Os
meus melhores cumprimentos.
Por
efeito de nova visita ao baú de memórias, e na linha temática da minha última
narrativa, seleccionei meia-dúzia de imagens com mais de quatro décadas e recuperei
mais duas efemérides que marcaram aquele nosso tempo do projecto militar: a
mobilização e respectivo embarque, e o primeiro período de férias passadas na
Metrópole, iniciadas em 24OUT1972, faz hoje quarenta e três anos.
É
obra!
Obrigado
e felicidades com muita saúde.
Jorge
Araújo.
Outubro/2015
GUINÉ
Jorge
Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
A MOBILIZAÇÃO PARA A
GUINÉ –– CART 3494
- O
EMBARQUE EM LISBOA [BASE MILITAR DE FIGO MADURO]
E O
PRIMEIRO PERÍODO DE FÉRIAS NA METRÓPOLE
EM OUTUBRO
DE 1972 [HÁ QUARENTA E TRÊS ANOS] -
1. - INTRODUÇÃO
Eis mais duas efemérides que me proponho
partilhar convosco, resumidas nesta pequena narrativa histórica. A primeira surge
na sequência da respectiva mobilização ultramarina publicada na Ordem de
Serviço do então RAP2, Vila Nova de Gaia, em 03JAN1972, com destino ao CTIGuiné,
para completar o contingente da CART
3494, do BART 3873 [1971-1974], sediado em Bambadinca [P246]. A segunda decorre
do primeiro período de férias passadas na Metrópole, entre 24 de Outubro e 27
de Novembro de 1972, faz agora quarenta e três anos.
Trata-se, naturalmente, de duas memórias
de significado antagónico. A primeira tendo por pensamento, não a sabedoria que
o contexto impunha nem tampouco a experiência feita por episódios anteriormente
vivenciados naquele território africano banhado pelo Atlântico, lugar de
misteriosas e desconhecidas matas “com olhos”, mas, tão só, uma elevada crença
onde as expectativas deveriam orientar os nossos comportamentos, no sentido de
gradativamente ficarmos mais habilitados a jogar aquele “jogo”, em nome da defesa
da vida.
Este valor humano [o de viver] não era só uma
questão pessoal, incluía também os meus pares ex-combatentes [e vice-versa],
onde os desempenhos concertados em cada actividade [missão/acção], com alguma
audácia à mistura, deveriam ser cumulativos ao permitir a aquisição de novos
saberes e novos comportamentos, aprendendo com cada uma das diferentes
experiências, visando obter os melhores resultados possíveis, nestes se
incluindo justamente os conceitos de superação e de transcendência, sinónimos
de sobrevivência.
Lamentavelmente, no final, este objectivo colectivo
não foi conseguido na totalidade.
A segunda como possibilidade de retorno às
origens, ainda que com duração efémera traduzida em trinta e cinco dias, que
passaram depressa, e com recurso a bens económicos próprios, visando repor/recuperar
os deficits físicos e psicológicos por
efeito de sete meses de intensa e exigente actividade militar numa zona de
grande complexidade [como bem sabem todos aqueles que por lá passaram, antes e
depois de nós], como era o exemplo do Xime.
De entre os registos historiográficos
desse primeiro período destacam-se: a 1.ª emboscada à Ponta Coli [22ABR1972], a
morte de Mário Mendes na Ponta Varela [25MAI1972], o Naufrágio no Rio Geba
[10AGO1972] e os diferentes ataques ao Aquartelamento e ao Enxalé, todos eles já
aqui referenciados com razoável detalhe.
2. – O
EMBARQUE LISBOA-BISSAU EM 23MAR1972
Entretanto, por efeito da aprovação do
Decreto-Lei n.º 47102, de 16JUL1966, o IMT
daria lugar à nova Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical
[ENSPMT], continuando esta a estar inserida no complexo do Hospital do
Ultramar. Depois do 25 de Abril de 1974, mais propriamente em 05 de Outubro
desse ano, o Hospital do Ultramar passou a designar-se por Hospital Egas Moniz no âmbito das comemorações do centenário do
nascimento do médico, neurologista e investigador português, natural de
Estarreja, António Caetano de Abreu Freire Egas
Moniz [1874-1955], galardoado em 1949 com o Nobel de Fisiologia ou
Medicina, prémio partilhado com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess [1881-1973], “pela
descoberta da relevância da leucotomia (lobotomia) pré-frontal no tratamento de
certas doenças mentais”.
