MSG com data de 29/06/2022
Caríssimo Camarada Sousa de Castro,
Jorge Araújo.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS “MATAS” DA GUINÉ
(1963-1974):
RELEMBRANDO OS QUE, POR
MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA
GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»
OS CONTEXTOS DOS
“FACTOS E FEITOS” EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO
CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM “CRUZ DE GUERRA”, DA ESPECIALIDADE “ENFERMAGEM”
PARTE VI
► Continuação do P420 (V) (17.12.21)
1. - INTRODUÇÃO
Continuamos a partilhar no Fórum os resultados
obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, também, através
deste estudo, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da “saúde militar” (e igualmente no
apoio a civis e população local): médicos e enfermeiros/as, na nobre missão de
socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras
ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados
especiais.
Considerando a dimensão global da presente
investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada
um dos contextos da “missão”, analisando “factos e feitos” (os encontrados na
literatura) dos seus actores directos “especialistas de enfermagem”, que viram
ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de
3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta
utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada
pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).
2. - OS
“CASOS” DO ESTUDO
De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os
“casos do estudo” totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG
(1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde
Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por “actos
em combate”, conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica
e divulgado no primeiro fragmento – P415.
No
gráfico abaixo está representada a população do estudo agrupada pela variável
“ano”.
3.
- OS CONTEXTOS DOS “FEITOS” EM CAMPANHA DOS MILITARES DO
EXÉRCITO CONDECORADOS COM “CRUZ DE GUERRA”, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE
DE “ENFERMAGEM” - (n=24)
3.11
- FRANCISCO PINHO DA COSTA, ALFERES MILICIANO MÉDICO, DA CCAÇ 1439, CONDECORADO
COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE
A décima primeira ocorrência
a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de
Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe – a
quarta das distinções contabilizadas durante o ano de 1966, e a única atribuída
a um (Oficial) Médico – teve origem no desempenho tido pelo militar em título, quando,
em 21 de Agosto de 1966, domingo, a sua viatura, incluída numa coluna que se
deslocava em direcção a Porto Gole, accionou um engenho explosivo, seguida de
emboscada, tendo provocado alguns feridos com gravidade, sendo ele um destes.
Mesmo ferido, não deixou de prestar a assistência da sua especialidade, só
pedindo a sua evacuação quando entendeu que tinha concluído a sua missão
(infografia abaixo).
► Histórico
◙ Fundamentos relevantes
para a atribuição da Condecoração
▬ O.S. n.º 39, de 29 de
Setembro de 1966, do QG/CTIG:
“Condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439] – Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Infantaria n.º 1.”
●
Transcrição do louvor que originou a condecoração:
O
Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, com a sua atitude deu um
nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando
possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes
militares que o distinguem como médico e militar.” (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p
299).
◙►
CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA
Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do Alferes Médico, Francisco Pinho da Costa, socorremo-nos das memórias reproduzidas pelo camarada João Crisóstomo, ex-alf mil inf da mesma unidade, no P19813 (22.05.2019) – Parte III: “a vida em Missirá” – a propósito de uma foto (à civil) com um alferes médico (foto ao lado).
Acrescenta
que não se lembra do nome dele. Sabe apenas que era o médico do Batalhão que
estava em Bafatá (e do qual a CCAÇ 1439 fazia parte ou a que estava agregada).
O médico anterior a ele tinha sido uma das vítimas duma mina com emboscada. O
comandante do Batalhão de Bafatá [BCAV 757; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso
(?)] fazia parte dessa coluna, mas não estava a comandar. O capitão Pires, cmdt
da CCAÇ 1439 tinha-nos dito expressamente que ele não estava como comandante e
pertencia-nos a nós “protege-lo e entregá-lo”.
