev. Noutro local foi também encontrado um lança granadas e duas
granadas desse equipamento.
Foto de: 0054_Bara Istvan_Elesett PAIGC katona Guinea Bissau_1970 (http://www.fotobara.hu/galeria.htm) |
A partir desta nova
experiência, cada segurança diária à Ponta Coli passou a ser considerada como
uma Operação Especial, só ao alcance de quem tivesse um coração forte, capaz de
resistir às emoções/tensões vividas naquele contexto.
IV – CAUSAS/EFEITOS DESTA NOVA EMBOSCADA
Fur. Milº Carda com armas apreendidas IN |
Mas, porque não foi isso que aconteceu, lamentavelmente,
este segundo episódio na Ponta Coli, acabaria por marcar os tempos seguintes,
influenciando os comportamentos, o estado de espírito individual e colectivo,
com reflexos no humor e na disponibilidade para grandes farras. No entanto, não
deixámos de cantar os parabéns ao aniversariante, na messe de oficiais, e de
comer uma fatia do seu bolo, um pouco rijo, mas ainda próprio para consumo. Do
que me lembro desse momento, posso afiançar de que não sobrou nem uma migalha.
A bebida consumida nessa noite, um pouco
mais longa do que em noites anteriores, pois foi decidido desligar o gerador produtor
de energia, uma vez que se equacionou a possibilidade de acontecerem
represálias pela ocorrência da manhã, resultou da fusão do líquido de várias
garrafas existentes no bar, vulgo cocktail,
servido em baixela (prateada) de aço inox, mas que não me caiu nada bem. Andei
uma semana a beber água Perrier, passe a publicidade.
Assim, eis algumas causas/efeitos deste
acontecimento.
Uma
primeira causa/efeito de mais um episódio negativo registado no
seio da CART 3494 foi a tomada de
consciência colectiva de que não se podia facilitar, fosse qual fosse a
circunstância ou o contexto, tendo como exemplos as duas emboscadas na estrada
Xime-Bambadinca e o naufrágio no Rio Geba, todos eles provocando baixas
humanas, factos ocorridos, curiosamente, com intervalos de cento e dez dias
entre si.
Uma
segunda causa/efeito deste acontecimento terá contribuído para
que um ano depois desta segunda emboscada, certamente para vingar o aí ocorrido
doze meses antes, onde os guerrilheiros registaram um forte revés, estes tenham
decidido voltar a atacar o aquartelamento do Xime, agora tendo por residentes
os militares da CCAÇ 12, uma unidade
africana.
Este ataque do IN, o mais severo e
violento de todos os efectuados até então, iniciado pela calada da noite, eram
22:15 e que durou cerca de meia hora, e que eu próprio não só o ouvi à
distância, como assisti aos clarões provocados pelas detonações das diferentes
armas pesadas utilizadas, uma vez que me encontrava instalado nos espaços
circundantes da nova Ponte sobre o Rio Udunduma, situada entre a população de Amedalai
e Bambadinca, na estrada do Xime, em missão de segurança permanente. Nesse
local acabaria por contabilizar uma estadia de cerca de cento e sessenta dias,
ou seja, cinco meses e meio.
Constou-se que para esse ataque com
armas pesadas foram mobilizados todos os recursos existentes na zona por parte
do PAIGC, nos quais se incluíam foguetões 122 mm. Estes acabaram por provocar
alguns estragos, sobretudo na zona das moranças dos civis do Xime, tendo dois
deles atingindo uma delas, que ficou totalmente destruída, com os seus sete
ocupantes mortos.
Uma
terceira causa/efeito (dupla) desta emboscada, particularmente
para os dois ex-militares feridos em combate, este seria um acontecimento que
haveria de produzir sequelas incuráveis ao longo de suas vidas, em todas as
dimensões humanas: físicas, psicológicas, sociais e económicas. Por via desse
episódio, estes ex-combatentes foram premiados ad eternum com
o estatuto de «abandonados», o que é francamente injusto, ingrato, pouco ético,
nada moral, em suma, um crime execrável.