Capas dos boletins de vacinas
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De referir que o Nobel da Fisiologia ou
Medicina, um dos prémios internacionais de investigação científica instituídos
pelo sueco Alfred Bernhard Nobel
[1833-1896] desde 1901, é atribuído anualmente pelo Instituto Karolinska, situado em Solna, arredores de Estocolmo [Suécia]. Este
Instituto sueco, que foi criado em 1811 como centro de treino para cirurgiões
do exército, chamava-se inicialmente Medico-Chirurgiska Institutet, sendo no presente a única
Universidade de Medicina existente na Suécia. Ele está associado ao Hospital
Universitário Karolinska, e
daí ser considerado como uma das maiores universidades médicas da Europa.
Concluído o processo de vacinação sem
efeitos secundários e expirados os dias de férias atribuídos no processo de
mobilização, eis que é chegado o dia «D» – o da despedida – e,
concomitantemente, o da partida aprazada para 23 de Março de 1972, uma 5.ª
feira.
Depois de um jantar [bem acompanhado] no
Restaurante-Cervejaria Solmar, nas Portas de Santo Antão [passe a publicidade],
e uma noite sem dormir, obviamente, desloquei-me pelas 08:00 horas ao Aeroporto
[Base] Militar de Figo Maduro, ali bem perto da minha casa em Moscavide, onde
um Boeing-707 dos Transportes Aéreos Militares [TAM] me/nos aguardava, preparado
para voar com mais um contingente militar de cento e noventa milicianos, entre
oficiais, sargentos e praças, rumo ao aeroporto de Bissalanca, em Bissau.
Destes, a maioria seguia em situação de
rendição individual, com o objectivo de substituir outros camaradas/combatentes
por motivos diferentes: fim da comissão, ferimentos em combate ou, ainda, casos
de morte. Esta última situação era dramática e altamente emotiva para quem dela
tinha conhecimento antecipado.
Foto 2. Figo Maduro (23MAR1972).
Grupo de familiares presentes na despedida para o CTIG (imagem pouco nítida).
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Foto 3. Figo
Maduro (23MAR1972). Grupo de Militares escalando os últimos degraus rumo ao
interior do transporte aéreo que, minutos depois, os levaria até Bissau.
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3. – AS
PRIMEIRAS FÉRIAS NA METRÓPOLE - DE 24OUT A 27NOV72
Durante os primeiros meses no Xime, onde
cheguei algumas semanas depois de aí ter ficado aquartelada a CART 3494 vinda de Bolama, onde
realizou o seu IAO durante o mês de Janeiro de 1972, não fazia a menor ideia de
qual seria o melhor período para agendar férias, particularmente por ter/termos
de cumprir, no mínimo, dois anos de comissão.
Aos poucos foram-se afinando as ideias sobre
esse tema, entre Sargentos e Oficiais da Companhia, ficando definitivamente
acordado que o primeiro grupo a marcar férias só o poderia fazer após estarem
concluídos os primeiros seis meses de comissão, de acordo com as normas então
em vigor.
A gestão do tempo foi-se fazendo com maior ou
menor dificuldade, e em finais de Setembro decidi considerar com uma excelente
hipótese balizar o primeiro período de férias de modo a fazê-lo coincidir com o
meu aniversário [10NOV]. E assim foi. Da análise ao competente plano de férias
global, eu, o Espadinha Carda [furriel do 3.º GComb] e o Mendes Pinto [furriel
do Serv. Mat.], acordamos viajar em grupo, reservando o voo para a Metrópole
para 24 de Outubro (3.ª feira) e o regresso a Bissau para 27 de Novembro de
1972 (2.ª feira).
Dois dias antes fizemos a viagem Xime-Bissau
por via marítima, ficando hospedados [se a memória não me atraiçoa] no
Hotel-Cervejaria Miramar, a tal cervejaria das ostras «***** estrelas», em que
cada travessa custava vinte e cinco pesos.
Foto 4. Bissau (23OUT1972). O Mendes
Pinto, o Espadinha Carda e o Jorge Araújo, mentalizando-se para a sua primeira
viagem de férias na Metrópole.
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Foto 6. Bissau (23OUT1972). No
jardim da marginal, depois de ter liquidado o valor da viagem de avião entre
Bissau/Lisboa/Bissau, e ter na minha posse os respectivos bilhetes.