Este
(o médico anterior) era um indivíduo mais baixo, também com óculos, cara
redonda… Partiu as pernas e foi evacuado na mesma altura para Bissau e nunca
mais ouvi falar dele; também não me lembro do nome dele. Vou ver se o
Figueiredo se lembra; (se me não engano o Figueiredo era o condutor do Unimog
que sofreu a mina; eu ia ao lado dele, fomos os dois projectados cada um para seu
lado, mas, com sorte, sem nada quebrado; recordo-me bem de ter sido projectado,
e ao aterrar no solo ter encontrado ao meu lado a minha G3 de cano metido na
terra; nem de propósito teria sido tão bem “enfiada” no chão…). (…)
Por
outro lado, é muito provável que esta ocorrência esteja relacionada com a
«Operação Gorro», realizada entre 19 e 24 de Agosto de 1966, onde participaram
forças da CCAÇ 1439, CCAÇ 1551 e 1 GC da CCAV 1482. Esta actividade operacional
tinha por objectivo realizar uma série de patrulhamentos e emboscadas na região
de Colicunda, em exploração de uma notícia que referia que o IN cambava o rio
Geba naquela região, transportando material e munições para Jugudul. Ao ser
capturado 1 elemento IN, que fazia os reabastecimentos de Lasse para Chubi, foi
detectado um acampamento IN, composto por 6 casas de mato, que foi destruído.
Foi morto 1 elemento IN. (CECA; 6.º Vol.; p 408).
3.11.1
- SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1439
= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ
- PORTO GOLE E FÁ MANDINGA
Mobilizada pelo Batalhão Independente de Infantaria
19 [BII 19], Unidade pertencente à Região Autónoma da Madeira, para cumprir a
sua
missão ultramarina no CTIG, a
Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439], embarcou no cais do Funchal a 02 de
Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», que havia saído de Lisboa a
31 de Julho p.p., sob o comando do Cap Mil Inf Amândio Manuel Pires, tendo
chegado a Bissau a 06 do mesmo mês.
3.11.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1439
Xime, a fim de efectuar treino operacional com forças da CCAV 678 [18Jul64-27Abr66; do Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque] e assumiu a responsabilidade do subsector do Xime em substituição da CCAÇ 508 [20Jul63-07Ago65; do Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (1.º) e do Cap Inf Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles (1938-1965) (2.º)], ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697 [21Jul64-27Abr66; do TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos], com amissão de intervenção e reserva do sector. Em 10Set65, por troca com a CCAV 678 foi deslocada para Bambadinca, onde continuou com a missão de intervenção e reserva do sector e assumiu cumulativamente a responsabilidade do respectivo subsector de Bambadinca. Nestas funções, tomou parte em diversas operações de que se salientam, pelos resultados obtidos, a «Operação Bravura», de 14 a 24Ago65, na região de Galo Corubal e a «Operação Avante», em 29 e 30Ago65, na região do rio Buruntoni. Em 09Out65, por troca com a CCAÇ 556 [10Nov63-28Out65; do Cap Inf José Abílio Lomba Martins (1.º)], assumiu a responsabilidade do subsector de Enxalé, com destacamentos em Missirá e Porto Gole, mantendo-se na dependência do BCAÇ 697 e depois do BCAÇ 1888 [26Abr66-17Jan68; do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar]. No período, efectuou várias operações nas regiões de Madina Belel, Missirá e Porto Gole, em que capturou bastante armamento e material. Em 08Abr67, foi rendida no subsector de Enxalé, por troca com a CART 1661 [06Fev67-19Nov68; do Cap Mil Art Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º)] e recolheu seguidamente a Fá Mandinga, onde se manteve, temporariamente, como subunidade de reserva do sector. Em 17Abr67, seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu no dia seguinte, a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol; p 349).
3.12
- ANTÓNIO JOSÉ PAQUETE VIEGAS, SOLDADO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCS/BCAÇ
1877, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE
A décima segunda ocorrência
a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de
Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a
quinta das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no
desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Abanão 5»,
realizada em 06 de Novembro de 1966, domingo, na Região de Teixeira Pinto (hoje
Canchungo), quando tomou a iniciativa de, debaixo de fogo, chegar à frente da
coluna em que seguia, procurando socorrer os feridos graves provocados por
emboscada montada pelo IN (infografia abaixo).
► Histórico
◙ Fundamentos relevantes
para a atribuição da Condecoração
▬ O.S. n.º 02, de 12 de
Janeiro de 1967, do QG/CTIG:
“Manda o Governo da Republica Portuguesa,
pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao
abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio
de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné
Portuguesa, o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete
Viegas, da Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ
1877], Regimento de Infantaria n.º 15.”