No primeiro caso, o ex-soldado Carlos Alberto
Cunha, depois de ter sido assistido no Hospital Militar de Bissau e de ter
transitado para o Hospital Militar de Lisboa, onde, decorrido algum tempo,
obteve alta, passando à disponibilidade. Porém, nunca mais pode exercer a sua
actividade profissional, em função do seu grau de incapacidade física. Por
falta de acordo quanto à atribuição do estatuto de invalidez, o seu processo
transitou para julgamento no Tribunal Judicial de Coimbra, desconhecendo (eu)
qual o seu veredicto. Até há bem pouco tempo a situação era de impasse.
No segundo caso, o ex-soldado Mário
Rodrigues Nascimento foi encontrado, no início deste ano, a vaguear pelas ruas
da Figueira da Foz. Interpelado por uma Assistente Social, funcionária da
Autarquia Local, sobre o seu passado, apenas se lembrava de ter sido ferido em
combate no Xime e de ter pertencido à CART
3494. Esta técnica lembrou-se, com efeito, de contactar com a Delegação de
Coimbra da Liga dos Combatentes, pedindo ajuda. Esta Instituição de apoio aos
ex-militares, por sua vez, entrou em rede com vários elementos da Companhia referenciados
no nosso blogue, o que conduziu à abertura de um processo visando a sua
integração em Instituição de Solidariedade Social naquela localidade, de modo a
alterar a sua condição de vida - um “sem
abrigo” -, situação absolutamente degradante para qualquer ser humano, e em
particular para este nosso camarada, ex-combatente, que fora gravemente ferido
em combate no cumprimento de um dever nacional.
Curiosamente, a sua residência conhecida,
extraída dos registos dos Serviços Públicos, refere que era na Rua do Viso, por
sinal a mesma rua onde os meus avós tinham uma casa, e onde eu, nos distantes
tempos de criança, lá passava uma parte significativa das férias grandes de
verão, bastando atravessar a avenida do Grande Hotel da Figueira (Av. 25 de
Abril), para estar na praia.
Finalmente, neste dia 01.Dez.1972, tomei conhecimento que o
nosso segundo CMDT da Companhia, o Cap. Art. António José Pereira da Costa
(agora Coronel na Reserva) tinha sido transferido para a CART 3567, estacionada
em Mansabá, facto ocorrido durante as nossas férias, sendo substituído, então,
pelo Cap. Mil. Luciano de Carvalho Costa, o terceiro e último CMDT da
Companhia, cargo que ocupou até ao final da nossa Comissão de Serviço.
Segundo julgo saber, a ordem/nota da
transferência foi-lhe comunicada no dia 10.Nov.1972, exactamente no dia em que,
na Metrópole, em Moscavide, comemorava o meu vigésimo segundo aniversário. O
desenlace com a CART 3494 aconteceu
no dia seguinte – 11.Nov. (Dia de S. Martinho), um marco mais na história da
sua vida … militar.
Chegado ao fim deste segundo episódio
relacionado com os factos reais ocorridos na estrada Xime/Bambadinca, vividos
por alguns ex-combatentes da CART 3494,
no local designado por Ponta Coli, damos por encerrado este tema, esperando que
o modo e os conteúdos da sua narração, feitos na primeira pessoa, partindo de
experiências concretas, tenham permitido, por um lado, esclarecer dúvidas em
aberto e, por outro, aglutinar algumas das ideias que andavam dispersas.
Contudo, estou convicto que outros
relatos, seguindo a mesma metodologia, seriam não só bem-vindos como ajudariam
no aprofundamento da sua historiografia.
Está, desde já, feito o convite a todos
os membros da CART 3494, também
conhecidos por Fantasmas do Xime.
Um grande abraço para todos, e até à
próxima história.
Jorge Araújo.
Abril/2012.
Abril/2012.
1 comentário:
Gosto de ver por aqui alguém que se refere aos elementos dos exércitos de libertação como (IN e/ou Guerrilheiros) e não como (bandidos; assassinos e terroristas).
Bem hajas.
Abraço.
José Luis Moreira Jorge,
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