Mensagem de Jorge Araújo, (ex. Fur. Milº Op. Esp./Ranger, pertenceu à CART 3494 do BART 3873) com data de: 06SET2016
Mais um fragmento, o IX do nosso projecto «Memórias de Médicos Cubanos», o último
relacionado com a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado.
O
terceiro e último entrevistado será o cirurgião militar Virgílio Camacho
Duverger (1934-2003), em que utilizaremos a mesma metodologia seguida
anteriormente, ou seja, a sua divisão em partes.
Postes da série:
02SET2016 (IV) - http://cart3494guine.blogspot.pt/2016/09/p278-memorias-de-medicos-cubanos-1966.html
23AGO2016 (III) - http://cart3494guine.blogspot.pt/2016/08/p276-memorias-de-medicos-cubanos-1966.html
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘IX’
- O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO (V) -
1. – INTRODUÇÃO
Com
esta narrativa [a quinta] dou por encerrada a entrevista ao médico Amado
Alfonso Delgado, a segunda no alinhamento do livro escrito em castelhano pelo jornalista
e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e
experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título
de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de
la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on-line” em formato pdf, em versão de
pré-publicação.
Recordo
que por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as
ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos
de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando
possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com
recurso ao vasto espólio disponível no blogue da “Tabanca Grande”.
Esta
minha decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais, em cada
situação concreta, antes pelo contrário, pois todas as adendas são bem-vindas, uma
vez que neste conflito bélico existiram dois lados, e daí o título com que
baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate – memórias de médicos
cubanos”.
1.
– O CASO DO MÉDICO
AMADO ALFONSO DELGADO [V]
Esta nona parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde
ao quinto e último fragmento em que foi dividido a entrevista ao doutor Amado
Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.
Nos quatro fragmentos anteriores [P274; P275; P276 e P278], referentes
às primeiras vinte e uma questões, encontramos um historial de dois anos
(1967/1969), entre os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir
uma missão internacionalista, tendo-lhe surgido a hipótese de a fazer na Guiné
Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou, até aos actos médicos realizados
nas bases do PAIGC, em particular nas existentes na mata do Fiofioli (Sector L1
- Bambadinca).
Aí esteve cercado por diversas ocasiões, aonde viveu muitos
sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga
(com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a
destruição das suas enfermarias, por quatro vezes. Por isso, julgou não ser
possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai…
coitados, tão pequeninos.
Em função da intensa actividade operacional das NT e do PAIGC,
entre 8 de março e 18 de junho de 1969, Alfonso Delgado acabaria por desempenhar
o seu papel de profissional de saúde, certamente com elevado grau de
dificuldade, prestando apoio aos guerrilheiros feridos em combate, incluindo a
realização de algumas cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite à
luz de archotes de palha ardendo.
Recorda-se que o crescendo da actividade operacional na região da
mata do Fiofioli, num cenário de guerra de guerrilha, tem o seu início com a “Op.
Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março, movimentando cerca de 1300 efectivos,
seguida pela “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de
sete Gr Comb e “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb.
Em
simultâneo com este ataque, era dinamitada a ponte sobre o Rio Udunduma, ao
tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime
(imagem ao lado, P12686-LG, com a devida vénia).
No mês seguinte, em junho de 1969, foi realizado um
vasto programa de acções contra diversos quartéis e destacamentos da frente
Leste: Bambadinca, Gabú, Cabuca,
Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas,
sendo de admitir tratar-se do cumprimento de uma orientação superior transmitida
em documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho desse ano, dando
instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos
quartéis e destacamentos dessa frente, devendo nalguns casos ser repetido
durante três dias.
Em resumo e
no período em apreço, as principais operações das NT na mata do Fiofioli
realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo o PAIGC com ataques a
aquartelamentos, destacamentos e emboscadas, em abril, maio e junho,
nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime e Bambadinca, incluindo
Mansambo e Xitole (subunidades de quadricula), a saber: Xime, Ponta Coli,
Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo,
Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta na infogravura).
Seguem-se os últimos relatos revelados durante a entrevista dada
pelo doutor Amado Alfonso Delgado.
- A entrevista com as últimas
quatro questões [P5 > 22.ª à 25.ª] -
“Cirurgias com a
ténue luz de fachos de palha ardendo”
22. = Como é avisado para deixar a
Guiné-Bissau?
Foi de forma casuística. [Em agosto], depois de sair de um cerco que nos
fizeram as tropas helitransportadas [paraquedistas do BCP 12] fomos para um
lugar perto do acampamento [talvez a “Op. Nada Consta”].