●
Transcrição do louvor que originou a condecoração:
CCS/BCAÇ 1877, porque na «Operação Abanão 5», em 06 de Novembro de 1966, domingo, durante uma emboscada feita pelo inimigo, debaixo de fogo e revelando valentia, sangue-frio e desprezo pela vida, correu prontamente do meio da coluna, onde se encontrava, para a testa da mesma, a fim de socorrer um ferido grave que se esvaía em sangue.
O
Soldado Viegas, indiferente ao perigo, mostrou sempre durante a operação
bastante serenidade e compreensão dos seus deveres humanitários, manifestando o
maior empenho a todos auxiliar, tendo a sua pronta e rápida acção contribuído
para que o ferido grave pudesse ser evacuado em boas condições.
De
salientar que foi a primeira vez que tomou parte em operações e se ofereceu
voluntariamente para esta operação.” (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 155).
◙►
CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA
Para além dos fundamentos acima expressos,
nada mais foi encontrado na bibliografia consultada, impedindo-nos, assim, de
descrever, em pormenor, o contexto que determinou o louvor ao Soldado auxiliar
de enfermeiro, António José Paquete Viegas, e posterior condecoração.
3.12.1
- SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1877
= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA
Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 15
[RI 15], de Tomar, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, o Batalhão de
Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], constituído pela CCS e pela CCAÇ 1499, a primeira
das três Unidades de Quadrícula, embarcaram no Cais da Rocha Conde de Óbidos,
em Lisboa, em 02 de Fevereiro de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando
do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas, tendo desembarcado
em Bissau a 8 do mesmo mês. As outras duas Unidades de Quadrícula – a CCAÇ 1500
e a CCAÇ 1501 – haviam embarcado antes, a 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira,
igualmente a bordo do N/M «UÍGE».
3.12.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO
BCAÇ 1877
Comando-Chefe, sendo as suas subunidades [CCAÇ’s 1499; 1500 e 1551] destacadas em reforço de vários sectores. De 28Mai66 a 30Jun66, assumiu a responsabilidade do Sector O1-A, então criado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo as subunidades estacionadas em Teixeira Pinto e Cacheu e seus destacamentos, em área temporariamente retirada ao BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], com a finalidade primária de actuar ofensivamente na área do Churo, efectuar o controlo dos itinerários e estabelecer contactos com as populações. Em 15Jul66, assumiu, outra vez, a responsabilidade do Sector O1-A, então novamente activado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo a anterior zona de acção, e a partir de 11Out66, a área de Jolmete, então transferida do BCav 790. Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, emboscadas e de acções ofensivas sobre o inimigo, infligindo-lhe sensíveis baixas, apreensão e destruição de diverso material e dificultando a sua consolidação no terreno. Destaca-se, pelos resultados obtidos a série de operações "Arromba", realizadas na região de Banhinda - Lecache - Peche, entre outras.
Em 07Jan67, o Comando e a CCS (reduzidos)
renderam, no Sector L2, o BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de
Moura Cardoso], com a sua sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de
Contuboel, Fajonquito, Geba, Bafatá e Pirada, este retirado à zona de acção em 01Jul67;
entretanto o 2.° Cmdt e o resto da CCS mantiveram-se no Sector 01-A, até serem
rendidos pelo BCAV 1905 [06Fev67-19Nov68; do TCor Cav Francisco José Falcão e
Silva Ramos], em 08Fev67. Nesta situação, continuou a desenvolver intensa
actividade de patrulhamento e de reconhecimento sobre as linhas de infiltração
inimigas, além de garantir a segurança e desenvolvimento socioeconómico das
populações. Destacam-se, entre outras, as operações "Inquietar I" e
"Inquietar II", realizadas na região de Sare Dicó. Dentre o material
capturado mais significativo, no conjunto da actuação nos dois sectores,
salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 3 pistolas-metralhadoras, 6 espingardas, 1
lança-granadas foguete e 15 granadas de morteiro. Em 24Set67, foi rendido no
sector de Bafatá pelo BCAV 1905 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar
o embarque de regresso, o qual ocorreu em 06 de Outubro de 1967. (CECA; 7.º
Vol.; pp 78-79).
Continua…
►
Fontes consultadas:
Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o
Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das
Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo IV;
Cruz de Guerra, 1967; Lisboa (1992).
Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o
Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das
Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II;
Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)
Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o
Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das
Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª
edição; Lisboa (2002).
Ø Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção
dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de
muita saúde.
Jorge Araújo.
29JUN2022
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