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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

P291 - David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), aquartelada em Mansoa, que em 17 de maio de 1967 foi aprisionado na mata circunvolvente ao quartel por grupo de guerrilheiros, e o de Manuel Fragata Francisco [Manuel Fragata], soldado da CART 1690 (1967/1969), sediada em Geba, que ao ficar ferido em combate na “Op Invisível”, realizada em 19 de Dezembro de 1967, na mata do Oio, não lhe permitiu retirar-se do local por ausência de mobilidade própria, sendo igualmente aprisionado. Em ambos os casos os militares portugueses foram levados para a base [Lar/Hospital] de Ziguinchor.

Mais uma vez a publicação de fragmentos relacionadas com as entrevistas dadas pelos médicos cubanos que estiveram na Guiné, entre 1966 e 1969, permitiu-nos abrir outras “janelas” da investigação, alargando não só os nossos conhecimentos, como recuperando outras memórias de cada um dos lados do combate.
Estão neste caso duas deserções de militares metropolitanos do exército português [NT], chegados a Bissau em Abril de 1965, e que decidiram atravessar a fronteira na região Norte (Senegal), apresentando-se, cada um em tempo diferente, ao PAIGC.
É neste contexto que nasce mais este pequeno contributo à causa da Historiografia da Guerra do Ultramar.
Com um forte abraço de amizade. 
Jorge Araújo.

NOV’2016.

FRAGMENTO ANTERIOR COM DATA DE: 21 DE Novembro DE 2016:

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
AMÍLCAR CABRAL E OS DESERTORES PORTUGUESES
- OS CASOS DE ARMANDO RIBEIRO E JOSÉ AUGUSTO MOURÃO -

1.   INTRODUÇÃO
Na elaboração da anterior narrativa [P288], a terceira relacionada com a entrevista ao médico-cirurgião Virgílio Camacho Duverger (1934-2003), foram incluídas referências a casos de deserção de militares das NT, nomeadamente o dr. Mário Moutinho de Pádua, considerado o primeiro oficial desertor da história da Guerra do Ultramar, ocorrida em Outubro de 1961, em Angola [Alf. Mil. Médico do BCAÇ 88].
Decorridos seis anos após essa sua tomada de decisão, o dr. Mário Pádua acabaria por integrar uma equipa de clínicos cubanos em missão de apoio ao PAIGC, primeiro no Hospital Militar, em Boké, na Guiné-Conacri, durante os meses de julho e agosto de 1967, fixando-se depois no Hospital de Ziguinchor, no Senegal.
Referiram-se, ainda, os casos de David Ferreira de Jesus Costa [David Costa], soldado da CART 1660 (1967/1968), aquartelada em Mansoa, que em 17 de maio de 1967 foi aprisionado na mata circunvolvente ao quartel por grupo de guerrilheiros, e o de Manuel Fragata Francisco [Manuel Fragata], soldado da CART 1690 (1967/1969), sediada em Geba, que ao ficar ferido em combate na “Op Invisível”, realizada em 19 de Dezembro de 1967, na mata do Oio, não lhe permitiu retirar-se do local por ausência de mobilidade própria, sendo igualmente aprisionado. Em ambos os casos os militares portugueses foram levados para a base [Lar/Hospital] de Ziguinchor.
Por lapso, associei o nome de David Costa ao de Daniel Alves [militar identificado com dupla deserção] e que fora noticiada por Amílcar Cabral [1924-1973] em nota, por si manuscrita, enviada aos seus camaradas no início de Janeiro de 1969 [P16722].
Da pesquisa realizada para encontrar alguma referência acerca do caso do Daniel Alves, fugido de Dacar no final do ano de 1968, tendo por fonte privilegiada a «Casa Comum – Fundação Mário Soares», ela não produziu qualquer resultado. Porém, tive acesso a outros documentos relacionados com o tema “deserções”, pelo que decidi partilhá-los convosco, elaborando, por ordem cronológica de acontecimentos, mais esta pequena narrativa.
2.   OS CASOS DE ARMANDO CORREIA RIBEIRO, DA CCAV 789, E DE JOSÉ AUGUSTO TEIXEIRA MOURÃO [Unidade desconhecida]
A referência a estes dois militares metropolitanos que decidiram desertar de unidades do exército português em missão no CTIG foi encontrada em documento, sem data, manuscrito por Amílcar Cabral e que abaixo reproduzimos. Os nomes referidos são:
1.    - Armando Correia Ribeiro, n.º mecanográfico 1919/64, da CCAV 789, com 24 anos de idade, natural de Coimbra, e chegado a Bissau a 28 de abril de 1965.
2.    - José Augusto Teixeira Mourão, n.º mecanográfico 3426/64, unidade militar desconhecida, com 23 anos de idade, natural do Porto, e chegado a Bissau a 6 de abril de 1965. 

