Publico com as devidas vénias ao jornal EXPRESSO, mais um caso de um ex. combatente, fuzileiro das forças armadas portuguesas, abandonado, andou 20 anos fugido para não ser fuzilado, ainda mantém a esperança que os companheiros e o governo português o vão buscar e trazê-lo para Portugal.
SC
16.09.2015 18h59
Há quase meio século que um homem espera sentado numa canoa na margem do rio Corubal. Não tem nada. Apenas a mágoa de ter sido abandonado, uma revista antiga e um velho cartão de combatente. Espera pelos antigos companheiros que o venham buscar, junto às águas que servem de cemitério para dezenas de portugueses
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5 DE FEVEREIRO DE 1969, CHECHE
Aquele rio parece calmo. Mas tem mortos e vivos que querem
ser levados para cá. Em fevereiro de 1969, nove meses após ter sido nomeado
governador militar da Guiné, Spínola manda retirar de Madina do Boé. Era um esforço
militar inútil. Um quartel isolado a sul de Nova Lamego (hoje, Gabu), cortado
por um rio, constantemente fustigado pelo PAIGC, colado à fronteira com
Conacri. Essa pequena língua de terra não valia o esforço militar. Mas a
travessia do rio Corubal iria ficar associada a uma das maiores tragédias
militares portuguesas. E Madina do Boé seria o local onde se proclamaria
unilateralmente a independência, em 1973.
Ainda hoje é uma longa e penosa viagem até à passagem do
rio Corubal. De Bissau aponta-se a Leste até Gabu e é tudo alcatrão. Umas
horas de viagem. Depois, em pista de terra vermelha, vira-se a sul de Conacri
para Cheche. Queríamos chegar a Madina do Boé. Mais precisamente ao antigo
quartel e ao monumento da independência que lá dizem existir. Mas o Corubal
não quis. Do lado de lá está a jangada que consegue transportar viaturas.
Mas não atravessa porque o rio está cheio e a corrente forte de mais. Só em
outubro. E o que atravessa? São canoas, escavadas a um tronco, com um remador.
Levam até motorizadas, mulheres com bebés. É uma operação de risco. O
remador avança furiosamente em direção a montante e é arrastado pela
corrente até um ponto neutro. Depois desse ziguezague é preciso repetir a
operação até conseguir chegar à margem de lá. Uns 200 metros.
Alfredo Cunha
É assim que se percebe o poder brutal da corrente do
Corubal, que levou a vida a 47 militares portugueses na noite de 5 para 6 de
fevereiro de 1969. A companhia de Caçadores 1790 já tinha percorrido os 30
quilómetros entre o quartel e a margem, com forte apoio aéreo para não ser
atacada. O atravessamento do material militar e das viaturas foi feito
exatamente com pirogas dessas, com lacas de madeira e um zebro de borracha a
empurrar. Foram 28 viaturas pesadas, 100 toneladas de munições, três
autometralhadoras e 500 homens. Já de madrugada, na última passagem, quando a
jangada vinha carregada de homens, o comandante da operação decide mandar
umas morteiradas para uns alegados locais do PAIGC. Os homens a meio do rio
entram em pânico por não saberem de onde vem a fogachada. A barcaça começa
a cuspir homens vestidos e carregados de munições. Morreram 47. A maioria
ficou para sempre naquele rio. Alguns foram enterrados nas margens.
Antigo Fuzileiro português com um exemplar da revista "Combatente"
Alfredo Cunha
E, contudo, há ali um que espera que o venham buscar. Está sentado numa canoa. Aliás, disse-o logo: “Sou fuzileiro especial português Silai, curso NATO, quero ir para Portugal. Estou à espera que me venham buscar.” Esta é uma das muitas histórias que se misturam em remoinho na margem do rio Corubal. Não tem nada. Ou melhor, tem mágoa por ter sido abandonado pelos seus camaradas fuzileiros. Mostra uma revista “Combatente” já muito usada com uma foto de uma reunião de antigos ‘fuzos’ da Guiné: “Somos colegas.” Esteve fugido 20 anos para não ser morto. “Andei pelo Burkina Faso.” E o Burkina é muito longe.
E chegam outras pessoas que querem contar histórias. No início, nada. Agora saem como numa nascente de água, às golfadas. Sobre a morte dos portugueses. De como nos dias seguintes à tragédia apareceram uns helicópteros e não conseguiram levantar os corpos do rio, de como durante anos aparecerem malas e objetos...
Vê aqui vídeo: http://expresso.sapo.pt/internacional/2015-09-16-Um-fuzo-esquecido-junto-aos -mortos-do-Corubal
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