Mensagem com data de 22FEV2016 do nosso camarada Jorge Araújo evocando em jeito de homenagem a forma como sua mãe deixou a vida terrena.
SC
Caríssimo
Camarada Sousa de Castro
Os
meus melhores cumprimentos.
Serve
o presente para te enviar uma narrativa relacionada com a vida e morte de minha
mãe, visando a sua divulgação no nosso Blogue, caso o entendas por bem.
Com
um forte abraço de amizade.
Jorge
Araújo.
FEV’2016
Evocar
é lembrar, trazendo à memória o que podemos recordar daquela que, com amor,
nos deu a vida – a nossa mãe, sendo este o objectivo supremo da presente narrativa.
nos deu a vida – a nossa mãe, sendo este o objectivo supremo da presente narrativa.
O acto da sua morte foi,
por mim, vivido com uma sensação estranha difícil de descrever e de aceitar por
ser uma experiência única, pessoal e irrepetível, e que certamente, com mais ou
menos dificuldade, o tempo me ajudará a superar… teoricamente.
Georgina Araújo - 1946 |
Passados
que estão dois meses após nos ter deixado fisicamente, quero neste momento
reforçar o quão grato vos estou, camaradas ex-combatentes e tertulianos deste
espaço plural e solidário, por todas as palavras amigas e de conforto que me
fizeram chegar das mais diversas formas (contactos pessoais, telefónicos, mensagens,
emails, blogue, velório e funeral), as quais foram oxigénio que me ajudaram a
respirar durante o período mais febril e problemático.
Ao
desmontar o espaço onde viveu e conviveu durante sessenta anos, pois a sua
habitação em Moscavide era arrendada, e onde através dos tempos foi ordenando
os seus bens, singulares e colectivos, revivi memórias antigas, desde a
infância até à adolescência, e outras mais recentes, nas quais se incluem
também memórias da Guiné (umas bem presentes, outras nem tanto), testemunhos que
ela guardou religiosamente durante quarenta e cinco anos, e que oportunamente
serão utilizados na elaboração de novos textos.
2. – ANTECEDENTES
(cronologia)
Depois
de ter estado no fim-de-semana de 7-8NOV2015, na Figueira da Foz, onde
aproveitei essa estadia para investigar, em parceria com o camarada António
Bonito (ex-Furriel da CART 3494), o paradeiro versus situação do Mário
Nascimento (ex-soldado da nossa companhia), que fora ferido na Ponta Coli, em
01DEC1972, e cujas notícias anteriores nos davam conta de que se encontrava na
qualidade de «sem abrigo», mas que, por via dos nossos contactos, viemos a
saber que falecera em 08JUN2014, no Lar de Santo António, naquela cidade [P-250].
De
regresso a Almada, o dia seguinte foi dia do meu aniversário [verdadeiro] e o
que se seguiu (3.ª feira) o oficial [nasci a 9 e fui registado a 10NOV], tendo
almoçado com a minha mãe, aquela que seria a nossa última refeição juntos e o
último contacto físico, rumando depois para o Algarve (Portimão) no cumprimento
da minha actividade profissional ou académica no ISMAT, onde permaneci até ao
final da tarde de 4.ª feira, dia 11NOV.
Na
5.ª feira (12), telefonou-me pela manhã, como era habitual, para saber como
tinha decorrido a viagem e se tudo/todos estava(m) bem, ao que lhe respondi
afirmativamente. Prometi ligar-lhe mais tarde, após concluir as tarefas
académicas a que estava obrigado na sequência das aulas da véspera.
A
meio da tarde ligou-me, em desespero, dizendo: “filho… estou a ficar paralisada. A minha cabeça vai rebentar. Vou
morrer”, desligando-me o telefone de imediato, sem uma palavra minha.
Acabou por ser a última frase que dela gravei.
Por
efeito dos seus gritos, as vizinhas do prédio foram alertadas prestando-lhe os
primeiros cuidados, incluindo o contacto com o INEM, que a transportou para o
Hospital de S. José – Serviço de Urgência, onde deu entrada pelas 17h42, tendo
transitado para a Unidade de Neurocirurgia no dia 13, pelas 01h34 (conforme
consta no boletim clínico informatizado).
Nesse
mesmo dia de manhã (6.ª feira) depois de a ter localizado no referido hospital
e na sequência de uma reunião com os médicos que a assistiram, foi-me dito que
a minha mãe tivera uma ruptura de aneurisma e que entre as 16/18 horas iria ser
intervencionada. Aguarde pelo nosso contacto… disseram-me.
No
sábado, pela manhã, voltei ao hospital para saber como ela estava a evoluir.
Foi com espanto que recebi a notícia de que, afinal, a minha mãe não tinha sido
intervencionada, uma vez que a operação anterior à sua se tinha prolongado até
próximo da meia-noite, e já não existiam condições objectivas para uma nova
intervenção cirúrgica. Acresce dizer, ainda, que no âmbito desse contacto
acabei por ser “enganado”, ao justificarem-me a não intervenção cirúrgica da
minha mãe, no sábado 14, devido à equipa médica de serviço estar de prevenção
na sequência dos atentados em Paris, na véspera.