Citação:
(s.d.), "Informações relativas a dois militares do exército português", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41210 (2016-11-20)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07058.016.013
Título: Informações relativas a dois militares do exército português
Assunto: Informações relativas a dois militares do exército português: Armando Correia Ribeiro e José Augusto Teixeira Mourão.
Data: s.d.
Observações: Documento incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral 1961-1963
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Uma vez que não existe no espólio do nosso blogue qualquer elemento historiográfico da CCAV 789, tendente a ajudar-nos a entender as razões ou as motivações que estiveram na origem da deserção do Armando Correia Ribeiro, avançámos para a elaboração do quadro de baixas em combate verificadas nesta unidade durante a sua comissão, com relevância para as respectivas datas
De referir que a CCAV 789, a terceira unidade operacional do BCAV 790 [instalado em Bula], chegou a Bissau a 23 de Abril de 1965 e o regresso à Metrópole verificou-se a 8 de Fevereiro de 1967. As duas viagens foram realizadas a bordo do N/M Uíge. A CCAV 789 esteve aquartelada em Teixeira Pinto e Binar.

Quadro estatístico do autor - Fonte: http://ultramar.terraweb.biz/Convivios_Imagens/BCAV790/BCAv790_osmortos.pdf, (com a devida vénia).
Quanto ao caso do José Augusto Teixeira Mourão, desconhecem-se, igualmente, os antecedentes que o levaram a desertar do exército português, a que se adicionam todos os elementos relacionados com o seu currículo militar [a não ser que o nosso camarada José Martins nos possa ajudar neste âmbito].
No entanto, a primeira referência de que há registo sobre José Augusto data de junho de 1966 e foi relatada pelo médico cubano Domingo Diaz Delgado no primeiro fragmento da sua entrevista [P268].
Recuperamos essa passagem: […] Lilica Boal [Maria da Luz “Lilica” Boal] levou-me a sua casa [em Dacar], aonde permaneci três ou quatro dias até que me dão a conhecer [Junho de 1966] um desertor do exército português, de nome José Augusto [José Augusto Teixeira Mourão], e apresentam-me como admirador do Movimento e que queria participar na guerrilha contra o seu governo. A este ex-militar deram-lhe numerosos detalhes e dizem-lhe que sou cubano. Desde aquele momento não fiquei tranquilo e pedi que me mudassem de casa, pois não confiava naquele homem. Mudam-me para outra moradia, onde fiquei mais um dia. […] O principal trabalho em Sará [base], durante esses meses [Julho a Dezembro de 1966], foi a extração de dentes. Tenho um caderno onde registei a quantidade de pessoas que tratei, incluindo o português desertor [José Augusto] que me apresentaram em Dacar, que depois se confirmou tratar-se de um agente da Inteligência portuguesa. Esse homem permaneceu preso no Norte da Guiné, convivendo connosco nesse acampamento.
Citação:
(1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC, base no interior da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43576 (2016-11-20).
Creio que podemos validar, com elevada margem de segurança, que a imagem acima está relacionada com a base de Sará [1966], aonde se vê um cidadão branco, [militar português?] vestido “à civil”, com barba de duas semanas, calçando ténis, e ao seu lado é possível identificar a perna esquerda de um outro corpo, cuja situação deveria ser igual à sua. Daí considerá-los como sendo o José Augusto e o Armando Ribeiro, fazendo fé nas referências produzidas nos vários documentos a seguir identificados.