[A “Op. Nada Consta” realiza-se a 18 de agosto de 1969, envolvendo cerca
de duas centenas e meia de militares, divididos por dez Gr Comb pertencentes à
CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (3 Gr), CART 2339 (3 Gr), PEL CAÇ NAT 53 e BCP 12 (2 Gr da
CCP 122 + 1 Gr da CCP 123, sedeados em Galomaro). Esta “operação especial” tem
o seu início pelas 09h30, sempre sob mau tempo (estávamos na época das chuvas),
e surge na sequência do ataque de mais de duas horas a Candamã, tabanca fula em
autodefesa do regulado do Corubal, realizado ao amanhecer do dia 30 de
julho de 1969, tendo o PAIGC utilizado um efectivo de bigrupo com recurso a
armamento pesado (P6948-LG)].
[Com o dispositivo das
NT distribuído nas proximidades do Rio Biesse (a CCAÇ 12, a leste; o Pel Caç Nat
53, a norte, e a CART 2339, a oeste e na estrada Mansambo/ Xitole, junto à
ponte do Rio Bissari), avança a primeira vaga de paraquedistas do BCP 12,
colocados na ponta da bolanha, penetrando imediatamente na espessa mata que se
estende para sul. Cinco minutos depois era capturado um elemento IN com o seu
RPG-2, sucedendo-se mais duas vagas de hélis transportando os restantes páras,
que passaram a percorrer a mata de norte para sul. Ouvem-se tiros de rajada,
para além do matraquear do helicanhão, sendo feitos dois mortos e capturadas
três armas automáticas. Um dos mortos era chefe de bigrupo, de apelido Sampunhe
(P6953)].
[O interrogatório sumário
que foi feito naquela ocasião ao guerrilheiro capturado pelos páras, este diz
apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo reforçado (oitenta
elementos), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata
(P23-LG + P2683-LG)].
[Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos
grupos, conseguem fugir da zona de acção das NT, e retiram-se muito
provavelmente na direcção da base de Biro. Em função das informações dadas pelo
prisioneiro, Malan Mané, as tropas paraquedistas seguiram no dia seguinte em
direcção daquela base, tendo capturado mais o seguinte material: 1
metralhadora ligeira “Degtyarev”; 1 espingarda automática “Kalashnikov”; 1
pistola-metralhadora “PPSH”; 1 LGFog RPG-2; granada para LG P-27 “Pancerovka”;
12 granadas para LG, RPG-7; 85 granadas para LG, 3 cunhetes com munições; 7
granadas de RPG-2; 9 granadas de morteiro 60; diversos bornais, marmitas,
fardamento e botas novas, documentos de interesse, incluindo relatórios onde se
refere a ocorrência de dois mortos e seis feridos, por parte do IN, no ataque a
Candamã, a 30 de julho de 1969. Pela CART 2339, foram levantadas duas minas A/C
(P6948-LG)]. Estranha-se, uma vez mais, a não referência à captura de material
de enfermagem e a medicamentos, sabendo-se da existência de enfermarias de
colmo naquela zona.
[Quanto a Malan Mané, seguiu para Galomaro com os páras para novo
interrogatório, sendo levado, depois, para Bambadinca, onde ficou preso. Esteve
também em Mansambo, vindo a ficar gravemente ferido na “Op. Pato Rufia”, em 7
de setembro de 1969, no Xime, numa acção conjunta constituída pela CCAÇ 2590/CCAÇ
12 (3 Gr); CART 2520 (2 Gr) e PEL. CAÇ. NAT. 53, 63 e 52. Malan Mané foi evacuado
para o Hospital Militar, em Bissau (P146-LG + P2683-LG)].
Guiné >
Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/1969) – Agosto de
1969. Malan Mané a ser interrogado pelo ex-Alf. Mil. Torcato Mendonça [P6948-LG,
com a devida vénia].
Mais detalhes sobre Malan Mané
em P1011-LG; P2683-LG e P6984-LG.
[Neste novo
acampamento] o ajudante que andava comigo e ao que me diziam, Arrebato piorou.
Começou a manifestar um obsessivo delírio de perseguição. Dizia que os próprios
guerrilheiros o queriam matar, e uma noite foi desarmado pois já estava
bastante débil, e fugiu para a mata. Deu-se o alarme entre toda a população e
ao fim de seis dias [final de agosto?] foi encontrado completamente
depauperado, com os olhos inchados, cheio de furúnculos e pesando à volta de
quarenta quilos. Falei com o chefe do acampamento, de nome Mamadu Indjai, e
acordamos a sua saída da Frente, para a qual me indicou dois guerrilheiros.
