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“Portugal desprezou soldados africanos”
Quando a guerra acabou, os homens das forças africanas foram fuzilados, presos ou agredidos pelas autoridades locais
Mexia Alves em pé, num barco Sintex com o qual se chegava ao destacamento do Mato Cão |
Por: Joaquim Mexia Alves, Guiné (1971-1973)
"Entrei para a recruta no Quartel de Mafra em Janeiro de 1971, finda a qual fui "escolhido voluntariamente" para me apresentar em Lamego onde fiz a especialidade de Operações Especiais, vulgo, Rangers. Daí fui colocado no Regimento da Serra do Pilar, em Gaia, onde a partir de Outubro de 1971 começámos a preparar o Batalhão, com o qual iria embarcar no ‘Niassa’, a 21 de Dezembro de 1971, rumo à Guiné.
Chegámos e fomos enviados para a ilha de Bolama onde fizemos a IAO, (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), com vista à adaptação não só ao clima, mas às condições de guerra da Guiné. O meu Batalhão, BART 3873, ficou sediado em Bambadinca (zona leste), e a minha companhia, CART 3492, foi para o aquartelamento mais longe da sede, no Xitole.
Durante os sete ou oito meses da minha estadia no Xitole, tivemos flagelações ao quartel, sem baixas, nem ferimentos entre os militares. Houve uma ou duas emboscadas, sem problemas para as nossas tropas, tendo sido reportadas por informadores algumas baixas no PAIGC.
Fui então enviado para comandar um Pelotão Independente de Africanos, o Pel. Caç Nat. 52, sediado nessa altura na Ponte do rio Udunduma, na estrada Bambadinca/Xime. Era um sítio sem condições de vida, mas onde estive muito pouco tempo e sem problemas. Depois o Pelotão foi colocado no Destacamento de Mato Cão, na margem norte do rio Geba, a meio caminho entre o Xime e Bambadinca, sendo a nossa primeira missão assegurar a navegabilidade desse troço do Geba.
GUERRILHA
As condições de vida eram francamente más: dormíamos em buracos abertos no chão, ladeados de bidons e cobertos de paus de cibo e sem luz. Devo ter estado em Mato Cão cerca de nove meses. Mantivemos uma forte actividade operacional – o melhor "remédio" neste tipo de guerra de guerrilha.
Posteriormente, fui colocado na C. Caç. 15, (Companhias de Africanos), sediada em Mansoa, constituída na sua esmagadora maioria por Balantas, e que fazia operações de intervenção do Batalhão de Mansoa, segurança à estrada em construção de Mansoa/Portogole, e segurança às colunas que passavam para Norte, junto à mata do Morés. Aqui e até ao fim da comissão tive uma actividade operacional muito intensa, com contactos com o inimigo de então, mas graças a Deus sem baixas na nossa Companhia a registar.
CAMARADAS
Regressei a Portugal, em rendição individual, em avião militar em 21 de Dezembro de 1973. Afirma-se, hoje em dia, que a guerra na Guiné estaria perdida militarmente. Não creio. Só motivos políticos justificam tal afirmação. Ainda hoje não esqueço a dedicação e empenho das forças africanas constituídas por guineenses, que honrosamente comandei, e exprimir a minha revolta pelo abandono a que foram votados. Muitos foram fuzilados e outros presos, agredidos, pelas autoridades que tomaram conta da Guiné – desprezados por Portugal.
Quero exprimir a minha revolta pelo ignominioso tratamento dado aos combatentes, não só da Guiné, mas também de Angola e Moçambique, por parte dos governos de Portugal. Há ex-militares que esperam o resultado de processos 35 anos depois do fim da guerra. Se antes como se dizia éramos "carne para canhão", hoje – vivos – somos transparentes.
PERFIL
Nome: Joaquim Mexia Alves
Comissões: Guiné (1971/73)
Força: Rangers
Actualidade: Administrador das Termas de Monte Real, 61 anos, quatro filhos e dois netos
3 comentários:
Caro Sousa de Castro
Belo trabalho o teu, em que vais repondo as histórias da guerra que vivemos, para que dessas histórias um dia se faça a verdadeira História, e não a história das conveniências de cada um, sobretudo daqueles que a maior parte das vezes nem sabem do que estão a falar.
Um grande e amigo abraço
Joaquim Mexia Alves
Não consegui comentar a história deste nosso camarada no sitio " A minha guerra" do jornal Correio da nanhã, aliáz o mesmo se passa com os comentários às restantes histórias dessa secção.
Concordo plenamente quando se refere ao abandono a que foram vetados os antigos soldados Africanos ao serviço de Portugal, o que revela uma atitude tipica de patria madrasta.
E os Soldados de Portugal não estão também votados ao ostracismo???????
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