2.1 – Em 31 de Agosto de 1967: Reunião com os desertores portugueses
Por decisão de Amílcar Cabral foi realizada, na data em título, uma reunião com os dois desertores portugueses, onde foram abordados os seguintes pontos [resumo]:
1.    – Desculpa-se de só agora os ter podido ouvir.
2.    – Fala do significado da deserção. Refere os cuidados que nós [PAIGC] devemos ter também com os desertores. Referiu o caso de um desertor que levado até Dacar fugiu e hoje se encontra em Bissau [será o caso do David Costa?]. Apesar da nossa boa vontade, dos nossos princípios de humanidade, do nosso bom coração, temos de estar vigilantes. Refere os casos de tentativa de fuga, de um deles lá dentro [?] e de outro, de fuga em Dacar, onde se juntou. Diz ainda que os Relatórios mostram contradições nas suas afirmações.
- Mourão (José Augusto) – Chegou a Dacar. Esteve três dias preso. Liberto, foi para o Lar [Ziguinchor?!]. Dois dias depois foi beber uma cerveja com um camarada nosso (Joaquim), numa taberna de um tal Lima (que é Pide). Este pediu-lhe para o ajudar no seu trabalho. Mais tarde conheceu um tal Germano Monteiro (Pide) que o levou à freira. Conversaram na embaixada e fizeram-lhe perguntas. As suas respostas eram comunicadas ao telefone ao embaixador da Suíça. Depois comunicam com a Lilica que, segundo afirma, lhe disse que se quisesse ir para Lisboa esta lhe obteria os papéis [documentos oficiais].
- Amílcar – Esclarece que Lisboa começa mesmo em Dacar com qualquer Pide. Esta pode matar em sua casa o desertor, pode fazer desaparecer o corpo e enviá-lo para Lisboa. Pode também liquidá-lo mesmo na Embaixada ou obrigá-lo à força a sair para Lisboa.
- Lilica Boal – esclarece que é falso o que diz e o que se passou foi o seguinte: afirmou-lhe que se quisesse ir para Lisboa o liquidariam.
Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 1, abaixo reproduzida.
 - Fala Armando [Ribeiro] (desertor) – Conta que foi com dois camaradas nossos longe do Sará [base] para ir beber e que se embebedou. Voltou à base e começou a falar sozinho. Depois, porque estava a dizer coisas sem nexo, um camarada criticou-o pelo que disse. O José Augusto começou a provocá-lo e depois jogaram à pancada. Em consequência disso, aborrecido, saiu da base à noite e depois encontrou um grupo de guerrilheiros que o conduziu à base. Ia às vezes caçar, mesmo sozinho. Outra vez afastou-se para uma Tabanca, tendo depois sido acusado de tentativa de fuga.
- Pergunta de Fidelis (a José Augusto) – Porque mostrou a figura de Amílcar e de outros responsáveis do Partido a um desconhecido que estava numa taberna, cerca da C.R.P. [Casa de Reclusão do Partido?].
- José Augusto – Explicou a coisa.
- Amílcar – Diz que se tratará o problema da melhor maneira possível. Damos-vos comida, tratamo-los bem, damos-lhes dinheiro. Devem ter toda a confiança. Irão conversar com os camaradas Fidelis, Araújo, Vasco e talvez Armando [Ramos]. Diz que podem comunicar com a família.
- PRESENTES – Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.
Nota: O texto acima corresponde à transcrição da página 2, abaixo reproduzida.

