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quarta-feira, 28 de outubro de 2015

P248 - O EMBARQUE EM LISBOA [BASE MILITAR DE FIGO MADURO] E O PRIMEIRO PERÍODO DE FÉRIAS NA METRÓPOLE EM OUTUBRO DE 1972 [HÁ QUARENTA E TRÊS ANOS]

Mensagem do nosso amigo Jorge Araújo que foi Fur. Milº Op. Especiais (Ranger) com data de 23 de Outubro de 2015.


Caríssimos Camaradas Sousa de Castro
Os meus melhores cumprimentos.
Por efeito de nova visita ao baú de memórias, e na linha temática da minha última narrativa, seleccionei meia-dúzia de imagens com mais de quatro décadas e recuperei mais duas efemérides que marcaram aquele nosso tempo do projecto militar: a mobilização e respectivo embarque, e o primeiro período de férias passadas na Metrópole, iniciadas em 24OUT1972, faz hoje quarenta e três anos.
É obra!
Obrigado e felicidades com muita saúde.
Jorge Araújo.

Outubro/2015



GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
A MOBILIZAÇÃO PARA A GUINÉ –– CART 3494
- O EMBARQUE EM LISBOA [BASE MILITAR DE FIGO MADURO]
E O PRIMEIRO PERÍODO DE FÉRIAS NA METRÓPOLE

