Dr. Luís Graça |
Texto recuperado do blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné com data de: 22 Abril 2005. Se a memória não me trai, foi nesta data que começei a colaborar com a "Tabanca Grande" e entrada para a tertúlia.
Devo salientar que a história narrada neste 'post' sobre o acidente que ocorreu no rio Geba em 10AGO1972 é a minha versão, mediante conversas com os meus camaradas na época. A versão real, por quem a viveu de perto e no local, está contada pelo ex. Fur. Milº Op. Esp./Ranger Jorge Araújo, aqui: P-159 (III) O RIO GEBA E O MACARÉU - O NAUFRÁGIO NO DIA 10AGO1972
SC.
1. (...) Diz-me o Sousa de Castro que foi o BART. 3873 (a que ele
pertenceu) que rendeu o BART. 2917
Sousa de Castro |
"O BART. [Batalão de Artilharia]3873 embarcou no N/M
Niassa em meados do mês de Dezembro de 1971, passando o Natal desse ano no mar.
Eu embarquei em Janeiro de 1972 nos TAM (Transportes Aéreos Militares). Fui 1º cabo radiotelegrafista. Vivo em
Vila Fria, concelho de Viana do Castelo e trabalho nos Estaleiros Navais de
Viana do Castelo (ENVC). Vou anexar um documento que me deixou algum tempo
transtornado e algumas fotos do Xime, tiradas em 2001 por um camarada que
pertenceu ao BART. 2917. É apenas uma pequena história que protagonizei.
Curiosamente também temos o nosso convívio em 11 de Junho mas em Pataias, é o
vigésimo".
2. Aqui fica, para divulgação, o texto que o Sousa de Castro
me enviou e me autorizou a divulgar neste blogue:
"Fico até agradecido pela publicação dos meus escritos,
não á problema nenhum. Tenho reencaminhado o seu Blog para colegas que
estiveram na Guiné e com quem tenho contacto (...). Penso ser uma forma de
incentivar as pessoas a fazerem buscas e interessarem-se sobre a nossa
história. História que ninguém ousa contar. É extraordinário, quando
encontramos algum ex-combatente e começamos a recordar, não só os momentos maus
mas também os momentos bons. Aproveito para dizer que possuo um filme feito por
um grupo de 10 ex-combatentes que visitaram a Guiné em Novembro de 2000, filme
para mim espectacular, e caso curioso, no Xime, passados 28 ou 29 anos uma das
lavadeiras da época reconheceu um ex-combatente, dizendo: 'Lúcio! Eu é que te
lavava a roupa, não estás lembrado, não?'. Junto em anexo fotos de Bafatá,
tiradas em 2001 e cedidas pelo David Guimarães, da CART. [Companhia de
Artilharia] 2715, do Xitole".
Um grande abraço ao Sousa de Castro que já teve a gentileza
de me contactar telefonicamente e me mandou fotos do Xime, de Bafatá e de
Bissau (estas últimas também da autoria do David Guimarães). Ainda sobre a
CART. 3494, do Xime, ficou a saber mais o seguinte:
"Não referi no e-mail anterior os mortos em combate da
minha companhia. Aproveito agora para o fazer. Considerados mortos em combate,
tivemos um: chamava-se Manuel da Rocha Bento, era Furriel Miliciano, natural de
Ponte de Sor. Feridos, tivemos vários, alguns deles com bastante gravidade,
tendo sido evacuados para Bissau e posteriormente para o continente (terminando
a comissão nesse momento).
"Já estive junto ao memorial [junto à Torre de Belém,
em Lisboa] mas não tirei fotos no dia 20 de Outubro 2004, integrando a
manifestação levada a efeito pela APVG (Associação Portuguesa dos Veteranos de
Guerra, sedeada em Braga. Anexo fotos de Bissau cedidas pelo David Guimarães
CART 2715 Xitole".
3. Memórias da Guiné. Xime (1972-1974), por Sousa de Castro
"Xime. CART. 3494. 10 de Agosto de 1972.
Xime, Macaréu - Foto de David Guimarães da CART 2716 do BART 2917 |
"Mesmo assim ele entendeu que haveria tempo de sair
antes de passar o Macaréu. Os pelotões
envolvidos nesse patrulhamento não tiveram outra alternativa senão obedecer. Os soldados, pela experiência adquirida, sabiam que uma desgraça iria acontecer. Dá-se então aquilo que todos esperavam, e que não se podia evitar: são apanhados pelo Macaréu.
envolvidos nesse patrulhamento não tiveram outra alternativa senão obedecer. Os soldados, pela experiência adquirida, sabiam que uma desgraça iria acontecer. Dá-se então aquilo que todos esperavam, e que não se podia evitar: são apanhados pelo Macaréu.
"A embarcação virou e então cada qual tentou
desenrascar-se como pôde do perigo de morrer afogado. Muitos não sabiam nadar.
Depois com todo peso de armamento que transportavam, para além da farda que
envergavam, viram-se e desejaram-se para se safarem, mas nem todos o
conseguiram. Assim morreram afogados, três camaradas, sendo um da Póvoa de
Varzim, casado, com uma filha, outro de Famalicão, este solteiro, e um terceiro
que já não me recordo de onde era.
Salgado Antunes, desaparecido no naufrágio |
"Normalmente a companhia fazia diariamente segurança à
estrada que ligava o Xime a Bambadinca. Era necessário ir buscar o pelotão que
fazia essa mesma segurança. Eu era radiotelegrafista, não podia sair do
quartel, mas vendo o estado muito abatido devido ao cansaço em que os
transmissões de infantaria se encontravam, peguei no transmissor AVP-1 e na G-3
(2), ofereci-me como voluntário e fui juntamente com o pelotão buscar o pessoal
que fazia a segurança à dita estrada.
"Era de noite, então dá-se aquilo que eu não previa.
Uma vez no local para agrupar o pessoal que fazia segurança da estrada, vi-me
envolvido numa situação para mim única. Começa um forte tiroteio. Supondo ter
sentido algo a mexer, eu, ao saltar da viatura, sem querer fiz um disparo, com
pessoal na linha da frente. Fiquei preocupadíssimo, poderia ter atingido algum
camarada meu, o que não aconteceu felizmente.
"Ao vir para o quartel, antes de entrar, o Furriel
Carda, que era de Ponte de Sor (era quem comandava o pelotão que foi buscar a
segurança no qual eu estava integrado) mandou parar as viaturas e disse:
'Alguém que está na minha viatura disparou um tiro. Quero saber quem foi.
Ninguém quer dizer? É fácil. Cheira-se a arma de cada um e descobre-se já'.
"Como havia um alferes periquito (3), e a maior parte da
malta pensando ter sido ele quem deu o tiro, acharam por bem que o melhor seria
esquecer e ir embora para o quartel. Será que esse alferes também fez algum
disparo? Ainda hoje estou na dúvida.
"Domingo 27 de Setembro 1998. Sousa de Castro".
Notas (S.C.):
(1) Sublevação brusca das águas, que se produz em certos
estuários no momento da cheia e que progride rapidamente para as nascentes sob
forma violenta, capaz de fazer estragos em pequenas embarcações.
(2) Espingarda automática usada pelas nossas tropas.
(3) Militar acabado de chegar à Guiné.
# posted by Luís Graça @ 08:32
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