Citação:

(1967), "Reunião com os desertores portugueses", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41297 (2016-11-20)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07072.125.007
Título: Reunião com desertores portugueses
Assunto: Apontamentos da reunião com os desertores portugueses. Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral, José Araújo, Fidelis Cabral de Almada, Armando Ramos, Joseph Turpin, Nino Vieira e Lilica Boal.
Data: Quinta, 31 de Agosto de 1967
Observações: Documento incluído no dossier intitulado Relatórios VI 1962-1971.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos



2.2 – Em 5 de Setembro de 1967: Pedido de autorização ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné para envio dos dois desertores do exército português para Argel
Cinco dias após realizada a reunião com os dois desertores portugueses – Armando Ribeiro e José Augusto Mourão – Amílcar Cabral, procurando resolver o problema conforme prometera, solicita, em carta enviada ao Ministro das Forças Armadas da República da Guiné-Conacri [General Lansana Diané (1920-1985)], autorização para o envio daqueles militares para Argel.
Com tradução do francês, eis a sua transcrição na íntegra.
Conacri, 5 de Setembro de 1967
Senhor Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico
Conacri
Senhor Ministro e caro companheiro de luta.
Depois de termos desencadeado a nossa luta armada de libertação nacional, vários militares portugueses e africanos desertaram das fileiras das tropas coloniais para se juntarem às nossas forças, abandonando, assim, a guerra colonial. A maioria dos desertores portugueses, dos quais obtivemos o melhor acolhimento, juntaram-se com a nossa ajuda aos movimentos antifascistas de Portugal, após terem passado pela República da Guiné. Outros passaram através do Senegal.
Dois militares portugueses, n.º 1919/64, Armando Correia Ribeiro, e n.º 3426/64, José A. [Augusto] Teixeira Mourão, que desertaram das tropas coloniais no Norte do país, foram transferidos para o Sul, encontrando-se presentemente em Conacri. Sujeitos às medidas de segurança necessárias, estes desertores forneceram-nos uma série de informações que considerámos interessantes.
Como os anteriores, gostaríamos de os enviar para a Argélia para inclusão num dos movimentos antifascistas portugueses mais representativo, com o qual temos boas relações.
É por isso que tenho a honra de lhe solicitar nos conceda, por favor, as autorizações necessárias às suas viagens para Argel.
Aceite, Senhor Ministro e caro companheiro de luta, a expressão dos nossos sentimentos de elevada e fraternal consideração.
P’ Bureau Político do P.A.I.G.C.
Amílcar Cabral
Secretário-Geral
Citação:

(1967), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35016 (2016-11-20)
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 04606.045.134
Assunto: Solicita autorização junto das autoridades de Conakry para enviar dois desertores do exército português para Argel.
Remetente: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC.
Destinatário: Ministro das Forças Armadas e do Serviço Cívico, Conakry
Data: Terça, 5 de Setembro de 1967
Observações: Documento incluído no dossier intitulado Cartas e textos dactilografados enviados por Amílcar Cabral 1960-1967
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondência
Para além do escrutínio aos documentos supra, nada mais relevante foi encontrado, pelo que continuará incógnito o que terá acontecido, a partir de 5 de Setembro de 1967, na vida de cada um dos nossos dois camaradas, a não ser que, entretanto, surjam novos desenvolvimentos.
Vamos acreditar que tal possa acontecer.

Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
25NOV2016.

Vd. Posts: Por António Manuel Marques Lopes, ex. Alf. Milº  da CART 1690, actualmente, Coronel DFA na situação de reforma: 

18FEV2011 - http://cart3494guine.blogspot.pt/2011/02/p93-op-inquietar-i-e-inquietar-ii.html

21FEV2011 - http://cart3494guine.blogspot.pt/2011/02/p94-rtp-2-artigo-37.html



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