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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

P400 - O farmacêutico minhoto que foi à guerra na Guiné e voltou para salvar vidas 40 anos depois - DN

MSG recebida em 14/10/2020 de Santos Oliveira, Ex.Fur. Milº Armas Pesadas/Ranger do Pel de Morteiros 912, Guiné - Tite, OUT1963/OUT1965, autor do Blogue: https://acordarsonhando.blogspot.com/ 


Publicado na edição do "Diário de Notícias" do dia 10/10/2020 e transcrito com a devida vénia.


Manuel Pimenta ajudou tanto em Cacheu, que a rua da maternidade da cidade tem o seu nome. E a paixão pelos guineenses já conquistou toda a família, a começar pela filha Manuela, farmacêutica como ele, que também tem feito muito para apoiar aquele povo africano tão ligado a Portugal. 

Manuel Pimenta e Manuela fotografados em Bôr, na Guiné, no verão de 2018. Pai e filha partilham paixão pela ajuda àquele país africano

© Leonardo Negrão / Global Imagens

"Passei dois Natais na Guiné, também foram dois aniversários", relembra Manuel Pimenta, farmacêutico, "repescado" para ir para a guerra quando tinha 29 anos. "Cheguei em junho, e a 24 de dezembro fiz lá os meus 30 anos", conta, sentado no laboratório de análises clínicas em Ponte de Lima que tem o seu nome. Quem socorre o pai quando a memória parece falhar é Manuela Pimenta, a filha também farmacêutica. Conheci ambos há dois anos numa reportagem em Bissau, quando visitava o hospital de Bôr, e fiquei de um dia contar a história do farmacêutico minhoto que foi à guerra na Guiné e voltou 40 anos depois para salvar vidas.

Ao contrário de muitos outros soldados portugueses enviados para a Guiné, Angola e Moçambique, Manuel Pimenta não foi chamado para África para combater. Foi para trabalhar na chefia dos serviços de saúde da então colónia portuguesa, e "como tinha pouco que fazer", deu uma ajuda no laboratório de um hospital hoje em ruínas, situado junto à estrada que leva ao aeroporto. Também trabalhou no hospital central de Bissau, hoje chamado de Simão Mendes, um herói guineense. Desse tempo recorda sobretudo como portugueses e guineenses se entendiam bem, pois "o que combatia eram as ideologias, não os povos".

Na Guiné, era a guerrilha do PAIGC que lutava pela libertação. E foi uma guerra duríssima, com a independência a ser proclamada em 1973, ainda antes do 25 de Abril em Portugal (foi reconhecida logo em 1974). Mas a memória de Manuel Pimenta, hoje como 82 anos, destaca sobretudo o que viu de positivo, como "aqueles helicópteros que vinham buscar até grávidas".

Ora, foi a condição das grávidas guineenses que levou mais de 40 anos depois o farmacêutico de Ponte de Lima de volta a África. "Fui lá em 2011 com um amigo aqui de Ponte de Lima, que era administrador da Universidade Lusófona, o António Montenegro Fiúza. Entretanto, soube que havia uma associação em Viana do Castelo que tentava juntar dinheiro para construir uma maternidade no Cacheu. Um português, ex-combatente, o José Luís Carvalhido, professor, foi lá e viu uma coisa horrorosa, a morte de uma jovem parturiente", conta.

"A mortalidade materna na Guiné-Bissau é das piores do mundo. A infantil também", sublinha a filha. Na conversa participam também José Antas Aguiar, o marido de Manuela, que foi várias vezes com o sogro à Guiné e que informatizou o laboratório de análises clínicas para rápido acesso dos médicos aos resultados, e Jesuíno Alvarenga, guineense, que está em formação em Portugal já pela segunda vez.

"As mulheres muitas vezes trabalham até ao último dia da gravidez. E de repente estão no mato na altura do parto, sem qualquer ajuda", explica Jesuíno, que fala com ligeiro sotaque brasileiro pois estudou em Goiânia graças a uma bolsa. "É terrível o que por vezes se vê, mas toca o coração perceber que aquilo que fazemos salva vidas", acrescenta José.

A maternidade em Cacheu foi construída com muito material doado de Portugal, desde janelas a azulejos, e a ajuda financeira de Manuel Pimenta completou o que faltava.

Houve grande festa na inauguração e a rua onde fica a moderna maternidade acabou por ser batizada com o nome do farmacêutico de Ponte de Lima, figura muito querida na terra, oriundo de uma família de sucessivas gerações de farmacêuticos que está ligada à Farmácia Misericórdia, que fica no coração medieval da vila.