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Foto 7. Bissau (24OUT1972).
Aeroporto de Bissalanca (Marechal Craveiro Lopes), aguardando o momento de
embarque.
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Chegado ao aeroporto de Lisboa era
aguardado pelos familiares mais próximos, seguindo depois para a minha
residência em Moscavide. Os primeiros dias foram de completa readaptação aos
espaços, particularmente no que concerne ao trânsito intenso na capital, aos
semáforos e às passadeiras, aos cheiros, aos ruídos; em suma, a quase tudo.
Os dias passaram a ser, gradualmente, mais
tranquilos, com os familiares a não perderem a oportunidade de colocarem
questões sobre a realidade por mim vivida até então na Guiné, transmitindo-me,
nessas ocasiões, os seus medos, expectativas e ansiedades, mas também
procurando saber mais como era a sua gente, o seu ambiente, o seu clima, a sua
organização social, os seus consumos, o que era perfeitamente natural e normal
naquele contexto e naquela época.
Os amigos, alguns mais velhos, que tinham
já vivido experiências semelhantes nos diferentes cenários ultramarinos,
davam-me conselhos, sugestões e outras dicas visando ajudar-me a ultrapassar
eventuais dificuldades.
Fora deste ambiente, e uma vez que o
ex-Alf. Mil. Maurício Viegas, também ele natural e Lisboa, e que havia chegado
ao Xime em Junho de 1972 em rendição individual para comandar o 20.º Pelotão de
Artilharia, sugeriu-me que visitasse os seus pais, residentes na Freguesia da
Ajuda, facultando-me a sua morada, o que respeitei. Daí ter agendado um
encontro com eles levando-lhes as naturais saudades e palavras de conforto e ânimo
para resistirem ao tempo que ainda faltava para a conclusão da sua Comissão de
Serviço, pois contabilizava à data uns escassos quatro meses.
Na sequência do primeiro contacto
presencial, aceitei a proposta de com eles almoçar, ficando também combinada
uma sessão de slides [meus] visando uma aproximação à realidade por parte
daqueles que, estando longe do seu filho, agora na condição de militar/combatente,
gostavam de ver as suas paisagens, as suas gentes, as lavadeiras, as beijudas e
outros ícones da cultura guineense, e que para mim era o contexto para onde
teria de voltar alguns dias depois.
Como um dos tios do ex-Alf. Maurício Viegas
era pasteleiro [mestre de renome em doçaria], e o sobrinho comemorava mais um
aniversário no dia 01DEC, pediu-me para ser portador de um bolo especial para
esse dia de anos, confeccionado com uma substância que permitia aguentar os
dias em falta até à chegada ao mato. No dia 26NOV1972, véspera da partida, lá
fomos buscar o bolo ao Bairro da Boa-Hora, fazendo votos para que ele chegasse
inteiro ao seu destinatário.
Embarquei no dia seguinte prometendo
voltar, logo que possível, para um segundo período de férias.
Regressado a Bissau no dia 27NOV1972, 2.ª
feira, desci à terra e tomei consciência de que as férias tinham acabado e que
o principal objecto que teria em mãos, a partir de então, era outro, mais sério
e problemático do que nunca.
Cheguei ao aquartelamento do Xime dois
dias após a saída de Lisboa, ou seja em 29NOV1972, 4.ª feira, por volta das
17.00 horas. Mas, como tinha feito a totalidade da viagem ao sol [Geba], pois a
embarcação civil navegava a céu aberto, logo sem sombras, essa noite foi
passada num estado febril em crescendo. Antes, porém, tive a oportunidade de
entregar ao ex-Alf. Maurício Viegas, o bolo de aniversário que me tinham pedido
para lhe trazer. O dia seguinte foi passado na cama, aguardando que as drogas
produzidas no Laboratório Militar, prescritas pelo meu camarada mezinho, ex-Fur.
Mil. Enfº Carvalhido da Ponte, fizessem o seu efeito.
O dia seguinte, 01DEC1972, 6.ª feira, voltou
a ser um dia diferente, com muitas emoções/tensões, em função de nova emboscada
[a 2.ª] à Ponta Coli. Sobre este acontecimento ver P152.
Concluída esta pequena narrativa histórica,
despeço-me com amizade, prometendo voltar logo que possível com outras memórias
da nossa passagem pelo CTIG.
Com um forte abraço e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
24OUT2015.
Fontes do ponto 2:
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