11ABR2013
Regressado da Guiné, há já quase três semanas, começo
a ter tempo para algumas outras memórias.
Aqui vão.
Aquando da minha ida ao Xime, dei um demorado abraço a alguns homens do tempo da guerra (ao Bacar Biai, ao Malan Mané e ao Adelino Vieira que nos atravessava para o n’xalé e matava as vacas) e à Carfala que havia sido a minha lavadeira.
Mas não só. Um lágrima nostálgica me fez entrar na antiga escola primária. Está em ruínas. Que pena!
Aqui vão.
Aquando da minha ida ao Xime, dei um demorado abraço a alguns homens do tempo da guerra (ao Bacar Biai, ao Malan Mané e ao Adelino Vieira que nos atravessava para o n’xalé e matava as vacas) e à Carfala que havia sido a minha lavadeira.
Mas não só. Um lágrima nostálgica me fez entrar na antiga escola primária. Está em ruínas. Que pena!
Eis uma história. Um dia, o capitão Vitor Manuel da Ponte da Silva Marques,
comandante da Cart 3494, muniu-se dos seus brios e disparou-me obrigações: “a
partir da próxima semana vai dar aulas na escola primária!”. “Eu capitão?!”
“Porque não? Eu já reparei que o meu furriel tem jeito para dar explicações”.
Nunca percebi se se referia a um certo hábito em explicar e conversar com todos
(e nós sabíamos que alguns destes todos eram do PAIGC) ou se me achava mesmo
com queda. A verdade é que na semana seguinte lá estava eu na sala, com mais de
30 alunos desde os 6/7 anos e alguns com mais de vinte. Se a memória não me
atraiçoa. Era professor de quatro classes no PEM 8, no Posto Escolar Militar nº
8. Guardo ainda a chapa que ostentei ao peito durante os quase dois anos em que
engordei as esperanças de tantos alunos.
XIME 2013 |
Há cerca de dois anos, o irmão do Bacar Biai contactou-me, pelo correio
eletrónico e lá me foi dizendo que tinha sido meu aluno e que agora era
engenheiro florestal e trabalhava em Lisboa e que gostava de um dia me encontrar.
Qual não é o meu espanto quando, na sequência do texto que coloquei no “face”, vejo aparecer de novo o José Carlos a dizer que o Bacar era seu irmão e que!...
Tenho mesmo de te reencontrar, oh Biai, irmão do Bacar!
Foram dois anos de largas experiências e estórias. Recordo que sempre que havia ataques ao quartel fugíamos da sala e eu, e outros também, escondíamo-nos no bojo escavado do imenso poilão que ainda hoje docemente sombreia o decadente edifício (O abrigo no tronco é que já não o vi. Disseram-me os miúdos que a árvore se recompôs).
Recordo que andei em bolandas para conseguir uma boa tábua para fazer um escorrega. E consegui e houve escorrega... Sem proteções laterais e as vezes caía-se. E construímos a nossa horta pedagógica e colhemos legumes e até plantamos ananases (Não me lembro se algum teve direito de cidadania à nossa mesa. Mas que os plantamos... plantamos).
Há contudo um episódio que não esqueci de todo.
Os manuais que me entregaram, eram os usados nas escolas portuguesas, pelo que
um dia calhou trabalhar um texto que falava de televisão (fenómeno que há uns
17 anos havia chegado a Portugal). Como explicar-lhes o que era esse aparelho?
Em desespero de causa arrisquei: “não há por aqui um grupo de futebol?” Que
havia, sim senhor. E disseram-me qual. “E em Bissau?” “Também”. “Então imaginem
que o grupo de Bambadinca vai jogar com o de Bissau, em Bissau. Se aqui
houvesse televisão vocês poderiam seguir o jogo”. “Impossível!”, disparou logo
um.
Os malabarismos que fiz para os encantar, que nós somos o que lemos e a nosso mundo têm a dimensão do nosso vocabulário! Mais tarde, uma simpática velhinha, na Meadela, perguntava-me: “Zé Luis: um país é assim como Perre e Outeiro?”. Como n”Os deuses devem estar loucos”, o mundo, para esta velhinha, terminava logo depois do nevoeiro, que o não domínio das palavras é condimento certo para a noite enevoada do não saber.
Que saudades eu tenho dos meus alunos de 72 e 73! Mesmo dos incrédulos, que a fé é um dom que nem sempre bafeja a todos.
Qual não é o meu espanto quando, na sequência do texto que coloquei no “face”, vejo aparecer de novo o José Carlos a dizer que o Bacar era seu irmão e que!...
Tenho mesmo de te reencontrar, oh Biai, irmão do Bacar!
Foram dois anos de largas experiências e estórias. Recordo que sempre que havia ataques ao quartel fugíamos da sala e eu, e outros também, escondíamo-nos no bojo escavado do imenso poilão que ainda hoje docemente sombreia o decadente edifício (O abrigo no tronco é que já não o vi. Disseram-me os miúdos que a árvore se recompôs).
Recordo que andei em bolandas para conseguir uma boa tábua para fazer um escorrega. E consegui e houve escorrega... Sem proteções laterais e as vezes caía-se. E construímos a nossa horta pedagógica e colhemos legumes e até plantamos ananases (Não me lembro se algum teve direito de cidadania à nossa mesa. Mas que os plantamos... plantamos).
Há contudo um episódio que não esqueci de todo.
XIME 2013 |
Os malabarismos que fiz para os encantar, que nós somos o que lemos e a nosso mundo têm a dimensão do nosso vocabulário! Mais tarde, uma simpática velhinha, na Meadela, perguntava-me: “Zé Luis: um país é assim como Perre e Outeiro?”. Como n”Os deuses devem estar loucos”, o mundo, para esta velhinha, terminava logo depois do nevoeiro, que o não domínio das palavras é condimento certo para a noite enevoada do não saber.
Que saudades eu tenho dos meus alunos de 72 e 73! Mesmo dos incrédulos, que a fé é um dom que nem sempre bafeja a todos.
Um abraço.
Vd. Post.: http://cart3494guine.blogspot.pt/2013/03/p171-recordar-e-trazer-de-novo-ao.html
http://cart3494guine.blogspot.pt/2010/10/p82-o-cmdt-victor-manuel-ponte-da-silva.html
1 comentário:
Como te compreendemos Zé Luís. Um abraço do Enxalé até ao Xime.
António Bonito
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