Manuela demorou mais a ir à Guiné, só em 2018. "Ficava sempre apreensiva quando o meu pai e o meu marido iam de viagem. Mas quando me despedia deles no aeroporto ficava curiosa com o ânimo deles. Iam tão felizes, como que para uma viagem de finalistas. Como tenho filhas pequenas, ainda hesitei um pouco, mas quis também conhecer o país. E a verdade é que se tornou uma paixão de toda a família. Temos duas filhas, uma com 11 anos e a outra com 5, que sabem tudo sobre aquilo que fazemos lá, sabem o nome de muitas crianças que ajudamos e até rezam o ave-maria e o pai-nosso em crioulo", conta.

Manuela ajudou o pai a montar um laboratório de análises clínicas em Bôr, que visitei com o fotógrafo do DN Leonardo Negrão, e diz que hoje é tudo mais acessível aos guineenses, mais barato. À formação de Jesuíno aqui em Ponte de Lima junta-se a de outros técnicos guineenses no próprio país. "Temos de ajudar o nosso país a desenvolver-se, as pessoas a terem mais acesso à saúde", diz Jesuíno, que gosta de estar em Portugal, como gostou de estudar Biomedicina no Brasil, mas que quer voltar à Guiné, fazer lá carreira, "é a minha casa".

© Leonardo Negrão / Global Imagens

Manuel Pimenta sempre foi reconhecido como um humanista, uma pessoa também com grande espírito cristão, e em 1975, nas primeiras eleições a seguir à Revolução de 1974, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte. "Senti o dever de defender a democracia. E aceitei ser candidato nas listas do PS. Para mim, Mário Soares era o político que mais garantias dava ao país." Recorda-se de muitos outros deputados da época, que aprovaram a Constituição de 1976, como o ainda no ativo Jerónimo de Sousa, hoje secretário-geral do PCP, na época jovem operário.

Recordo com Manuel Pimenta e a filha aquele dia do verão de 2018 em que nos conhecemos em Bôr. E como uma tragédia que ali vimos teve um final feliz. Uma menina de 3 anos, a Nazaré, que ingeriu soda cáustica e ficou com o esófago queimado, tendo de ser alimentada por sonda. Uns meses depois, graças à ONG portuguesa Missão Saúde para a Humanidade, Nazaré viajou para Portugal, onde foi operada no Serviço Nacional de Saúde. Depois de uns tempos de recuperação, a menina guineense já comia iogurtes. Manuela esteve envolvida no processo, e elogia muito a amiga Maria José Ferreira, uma enfermeira de Aveiro, que também fez da ajuda à Guiné uma das suas causas. As duas também têm estado ativas no apoio ao Lar Bethel, em Bissau, que apoia órfãos e que também eu e o Leonardo visitámos num dia muito especial, uma oferta de equipamentos dos infantis e juvenis do FC Porto, uma ideia de Fernando Pinheiro, médico que integrou a Missão Saúde para a Humanidade.

A conversa em Ponte de Lima termina com Manuel Pimenta a contar uma outra história com final feliz: "Uma guineense grávida de quadrigémeos que desde os quatro meses foi acompanhada na Casa das Mães de Cacheu. Na altura do parto foi transferida para o hospital do Canchungo e depois, por segurança, para o Simão Mendes. E todos sobreviveram."

Manuela explica que a Casa das Mães, onde existe um azulejo com o rosto do pai, "é uma estrutura que fica junto à maternidade de Cacheu e serve para evitar partos repentinos, no meio do mato. As mulheres vivem ali quando estão perto do final da gravidez. Até cozinham e trazem os outros filhos. Mas têm acompanhamento, e isso faz toda a diferença". "Se ficam no campo, na tabanca, até ao fim, muitas morrem", diz Jesuíno.

"A parteira de Cacheu é Antonieta Monteiro. Falamos muitas vezes por telefone com ela", conta Manuela Pimenta. E as notícias agora são mais boas do que más. Muito graças à generosidade do farmacêutico que fez tropa na Guiné.

                                                                                                                   Diário de Notícias

                                                                                         SO

2 comentários:

Angola Alto Zambeze disse...

É mais uma vez de lamentar como os COMBATENTES têm sido desprezados por todos os políticos com mais incidência neste governo actual que conseguiu mais uma vez reprovar os estatutos do COMBATENTE, Vergonha Nacional

Valdemar Silva disse...

Mas o Estatuto do Combatente no Ultramar foi publicado no DR 162/2020 Série I, de 2020-08-20.
Então, quanto ao Estatuto do Combatente, o que é que foi de vergonha nacional reprovado por este governo?