Como
se veio a confirmar algumas semanas mais tarde, o acima referido não era
verdadeiro, como foi divulgado/denunciado pelos diversos órgãos de Comunicação
Social, como prova o exemplo referido no Jornal «Público» (passe a
publicidade).
Deste
modo, a minha mãe só seria operada na segunda-feira 16, entre as 9h30 e as 18h30,
num total de 9 horas, o que diz bem da situação de altíssimo risco de vida em
que se encontrava. Entre a sua entrada no hospital e o início da cirurgia
decorreram oitenta e sete horas, deixando antever que eram mínimas as
esperanças de sobreviver, situação que acabou por se verificar no dia 27 de
Dezembro de 2015, domingo, quarenta e cinco dias após aí ter sido hospitalizada.
Lamentavelmente
não foi caso único, como comprovam as estatísticas existentes no Ministério da
Saúde, o de morrer por falta de apoio hospitalar ao fim-de-semana, sendo mais
uma vítima justificada por razões economicistas.
Espero
que esta situação se alter em nome da VIDA, que tantos responsáveis apregoam,
mesmo tendo perdido minha MÃE.
3. – EVOCAÇÃO
DE MINHA MÃE
Depois
da morte de meu pai [1923.09.29-1995.03.11], com quem casou em 21DEC1947, minha
mãe tinha então sessenta e sete anos, passando por esse facto a viver só. No
início,
ou seja há vinte anos, tinha um suporte social de alguma dimensão por
via da relação de proximidade que existia entre a vizinhança, que aos poucos se
foi reduzindo por razões de doença.
Em
2002 encontrou uma companhia – a poesia – que não mais a deixou, declamando os
seus trabalhos (sempre com novidades) em convívios familiares ou quando surgia
uma oportunidade fora deste contexto.
E
uma das oportunidades que lhe surgiu tinha como possibilidade a participação no
projecto «Encontro de Poesia», iniciado em 1996 pela Câmara Municipal de
Loures, este
inserido num programa mais vasto de
outras actividades a que deram o nome de «Viver Outubro – Mês do Idoso».
A
sua primeira participação ocorreu no ano de 2002, tinha então setenta e quatro
anos de idade. Desde essa data, e durante catorze edições [2002-2015], manteve
a sua ligação ao projecto enviando os seus trabalhos para publicação e
declamando-os em cerimónias públicas organizadas anualmente por esse Município.
O
seu primeiro poema conta o itinerário da sua vida de mais de oito décadas, e
por ser verdade aqui o reproduzimos, como reconhecimento e tributo público do
quanto estou grato e orgulhoso dela.
Pedaços da Minha Vida
Visitei a minha terra,
E vi que nada mudara,
Estava tudo como
dantes,
Até as pedras da
calçada.
As casas eram as
mesmas,
Tudo era triste e
vazio,
Ao recordar o passado,
Senti-me cheia de frio.
A vida que lá passei,
Deixou muito a desejar,
Sem amparo do pai,
Lutei até me casar.
O casamento me trouxe
Um bem-estar aparente,
Vieram dois filhos
queridos
E a luta foi bem
diferente.
Fui pai, fui mãe e
mulher,
Com orgulho escrevo
aqui,
São recordações que
ficaram,
De uma vida que vivi.
Trabalhei de sol a sol,
Para o sustento do lar,
Mas o destino teimava,
Em não me querer
ajudar.
Aos filhos não se deu
muito,
Pois não chegava p’ra
mais,
Só o pão nosso de cada
dia,
Tudo o resto era de
mais.
Numa altura bem penosa,
O marido quis partir,
Para a vida ser melhor,
E nela poder subir.
Imigrante por seis
meses,
Jamais consegue vencer,
Volta para a sua terra,
E vê os filhos crescer.
Tudo passou com os
anos,
Foram bons e maus
momentos,
Estava ainda por
chegar,
O maior dos meus
tormentos.
Sem esperar tudo mudou,
Nessa hora derradeira,
Meu marido adoeceu,
Fiquei sempre à sua
beira.
Foram três anos de
luta,
Entre a vida e a morte,
Confesso que esperava,
Que ele tivesse mais
sorte.
Se foi feliz numa
coisa,
Ninguém o pode negar,
Teve sempre uma esposa,
Que nada lhe deixou
faltar.
Mas o destino cruel,
Antecipou-lhe a
partida,
Levando tudo de mim,
Na hora da despedida.
Minha vida não foi
fácil,
Para encontrar a
solução,
Pois tinha que sarar a
ferida,
Que ficou no meu
coração.
Pensei bem e fui p’ra frente
Do combate… combater,
Hoje já estou bem
diferente,
Lutando para vencer.
Em frente eu quero ir,
E não perder a
esperança,
Quando acaba a
tempestade,
Vem a seguir a bonança.
Sou teimosa e
persistente,
Quero chegar à vitória,
Viver melhor o
presente,
Dos fracos não reza a
história.
Georgina Araújo
2002.04.04
Eis uma singela evocação de minha
mãe e o merecido tributo que lhe é devido, dois meses depois da sua morte.
Obrigado pela vossa atenção.
Com um forte abraço e votos de
muita saúde.
Jorge Araújo.
FEV’2016.
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