Os
meus melhores cumprimentos.
Antes de
prosseguir com o projecto referente à divulgação das «Memórias de Médicos
Cubanos», que estiveram na Guiné nos anos de 1966 a 1969, tomei a iniciativa de
tentar desvendar o enigma relacionado com os ferimentos de Mamadu Indjai, nome
do comandante da Frente da Mata do Fiofioli ao tempo do médico Amado Alfonso
Delgado, suscitado na elaboração do anterior fragmento.
Acresce
referir que esta decisão é reforçada por alguns comentários adicionais ao
último texto, no caso particular o P16441: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por aqui
passou Mamadu Indjai, o terrível [blogue da Tabanca Grande].
Trata-se
de uma narrativa histórica resultante do cruzamento de relatos publicados em
diferentes momentos e contextos, dando a conhecer, no final, as conclusões a
que chegámos.
Com um
forte abraço de amizade.
Jorge
Araújo.
SET’2016.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘X’
- O ENIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] -
1. – INTRODUÇÃO
pelos clínicos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau], e que fazem parte do livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
De facto, assim não aconteceu. Creio que foi por uma boa causa, uma vez
que neste intervalo decidi investir um pouco mais na busca de elementos fiáveis
que nos ajudem a desvendar o enigma relacionado com os «ferimentos de Mamadu
Indjai
[N’Djai]», nome do Cmdt referido na resposta dada pelo médico Amado Alfonso Delgado, à questão 22. = “como é avisado para deixar a Guiné-Bissau?” [P279 e P16441-LG], e que está na génese de alguns comentários adicionais, em particular no «P16444-LG: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível».
Para contextualização do tema, recordo então essa passagem:
Nesta operação, corolário da acção de um grupo de páras do BCP 12, é capturado um roqueteiro IN com o seu RPG-2, e que, após um curto interrogatório que lhe foi feito então, diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata (P23-LG e P2683-LG).
Perante este dilema/trilema…, qual das situações podemos validar? Quem foi o informante privilegiado? Foi um ou vários? Será que foi (mesmo) ferido? Ou foi ferido duas vezes no espaço de três dias? Em caso afirmativo, foi socorrido no local [enfermaria do mato] pelo médico Alfonso Delgado e depois evacuado para Boké para ser intervencionado face à gravidade do seu estado de saúde? Neste caso, a saída da frente por parte do médico Alfonso Delgado visava cumprir dois objectivos: por um lado acompanhar o estado clínico de Mamadu Indjai [o normal seriam seis dias de viagem a pé], por outro enquadrar o regresso do seu companheiro cubano Arrebato?
Mas em relação a esta última interrogação, apenas sabemos que chegado o dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato, “meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos. Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da Frente. Quando chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar, pois tinha terminado a missão”. […]
Sobre esta questão, Luís Graça refere no seu comentário a este fragmento: “estranha-se que o médico cubano Amado Alfonso Delgado tenha omitido o importante revés que foi para o PAIGC a baixa do comandante Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT no decurso da Op Nada Consta, em agosto de 1969” [P16441-LG].
Todas estas hipóteses suscitaram o meu interesse e por isso segui em frente.
«P9137: Notas de
leitura: De campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (Mário Beja
Santos)»: […] “Bobo Keita é um guerrilheiro da Frente Norte, anda por Binta e
Guidage, a base era Sambuia. Em junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo
e depois regressa [quando?] à frente Norte [esta evacuação ocorre dois anos
após a chegada do primeiro grupo de médicos cubanos à Guiné, do qual fez parte
o doutor Domingo Diaz Delgado]. No ano seguinte (1969), frequentou seminários
em Conacri e depois foi para a [ex] Jugoslávia.
No
regresso [agosto de 1969?], ofereceu-se para ficar nas regiões do Xime,
Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses [até maio de 1970?], vinha
substituir provisoriamente Mamadu Indjai.
[N’Djai]», nome do Cmdt referido na resposta dada pelo médico Amado Alfonso Delgado, à questão 22. = “como é avisado para deixar a Guiné-Bissau?” [P279 e P16441-LG], e que está na génese de alguns comentários adicionais, em particular no «P16444-LG: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível».
Para contextualização do tema, recordo então essa passagem:
22. = Como é avisado para deixar a Guiné-Bissau?
O médico Alfonso Delgado refere que “foi de forma casuística. [Em
agosto], depois de sair de um cerco que nos fizeram as tropas helitransportadas
[paraquedistas do BCP 12] fomos para um lugar perto do acampamento” [talvez a
“Op. Nada Consta”].Nesta operação, corolário da acção de um grupo de páras do BCP 12, é capturado um roqueteiro IN com o seu RPG-2, e que, após um curto interrogatório que lhe foi feito então, diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata (P23-LG e P2683-LG).