EM OUTUBRO DE 1972 [HÁ QUARENTA E TRÊS ANOS] -

1. - INTRODUÇÃO
Eis mais duas efemérides que me proponho partilhar convosco, resumidas nesta pequena narrativa histórica. A primeira surge na sequência da respectiva mobilização ultramarina publicada na Ordem de Serviço do então RAP2, Vila Nova de Gaia, em 03JAN1972, com destino ao CTIGuiné, para completar o contingente da CART 3494, do BART 3873 [1971-1974], sediado em Bambadinca [P246]. A segunda decorre do primeiro período de férias passadas na Metrópole, entre 24 de Outubro e 27 de Novembro de 1972, faz agora quarenta e três anos.
Trata-se, naturalmente, de duas memórias de significado antagónico. A primeira tendo por pensamento, não a sabedoria que o contexto impunha nem tampouco a experiência feita por episódios anteriormente vivenciados naquele território africano banhado pelo Atlântico, lugar de misteriosas e desconhecidas matas “com olhos”, mas, tão só, uma elevada crença onde as expectativas deveriam orientar os nossos comportamentos, no sentido de gradativamente ficarmos mais habilitados a jogar aquele “jogo”, em nome da defesa da vida.
Este valor humano [o de viver] não era só uma questão pessoal, incluía também os meus pares ex-combatentes [e vice-versa], onde os desempenhos concertados em cada actividade [missão/acção], com alguma audácia à mistura, deveriam ser cumulativos ao permitir a aquisição de novos saberes e novos comportamentos, aprendendo com cada uma das diferentes experiências, visando obter os melhores resultados possíveis, nestes se incluindo justamente os conceitos de superação e de transcendência, sinónimos de sobrevivência.
Lamentavelmente, no final, este objectivo colectivo não foi conseguido na totalidade.
A segunda como possibilidade de retorno às origens, ainda que com duração efémera traduzida em trinta e cinco dias, que passaram depressa, e com recurso a bens económicos próprios, visando repor/recuperar os deficits físicos e psicológicos por efeito de sete meses de intensa e exigente actividade militar numa zona de grande complexidade [como bem sabem todos aqueles que por lá passaram, antes e depois de nós], como era o exemplo do Xime.
De entre os registos historiográficos desse primeiro período destacam-se: a 1.ª emboscada à Ponta Coli [22ABR1972], a morte de Mário Mendes na Ponta Varela [25MAI1972], o Naufrágio no Rio Geba [10AGO1972] e os diferentes ataques ao Aquartelamento e ao Enxalé, todos eles já aqui referenciados com razoável detalhe.
2.O EMBARQUE LISBOA-BISSAU EM 23MAR1972
Cumpridos os procedimentos administrativos que antecederam o embarque para o CTIG,
como seja a vacinação obrigatória efectuada no Hospital do Ultramar, sito na Junqueira, Freguesia de Alcântara [Lisboa], uma unidade de saúde que, a par do Instituto de Medicina Tropical [IMT], funcionavam na dependência do Ministério da Marinha e Ultramar e que se destinavam a dar assistência médica aos funcionários civis e militares em trânsito, de e para o Ultramar Português, incluindo os casos com doenças tropicais e infecciosas.
Entretanto, por efeito da aprovação do Decreto-Lei n.º 47102, de 16JUL1966, o IMT daria lugar à nova Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical [ENSPMT], continuando esta a estar inserida no complexo do Hospital do Ultramar. Depois do 25 de Abril de 1974, mais propriamente em 05 de Outubro desse ano, o Hospital do Ultramar passou a designar-se por Hospital Egas Moniz no âmbito das comemorações do centenário do nascimento do médico, neurologista e investigador português, natural de Estarreja, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz [1874-1955], galardoado em 1949 com o Nobel de Fisiologia ou Medicina, prémio partilhado com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess [1881-1973], “pela descoberta da relevância da leucotomia (lobotomia) pré-frontal no tratamento de certas doenças mentais”.
Capas dos boletins de vacinas
De referir que o Nobel da Fisiologia ou Medicina, um dos prémios internacionais de investigação científica instituídos pelo sueco Alfred Bernhard Nobel [1833-1896] desde 1901, é atribuído anualmente pelo Instituto Karolinska, situado em Solna, arredores de Estocolmo [Suécia]. Este Instituto sueco, que foi criado em 1811 como centro de treino para cirurgiões do exército, chamava-se inicialmente Medico-Chirurgiska Institutet, sendo no presente a única Universidade de Medicina existente na Suécia. Ele está associado ao Hospital Universitário Karolinska, e daí ser considerado como uma das maiores universidades médicas da Europa.
Concluído o processo de vacinação sem efeitos secundários e expirados os dias de férias atribuídos no processo de mobilização, eis que é chegado o dia «D» – o da despedida – e, concomitantemente, o da partida aprazada para 23 de Março de 1972, uma 5.ª feira.
Depois de um jantar [bem acompanhado] no Restaurante-Cervejaria Solmar, nas Portas de Santo Antão [passe a publicidade], e uma noite sem dormir, obviamente, desloquei-me pelas 08:00 horas ao Aeroporto [Base] Militar de Figo Maduro, ali bem perto da minha casa em Moscavide, onde um Boeing-707 dos Transportes Aéreos Militares [TAM] me/nos aguardava, preparado para voar com mais um contingente militar de cento e noventa milicianos, entre oficiais, sargentos e praças, rumo ao aeroporto de Bissalanca, em Bissau.
Destes, a maioria seguia em situação de rendição individual, com o objectivo de substituir outros camaradas/combatentes por motivos diferentes: fim da comissão, ferimentos em combate ou, ainda, casos de morte. Esta última situação era dramática e altamente emotiva para quem dela tinha conhecimento antecipado.
Foto 2. Figo Maduro (23MAR1972). Grupo de familiares presentes na despedida para o CTIG (imagem pouco nítida).
Foto 3. Figo Maduro (23MAR1972). Grupo de Militares escalando os últimos degraus rumo ao interior do transporte aéreo que, minutos depois, os levaria até Bissau.
3.AS PRIMEIRAS FÉRIAS NA METRÓPOLE - DE 24OUT A 27NOV72
Durante os primeiros meses no Xime, onde cheguei algumas semanas depois de aí ter ficado aquartelada a CART 3494 vinda de Bolama, onde realizou o seu IAO durante o mês de Janeiro de 1972, não fazia a menor ideia de qual seria o melhor período para agendar férias, particularmente por ter/termos de cumprir, no mínimo, dois anos de comissão.
