MSG de Jorge Araújo com data de 10MAR2016
Caríssimo
Camarada Sousa de Castro
Os
meus melhores cumprimentos.
Independentemente
de termos chegado ao CTIG nove anos após o início do conflito armado naquele
território, constatámos a existência de problemas que já tinham sido identificados
em 1963 pelo Coronel Louro de Sousa, então Comandante-Chefe militar.
Ainda
que o texto tenha tido origem num tema abordado recentemente no blogue
luisgraca&camaradasdaguine, ele teve por objectivo, como os anteriores, o
de ser partilhado neste espaço da nossa Companhia.
Eis,
então, o meu contributo histórico sobre esse tema, que continua em aberto.
Com
um forte abraço de amizade.
Jorge
Araújo.
MAR’2016
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
OS PROBLEMAS NO CTIG LOGO EM 1963
- Memórias de cá e de lá -
- – INTRODUÇÃO
As rotinas da minha continuada actividade
operacional, constituídas por missões/acções de obrigatória responsabilidade
diária, têm-me impedido de dizer “presente no imediato” aos apelos do BTG, como
eu gostaria que acontecesse. Mas, logo que a agenda o permite, lá vou ordenando
algumas letras que funcionam, também, como “prova de vida”. Assim, o caso em
apreço relacionado com o tema em título, ainda que com algum atraso, levou-me a
optar por uma triangulação entre memórias pessoais de cá e de lá, contributos
já divulgados no nosso Blogue e trabalhos de investigação que começam a surgir,
com mais frequência, sobre esta problemática.
Dito isto, espero contar com a vossa benevolência pelo facto de repetir
algumas ideias expressas anteriormente nos trabalhos citados, a começar pela investigação
histórica elaborada pelo nosso amigo José Matos, também ele membro da Tabanca
Grande, e que aqui foi reproduzida em duas partes [P15795 e P15796], e já publicada
na Revista Militar n.º 2566 de Novembro p.p., com o título “O início da Guerra
na Guiné (1961-1964) ”.
O artigo da autoria de José Matos acabou por suscitar o interesse e o
elogio dos que sobre ele se manifestaram, levando cada qual a produzir o seu
comentário de acordo com a sua perspectiva, sinal de que o tema [digo eu]
continuará em aberto.
Porém, o principal destaque recaiu na
avaliação feita pelo Coronel Fernando Louro de Sousa, na qualidade de novo
Comandante-Chefe da Guiné nomeado em finais de 1962 pelo Governo de Lisboa
[Oliveira Salazar], mas que só em 20 de Março de 1963 chegaria a Bissau, dois
meses depois do ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro, considerado
por todos os intervenientes [incluindo a literatura] como a data do início do
conflito armado naquele território ultramarino.
Seis meses após ter iniciado as suas funções, exclusivamente como
Comandante-Chefe, apresenta em Lisboa, em 4SET1963, uma exposição da situação
ao Conselho Superior Militar, enumerando um conjunto de problemas que
dificultavam a resposta das NT ao esforço de contra-subversão, a saber:
1. - Deficiente instrução das
tropas e quadros;
2. - Deficiente equipamento das
unidades no terreno;
3. - Falta de pessoal /
insuficiência de efectivos;
4. - Abastecimento (material,
munições, víveres e água);
5. - Falta de enquadramento /
aproveitamento militar dos guineenses;
6. - Instalações inadequadas;
7. - Cansaço das NT, sempre
ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole.
2. – ENTRE
AS MEMÓRIAS DESSA ÉPOCA E AS MINHAS
A eclosão do conflito armado na
Guiné que, mau grado, acabaria por ser o meu destino nove anos depois, na
condição de combatente miliciano, tem lugar quando tinha somente doze, ou dez
anos se considerar o início da insurreição armada em Angola, em 15MAR1961,
realizada pela UPA [União dos Povos de Angola], desconhecendo por completo, na
época, o que estava na génese de cada uma, apenas gravando o conceito “Guerra
do Ultramar”, com que foi baptizado. Frequentava, então, o Liceu Camões, a
segunda escola pública a ser construída em Lisboa, na Praça José Fontana, e
inaugurada em 16OUT1909, sendo a primeira o Liceu Passos Manuel, em 1836, e que
na sequência do «25 de Abril de 1974» passou a designar-se por Escola
Secundária de Camões, mudança de nome verificada, aliás, em todos os Liceus existentes
nessa época.