Alfonso
Delgado acrescenta: [neste novo acampamento] “o ajudante que andava comigo e ao
que me diziam, Arrebato piorou. Começou a manifestar um obsessivo delírio de
perseguição. Dizia que os próprios guerrilheiros o queriam matar, e uma noite
foi desarmado pois já estava bastante débil, e fugiu para a mata. Deu-se o alarme
entre toda a população e ao fim de seis dias [final de agosto?] foi encontrado
completamente depauperado, com os olhos inchados, cheio de furúnculos e pesando
à volta de quarenta quilos. Falei com o chefe do acampamento, de nome Mamadu
Indjai, e acordamos a sua saída da Frente, para a qual me indicou dois
guerrilheiros. Isto foi em [início] setembro de 1969, quase no fim da missão”.
[…]
Cruzadas as duas informações supra, conclui-se que, de facto, em Agosto
de 1969, o Cmdt da Frente da Mata do Fiofioli era Mamadu Indjai [algumas vezes
referido como Mamadu N’Djai].
Da investigação realizada a partir da única fonte consultada – o vasto
espólio do «Blogue da Tabanca Grande» – encontrei divergências factuais, logo
históricas [ou talvez não…] de que seguidamente dou conta:
Ex.1: “Op. Nada Consta”, em 18 de
agosto, (…) um grupo cairia numa emboscada que forças da CART 2339 tinham
montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre o Rio Bissari, e
em resultado da qual ficaria gravemente ferido Mamadu Indjai (soube-se mais
tarde) [P6948-LG].
Ex.2: Soube-se mais tarde que Mamadu
Indjai (…) foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de
Mansambo e evacuado [?] [P23-LG].
Ex.3: (…) Mamadu Indjai, gravemente
ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na “Op. Anda Cá” (em 15
de agosto de 1969) [P9011-LG].Perante este dilema/trilema…, qual das situações podemos validar? Quem foi o informante privilegiado? Foi um ou vários? Será que foi (mesmo) ferido? Ou foi ferido duas vezes no espaço de três dias? Em caso afirmativo, foi socorrido no local [enfermaria do mato] pelo médico Alfonso Delgado e depois evacuado para Boké para ser intervencionado face à gravidade do seu estado de saúde? Neste caso, a saída da frente por parte do médico Alfonso Delgado visava cumprir dois objectivos: por um lado acompanhar o estado clínico de Mamadu Indjai [o normal seriam seis dias de viagem a pé], por outro enquadrar o regresso do seu companheiro cubano Arrebato?
Mas em relação a esta última interrogação, apenas sabemos que chegado o dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato, “meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos. Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da Frente. Quando chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar, pois tinha terminado a missão”. […]
Sobre esta questão, Luís Graça refere no seu comentário a este fragmento: “estranha-se que o médico cubano Amado Alfonso Delgado tenha omitido o importante revés que foi para o PAIGC a baixa do comandante Mamadu Indjai, gravemente ferido pelas NT no decurso da Op Nada Consta, em agosto de 1969” [P16441-LG].
Todas estas hipóteses suscitaram o meu interesse e por isso segui em frente.
1.
– O QUE DIZEM AS FONTES CONSULTADAS
«P16444: Manuscrito(s) (Luís Graça): Por
aqui passou Mamadu Indjai, o terrível» - “Depois
do ferimento grave de Mamadu Indjai, "operado de urgência na zona 7",
o Amílcar Cabral não sabia quem o deveria substituir... O Bobo Keita
ofereceu-se, em Boké, para substituir o Mamadu Indjai "por 15 dias",
por sugestão de Amílcar Cabral... Acabou
por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970... A
"zona 7 (...) ficava nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole", diz o
Boto Keita, nas suas memórias "De campo em campo: conversas com o comandante
Bobo Keita", de Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011, 303
pp.)... "Era um triângulo onde se encontrava uma cambança que permitia
passar para o Norte através do rio Geba, via Enxalé"... "Era um lugar
difícil" (p. 134)...
«P9011: Memória dos lugares: O cais do
Xime e a solidão do Rio Geba… (Torcato Mendonça)» - […] “Isso mesmo reconheceu
o comandante Bobo Keita, nas duas memórias, quando Amílcar Cabral (1924-1973)
propôs o seu nome, para substituir o comandante da Zona 7, Mamadu Indjai, gravemente
ferido pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na Op Anda Cá (em 15 de
Agosto de 1969). […]
Reorganizou
a quadrícula: “a primeira medida que tomei no Leste foi acabar com a base
central onde se concentrava toda a guerrilha e que daí procedia a longas
marchas para ir atacar os quartéis.
Além
disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão.
Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas
baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos [?] e
um comando móvel. Com a nova organização, a população estava mais segura. Criei
um depósito dos Armazéns do Povo. Com isto consegui criar uma nova vida nessa
região”.