Aos poucos foram-se afinando as ideias sobre esse tema, entre Sargentos e Oficiais da Companhia, ficando definitivamente acordado que o primeiro grupo a marcar férias só o poderia fazer após estarem concluídos os primeiros seis meses de comissão, de acordo com as normas então em vigor.
A gestão do tempo foi-se fazendo com maior ou menor dificuldade, e em finais de Setembro decidi considerar com uma excelente hipótese balizar o primeiro período de férias de modo a fazê-lo coincidir com o meu aniversário [10NOV]. E assim foi. Da análise ao competente plano de férias global, eu, o Espadinha Carda [furriel do 3.º GComb] e o Mendes Pinto [furriel do Serv. Mat.], acordamos viajar em grupo, reservando o voo para a Metrópole para 24 de Outubro (3.ª feira) e o regresso a Bissau para 27 de Novembro de 1972 (2.ª feira).
Dois dias antes fizemos a viagem Xime-Bissau por via marítima, ficando hospedados [se a memória não me atraiçoa] no Hotel-Cervejaria Miramar, a tal cervejaria das ostras «***** estrelas», em que cada travessa custava vinte e cinco pesos. 
Foto 4. Bissau (23OUT1972). O Mendes Pinto, o Espadinha Carda e o Jorge Araújo, mentalizando-se para a sua primeira viagem de férias na Metrópole.
Foto 5. Bissau (23OUT1972). Na marginal, junto ao monumento ícone da epopeia dos Descobrimentos Portugueses do século XV, inaugurado em 1960 em comemoração do quinto centenário da morte do Infante D. Henrique [1394-1460]. 
Foto 6. Bissau (23OUT1972). No jardim da marginal, depois de ter liquidado o valor da viagem de avião entre Bissau/Lisboa/Bissau, e ter na minha posse os respectivos bilhetes.
Foto 7. Bissau (24OUT1972). Aeroporto de Bissalanca (Marechal Craveiro Lopes), aguardando o momento de embarque.
Foto 8. Bissau (24OUT1972). Aeroporto de Bissalanca (Marechal Craveiro Lopes), a caminho do Boeing-707 da TAP, rumo a Lisboa, com três “necessaire”, um de cada elemento do grupo, oferta da Agência de Viagens.
Chegado ao aeroporto de Lisboa era aguardado pelos familiares mais próximos, seguindo depois para a minha residência em Moscavide. Os primeiros dias foram de completa readaptação aos espaços, particularmente no que concerne ao trânsito intenso na capital, aos semáforos e às passadeiras, aos cheiros, aos ruídos; em suma, a quase tudo.
Os dias passaram a ser, gradualmente, mais tranquilos, com os familiares a não perderem a oportunidade de colocarem questões sobre a realidade por mim vivida até então na Guiné, transmitindo-me, nessas ocasiões, os seus medos, expectativas e ansiedades, mas também procurando saber mais como era a sua gente, o seu ambiente, o seu clima, a sua organização social, os seus consumos, o que era perfeitamente natural e normal naquele contexto e naquela época.
Os amigos, alguns mais velhos, que tinham já vivido experiências semelhantes nos diferentes cenários ultramarinos, davam-me conselhos, sugestões e outras dicas visando ajudar-me a ultrapassar eventuais dificuldades.
Fora deste ambiente, e uma vez que o ex-Alf. Mil. Maurício Viegas, também ele natural e Lisboa, e que havia chegado ao Xime em Junho de 1972 em rendição individual para comandar o 20.º Pelotão de Artilharia, sugeriu-me que visitasse os seus pais, residentes na Freguesia da Ajuda, facultando-me a sua morada, o que respeitei. Daí ter agendado um encontro com eles levando-lhes as naturais saudades e palavras de conforto e ânimo para resistirem ao tempo que ainda faltava para a conclusão da sua Comissão de Serviço, pois contabilizava à data uns escassos quatro meses.
Na sequência do primeiro contacto presencial, aceitei a proposta de com eles almoçar, ficando também combinada uma sessão de slides [meus] visando uma aproximação à realidade por parte daqueles que, estando longe do seu filho, agora na condição de militar/combatente, gostavam de ver as suas paisagens, as suas gentes, as lavadeiras, as beijudas e outros ícones da cultura guineense, e que para mim era o contexto para onde teria de voltar alguns dias depois.
Como um dos tios do ex-Alf. Maurício Viegas era pasteleiro [mestre de renome em doçaria], e o sobrinho comemorava mais um aniversário no dia 01DEC, pediu-me para ser portador de um bolo especial para esse dia de anos, confeccionado com uma substância que permitia aguentar os dias em falta até à chegada ao mato. No dia 26NOV1972, véspera da partida, lá fomos buscar o bolo ao Bairro da Boa-Hora, fazendo votos para que ele chegasse inteiro ao seu destinatário.
Embarquei no dia seguinte prometendo voltar, logo que possível, para um segundo período de férias.
Regressado a Bissau no dia 27NOV1972, 2.ª feira, desci à terra e tomei consciência de que as férias tinham acabado e que o principal objecto que teria em mãos, a partir de então, era outro, mais sério e problemático do que nunca.
Cheguei ao aquartelamento do Xime dois dias após a saída de Lisboa, ou seja em 29NOV1972, 4.ª feira, por volta das 17.00 horas. Mas, como tinha feito a totalidade da viagem ao sol [Geba], pois a embarcação civil navegava a céu aberto, logo sem sombras, essa noite foi passada num estado febril em crescendo. Antes, porém, tive a oportunidade de entregar ao ex-Alf. Maurício Viegas, o bolo de aniversário que me tinham pedido para lhe trazer. O dia seguinte foi passado na cama, aguardando que as drogas produzidas no Laboratório Militar, prescritas pelo meu camarada mezinho, ex-Fur. Mil. Enfº Carvalhido da Ponte, fizessem o seu efeito.
O dia seguinte, 01DEC1972, 6.ª feira, voltou a ser um dia diferente, com muitas emoções/tensões, em função de nova emboscada [a 2.ª] à Ponta Coli. Sobre este acontecimento ver P152.
Foto 9. Xime (1998) – Estrada Bambadinca-Xime. O espaço à esquerda da imagem era designado por “Ponta Coli”, local onde ocorreram as duas emboscadas perpetradas pelo PAIGC ao efectivo da CART 3494 [4.º GComb], em 22ABR1972 e 01DEC1972, com baixas de ambos os lados.
[foto do camarada ex-Alf. Mil Acácio Correia, datada de 1998, e obtida durante uma visita realizada por um grupo de ex-combatentes da Companhia à Guiné-Bissau, com a devida vénia].  
Concluída esta pequena narrativa histórica, despeço-me com amizade, prometendo voltar logo que possível com outras memórias da nossa passagem pelo CTIG.

Com um forte abraço e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

24OUT2015.


Fontes do ponto 2:

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