Nesse período o que mais me marcou e que ainda hoje
retenho daqueles ambientes carregados de emoção, muitas lágrimas e uma mancha
humana acenando com lenços brancos, foram as imagens dos embarques, na Rocha
Conde de Óbidos, dos diferentes contingentes de militares zarpando rumo a
Luanda, Bissau ou Lourenço Marques, então mais velhos do que eu nove/dez anos.
Cais da Rocha (1963 / há mais de meio século) – Imagem
(cinzenta como o ambiente) que se viria a tornar banal em Lisboa, uma vez que
passou a ser repetida tantas vezes quantos os embarques dos contingentes com jovens
milicianos (combatentes) realizados com destino a um dos três Teatros de
Operações (Angola, Guiné ou Moçambique). E foram largas centenas. Era o momento
da despedida reciproca e que para alguns foi para sempre… lamentavelmente. A
partir de 1971, passou a ser utilizado, também, o transporte aéreo através da
FAP, por ser mais rápido, cómodo e económico quando comparado com o marítimo
(foto de autor desconhecido).
Entretanto, a avaliação
provavelmente empírica de Louro de Sousa deveria ser reflexo daquele que terá
sido o primeiro grande PROBLEMA que se colocou aos responsáveis políticos da
época - os RECURSOS (quer os HUMANOS quer a competente LOGÍSTICA) - sempre
imprescindíveis em qualquer organização, de que a MILITAR não é excepção,
particularmente em contexto de guerra. E esses problemas não estavam
resolvidos… nem nunca estiveram.
De referir que o conceito de
logística, enquanto ramo autónomo da ciência militar, significa a arte do
planeamento e da execução de movimentos e sustentação de forças. Nela se inclui
um vasto conjunto de actividades complexas e interdisciplinares que vão desde a
sua concepção e desenvolvimento; obtenção, recepção, armazenagem, movimentos,
distribuição, manutenção, evacuação e alienação de materiais, equipamentos e
abastecimentos e todas as actividades de apoio sanitário.
Por outro lado, as distâncias
entre a Metrópole e cada um dos três TO, às quais se adicionam a inexperiência em
relação ao modo como gerir, com sucesso, a natureza social e política do
conflito e, ainda, à teimosia cega de não o resolver com bom senso, conduziram
a uma maior exigência operacional dos efectivos aí destacados. Os recursos
humanos e logísticos cresceram, por isso, ao longo dos anos, concomitante com
as responsabilidades atribuídas aos jovens militares, fazendo recair sobre
estes, desde o seu início, o ônus da manutenção de Portugal no continente
africano em nome da Pátria, isto é, em nome da perpetuação do regime político vigente,
se necessário com recurso da sua própria vida, como está plasmado na vasta
bibliografia existente, quer seja nacional ou internacional.
Considerando que o conceito
problema [contexto acima] faz parte, justamente, do nosso léxico do dia-a-dia [ex.:
tenho um problema; só temos problemas; arranjaste-me um problema; como resolver
este problema; …] recupero aqui a definição do escultor e escritor italiano
Bruno Munari (1907-1998) que nos diz: “todo o problema implica um certo saber
do não saber, ou seja, antever, se terá ou não solução e para isso é preciso
experiência” (in. Das Coisas Nascem Coisas, Lisboa. Edições 70, 1982, p. 39).
Durante a presença no CTIG (1972-1974),
que decorreu entre os nove e os onze anos do conflito, reconheço a existência
dos problemas caracterizados anteriormente por Louro de Sousa, por experiência
feita da actividade operacional na minha Unidade Orgânica [CART 3494], ainda que admita serem de menor escala face ao esforço
que naturalmente foi despendido para os minimizar ao longo do tempo uma vez que
foram operacionalizadas diversas mudanças no terreno em função da reformulação
das estratégias/tácticas propostas pelas sucessivas chefias militares nomeadas
pelo Governo Central, mas sem grandes resultados.
Contudo, esse contacto directo
com as várias realidades leva-me a ter uma percepção dualista, ou seja, NÃO e
SIM, uma vez que eram distintos ou desiguais a natureza de cada um deles, bem
como os contextos e locais onde se actuava, variando em função da geografia do
terreno e da proximidade das linhas de fronteira, quer a norte quer a Sul, onde,
nestas regiões, estavam sedeadas as principais bases do PAIGC. Esta localização
facilitava-lhes a vida, e muito, pois ampliava o quadro de opções de mobilidade
para realizarem as suas actividades de ataques e flagelações aos alvos
seleccionados. Era também desigual a vida nas Cidades, nas sedes de Batalhão
(CCS), nos Aquartelamentos e Destacamentos, e quanto mais no interior maior,
levando-nos a (con)viver com o fenómeno da interioridade e com as situações
adversas sem alternativas.