Para
Beja Santos, trata-se de “um relato com muitos altos e baixos. (…) Há
notoriamente silêncios, beliscadelas e sentimentos feridos. Não se lhe pode
assacar a responsabilidade de exibir fontes escritas, ao que parece o manancial
da documentação estava em poder de [Amílcar] Cabral e do secretariado político.
Mas estes comandantes recebiam documentação, nunca a invocam e muito menos a
exibem. O que nos leva permanentemente a questionar como é que se vão cozer
todas estas peças constituídas por depoimentos que mais ninguém valida”.
2.
– MEMORANDO “COM DECISÃO SECRETA” SOBRE A COLABORAÇÃO DOS
INTERNACIONALISTAS CUBANOS
Aproveitando
a deixa do camarada Beja Santos [documentos não conhecidos], e acreditando ser
do interesse público e histórico, como complemento aos diferentes fragmentos
aqui publicados sobre as vivências e experiências relatadas por cada um dos médicos
cubanos que estiveram em missão na Guiné-Bissau, entre 1966 e 1969, aqui vos
deixo um memorando assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), enquanto
secretário-geral do PAIGC, em 8 de dezembro de 1967, ou seja, ano e meio depois
da chegada do primeiro grupo à Guiné-Conacri.
O documento que seguidamente se reproduz, constituído por
duas folhas A4, foi retirado da Net, da Casa Comum – Fundação Mário Soares, com
devida vénia, com o título: “Decisão
sobre a colaboração dos internacionalistas cubanos na luta de libertação da
Guiné”.
(1967), "Decisão sobre a
colaboração dos internacionalistas cubanos na luta de libertação da
Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40211(2016-9-14)
1.
– O ENIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI
Eis-nos
chegados ao ponto relacionado com o enigma dos ferimentos de Mamadu Indjai [N’Djai],
o qual está na base da questão de partida que deu origem ao presente trabalho. É
certo que em Agosto de 1969 ele estava na Frente Leste, justamente na Mata do
Fiofioli, envolvido em acções de combate com os militares portugueses. Também
é certo que, mais ou menos três anos e meio depois, em janeiro de 1973, mais
concretamente no dia 19, Amílcar Cabral (1924-1973) dera instruções ao
responsável pela sua segurança, que era curiosamente Mamadu Indjai, para que
tomasse as devidas precauções, uma vez que havia sido avisado pelos Serviços de
Segurança da Embaixada da [ex] Checoslováquia, em Conacri, de que teriam sido
detectados indícios de conspiração dentro do PAIGC [P11001-LG]. Neste
mesmo poste, elaborado por Beja Santos no seu espaço «Notas de leitura:
Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral» pode ler-se: “ [Amílcar] Cabral
avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Ele
era Mamadu N’Djai [Indjai], herói nacional, comandante da Frente Norte, três
vezes ferido em combate e, de [naquele] momento, em Conacri, precisamente em
convalescença do seu último ferimento”. Sabe-se
agora que Mamadu Indjai foi ferido três vezes ao longo da sua actividade de
guerrilha. Não se sabe, porém, quando, como e onde terão acontecido as duas
últimas. Entretanto,
sabe-se também que Mamadu Indjai esteve em Conacri, entre 11 e 13 de Maio de
1970, marcando presença nas reuniões do Conselho de Guerra (alargado), na
companhia de outros dez altos dirigentes do PAIGC, entre eles Amílcar Cabral,
conforme se reproduz a baixo, bem como a sua fonte.
Pasta: 07073.129.004
Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry
Assunto: Acta
informal das reuniões do Conselho de Guerra, de 11 a 13 de Maio de 1970, manuscrita
por Vasco Cabral.
Membros Presentes: Amílcar
Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo
Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai],
Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai
Secretário: Vasco
Cabral
Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 - Quarta, 13 de Maio de 1970
Observações: Doc
incluído no dossier intitulado Relatórios 1960-1970.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: ACTAS
Finalmente, Mamadu Indjai [N’Djai] viria a ser executado,
sem qualquer julgamento, por implicação na morte de Amílcar Cabral [1924-1973],
o mesmo sucedendo a cerca de uma centena de outros elementos [P11001-LG].
Em jeito de conclusão cronológica, ficámos a
saber que Mamadu Indjai:
>
Em agosto de 1969 estava na Mata do Fiofioli.
> Em 11/13 de maio de 1970 [nove meses depois],
participou na reunião do Conselho de Guerra, em Conacri, período coincidente
com a saída de Bobo Keita da Frente do Fiofioli, pelo que é de considerar que
não tenha voltado a esse local.
> Em 19/20 de janeiro de 1973 [dois anos e oito
meses depois] estava em Conacri, onde era responsável pela segurança de Amílcar
Cabral, sendo executado alguns dias depois.
> Foi ferido em combate por três vezes: quando,
como e onde, continuam a ser enigmas, que aguardam o competente
desenvolvimento, bem como a dimensão de cada episódio.
Obrigado
pela atenção.
Um
forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
18SET2016.
Sem comentários:
Enviar um comentário