Isto foi em [início] setembro de 1969, quase no fim da missão.
[A ser
verdade este acordo feito na presença de Mamadu Indjai nos últimos dias de
agosto, ficando a zona sem apoio médico, estamos perante um “caso de divergência
factual, logo histórica”, contraditada por outras informações aqui editadas. Ex.1:
“Op. Nada Consta”, em 18 de agosto, (…) um grupo cairia numa emboscada que
forças da CART 2339 tinham montado no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da
ponte sobre o Rio Bissari, e em resultado da qual ficaria gravemente ferido
Mamadu Indjai (soube-se mais tarde) (P6948-LG). Ex.2: Soube-se mais tarde que
Mamadu Indjai (…) foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de
Mansambo e evacuado [?] (P23-LG). Ex.3: (…) Mamadu Indjai, gravemente ferido
pelas NT (e mais concretamente pela CART 2339) na “Op. Anda Cá” (em 15 de
agosto de 1969) (P9011-LG)].
[Chegado o
dia da saída da mata do Fiofioli na companhia de Arrebato], meti a sua arma e a
minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma.
Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas
[noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos
inóspitos. Quando parávamos para descansar, ficava debaixo das minhas pernas e
sempre agarrado pelo cinto, pois queria fugir. Assim, com este tremendo
trabalho e sofrendo de uma entorse que me doía sobremaneira, o pude retirar da
Frente.
Quando
chegámos ao acampamento da fronteira [segunda semana de setembro?], deixei o
Arrebato e dizem-me que dentro de quinze dias chegava um barco para nos levar,
pois tinha terminado a missão. Durante a espera, um dia fui informado que [João
Bernardo] “Nino” Vieira (1939-2009) - um dos líderes do PAIGC - queria fazer
uma incursão pelo território e queria que eu fosse com ele. Pensei que se me
tinha salvado nas anteriores ocasiões, nesta não o iria conseguir. Na manhã do
dia seguinte formamos para sair e quando estávamos prontos chegaram umas
viaturas aonde estavam os novos médicos, pelo que fiquei mais aliviado. E, como
é lógico, não saí de novo para a Frente.
Antes de sair
da Frente fui a Boké e depois a Conacri, aonde cheguei em setembro de 1969
[terceira semana?]. Recordo-me que um membro da missão cubana me perguntou se
queria comprar alguma coisa e mais tarde trouxe-me uns sapatos para a minha
filha, uns calções para o meu filho e um corte de tecido para a minha mulher.
Naquele momento tinha dois filhos e tinha-me casado em 1963, quando ainda era
estudante.
Em Conacri
embarcámos num navio e fomos até ao Congo Brazzaville, aonde estivemos cerca de
duas semanas, tendo atracado em Ponta Negra [Pointe-Noire, em francês; é a
segunda maior cidade e principal centro comercial da República do Congo]. Fizemos
depois viagem de regresso, e em outubro desse ano desembarcámos em Mariel,
aonde nos receberam vários chefes militares. Fizeram-nos exames médicos e
regressei para minha casa.
22. = Voltou a exercer como médico
civil?
Não;
informaram-me que o ministro queria que eu continuasse na vida militar porque
tinha cumprido bem a missão e dei então início à especialidade de cirurgia no
Hospital Dr. Carlos J. Finlay.
Periodicamente,
faziam-nos exames, e no ano do regresso a casa todos os que tínhamos estado em
Bissau tiveram resultados positivos de filária no sangue. Há vários tipos de
filária produzida por parasitas, e o tipo Loa atravessa os órgãos vitais do olho
até ficar cego. Isto era precisamente o que tínhamos. Quando lia sobre isto
assustava-me um pouco porque diziam que até aquele momento não se poderia
garantir a cura. Estivemos perto de dois meses em tratamento hospitalar até que
saímos totalmente curados.
23. = Continua como médico
militar?
Não, no
Hospital Dr. Carlos J. Finlay estive até 1977, quando me desmobilizei e me
transferi para o Hospital em Covadonga [Hospital Docente Clínico-Quirúrgico Dr.
Salvador Allende], que começava a ser uma instituição universitária. Desde
então fiquei nesse centro de saúde como cirurgião e professor auxiliar.
24. = Cumpriu outras missões?
Em 1980, já
como civil, convidaram-me se queria ir até à Tanzânia como professor e nessa
nação africana estive dois anos.