Outro problema, não menos
importante, estava relacionado com o esforço que era necessário fazer para
manter em funcionamento a rede da estrutura logística, sem a qual não teria
sido possível suportar tanto tempo, por efeito dos insuficientes recursos
locais e financeiros, ainda que uma parte dela estivesse a cargo de cada umas
das Unidades por descentralização de competências.
Voltando ao ano de 1963, recordo
que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na
minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos
grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento
normal no processo de socialização). Um dos interesses em presença estava
relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no
relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria,
umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos
estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na
zona.
De entre os vários elementos do
nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o
nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de
alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto,
conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação
do S.L. Benfica. Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação
obrigatória no serviço militar representou (creio) o Club Atlético de Valdevez, na época:1970/71 - [J-nº. 47.451 AFL].
Quis o destino que cada um de nós,
depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos,
acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné,
eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e
ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV
8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra
e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja,
no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”.
Recebi a notícia da sua morte
ainda durante a “comissão” através da comunicação social da metrópole, que me
era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências
regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que
concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com
o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf.Art., como era conhecido entre nós.
Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este
episódio no P14325-LG narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José
Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte
abraço de agradecimento, onde ele refere o seguinte: “Sou (fui) um dos
intervenientes desse triste e doloroso episódio na História da CCAV 8350”. Recorda
que na tarde de 4JUN1973, em Gadamael, o Alf Mil Branco saiu com um reduzido
grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do
aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai
de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à
pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCAÇ 122/BCP 12, acabada de chegar
a Gadamael, na manhã de 03JUN, sob o comando do cap. paraquedista Terras
Marques). Este acontecimento está, também, publicado em “A última missão, de
José Moura Calheiros, 1.ª ed., Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, pp. 527/528”.
Nesse mesmo ano de 1973, quando
estava já contabilizada uma década do conflito armado, o problema das
instalações inadequadas mantinha-se, situação gravada nas imagens abaixo [para
memória futura], de que é exemplo o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito
na estrada Xime-Bambadinca. Este espaço fora ocupado a partir de 29MAI1969 pelo
camarada Carlos Marques [ex-Fur.Mil da CART 2339], acompanhado por elementos do
seu GComb, data em que a ponte aí existente [velha] foi danificada por
elementos do PAIGC, história já narrada nos P12565/586-LG + P193, P197 e P199 [CArt 3494]. Trata-se de um mero exemplo
e não caso único como se pode provar através do vasto espólio existente no
Blogue da Tabanca.
Recordo, nas fotos abaixo, esse tempo e esse espaço no
cada vez mais distante ano de 1973.
JUL’1973 - Estrada
Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] imagem de um buraco aberto no chão,
coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido
no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura,
tendo no seu interior uma cama de ferro, com colchão, do mobiliário militar. Este
buraco foi o meu “quarto” durante alguns meses…
JUL’1973 – Destacamento da Ponte do Rio
Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca. Imagem do condomínio fechado.
3.– UMA VISÃO HISTÓRICA
SOBRE A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA DE ÁFRICA (1961-1974), POR PEDRO DA
SILVA MONTEIRO (CAP.)
Para concluir a
presente narrativa, consideramos pertinente divulgar o que vem sendo feito a
nível da investigação histórica relacionada com o fenómeno da “Guerra do
Ultramar”,
destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática.
destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática.
A investigação em referência identifica, como
questão central, em que medida a manobra logística de Portugal influenciou as
operações militares nos três TO e contribuiu para a sustentabilidade da Guerra
Subversiva de África, de 1961 a 1974.
Desta questão de partida inicial a investigação
derivou para mais seis subtemas, a saber:
- - Qual a estrutura logística de Portugal antes e durante da guerra?
- - Que dificuldades sentiram os serviços de apoio logístico de Portugal e quais os maiores problemas verificados?
- - O que esperava o governo português do sistema logístico?
- - Quais as necessidades sentidas pelas forças em operações, e que abastecimentos foram fornecidos?
- - Que apoios logísticos recebeu Portugal do exterior?
- - Como é que os serviços de apoio logístico se adaptaram às exigências operacionais e que implementações foram feitas?Eis uma parte do resumo elaborado pelo autor.
Neste sugestivo trabalho de
investigação encontramos algumas análises de dimensão histórica e política que
ajudam a situar a problemática identificada por Louro de Sousa, em 1963.
Recebam um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.
10MAR2016.
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