– Uma breve síntese das
memórias relacionadas com a sua missão (JA.) –
A missão africana do dr. Amado Alfonso Delgado iniciou-se na
véspera de Natal de 1967, voando de Havana até Conacri, na companhia de outro
médico cubano. Na Guiné-Conacri, durante o primeiro trimestre de 1968, tem a
sua primeira experiência profissional, prestando serviço médico no Hospital de
Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro
clínicos cubanos aí colocados.
Em abril de 1968 dá início à sua integração na guerrilha ao ser
destacado para a Frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado,
médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com paludismo. Entra em
território da Guiné-Bissau pela fronteira Sul, terminando a sua primeira
caminhada na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos.
Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais
duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse lapso de tempo
passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando
ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.
Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na
região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal /
Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema
mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra
margem [?], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma
camisa. Olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas
aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe
porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.
Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses],
movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com
destaque para esta última Frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969.
Durante este período viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em
ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram
sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias,
por quatro vezes.
Esteve cercado por várias vezes, e na eminência de ser “apanhado à
mão”. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, lanchas da marinha e militares
descerem de helicóptero. Fez dezenas de cirurgias e amputações quase sempre durante a noite, tratando dos feridos em
combate.
Enviou para Boké as situações mais problemáticas. Foi
dentista e tratou de mordeduras de animais e serpentes. Foi atacado por melgas
e por centenas de abelhas. Teve paludismo por três vezes e automedicou-se.
Lavava-se no rio, mas não tinha nem toalha nem sabão, muito menos
papel para escrever alguma mensagem. Bebeu vinho de palma para matar os
micróbios, pois a água existente ao seu redor estava contaminada. Usou um pare
de ténis durante oito meses que se foram degradando por efeito das muitas
caminhadas. Para colmatar a ausência de atacadores amarrava-os com folhas
largas. Fez “pesca à granada” para se alimentar melhor.
Na mata do
Fiofioli esteve em cinco lugares diferentes. Era informado do dia dos ataques
onde estavam os portugueses (aquartelamentos, destacamentos, colunas de
abastecimento, tabancas,…) quase sempre com armas pesadas. Ficava geralmente na
rectaguarda a um quilómetro de distância. Muitas das vezes, nesses ataques
programados, existia um guerrilheiro em cima de uma árvore, de modo a dar
instruções na correcção do tiro.
Por tudo
isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a estas
dificuldades e ocorrências no seu contexto, e das tensões a elas associadas,
por via da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela
região, julgou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam
ficar sem pai… coitados, tão pequeninos.
Consequência
da actividade operacional das NT e do PAIGC durante um pouco mais de três meses
(de 8 de março a 18 de junho de 1969), levou Alfonso Delgado a ficar sem sono,
por efeito do muito trabalho e pelas enormes dificuldades sentidas no apoio
médico aos guerrilheiros feridos em combate, realizando cerca de cinquenta
cirurgias e amputações, de noite, à luz de archotes de palha ardendo.
Nos meses
seguintes, julho e agosto, que seriam os últimos da sua missão, os episódios
repetiram-se com a mesma dureza dos anteriores, com mais emoções e outras
tantas tensões, saindo da mata do Fiofioli por um mero acaso, quando ficou
acordado acompanhar a evacuação do seu ajudante e companheiro cubano Arrebato,
por este se encontrar bastante debilitado, física e psicologicamente.
Dias antes
do seu regresso a casa, que se verificou na segunda metade de outubro de 1969,
foram-lhe oferecidos uns sapatos, uns calções e um corte de tecido,
respectivamente para os seus dois filhos (casal) e esposa.
Em suma: o
médico Amado Alfonso Delgado, em resposta à questão 18 [xviii] afirmou: “eu
senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho
da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao
verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e
logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que
nunca antes tinha visto”.
Continua… com nova entrevista, agora ao médico Virgílio Camacho
Duverger.
Obrigado
pela atenção.
Um
forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
06SET2016.
[Consulta
em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
3 comentários:
E isso tem a ver com Soldados de Portugal, porque?!
JC Abreu Dos Santos
Por acaso esses cubanos estiveram ao lado dos portugueses para serem falados neste sitio? Muito lamentável
José Carlos Morais Rodrigues
Nota do editor: Comentários do JC Abreu dos Santos e José Carlos Morais Rodrigues, transcritos do FACEBOOK na página "Soldados de Portugal" com a devida vénia.
SdC
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