Caríssimo Camarada Sousa de Castro
Os meus melhores cumprimentos.
Durante os treze meses em que o contingente da CART 3494
marcou presença no Xime, permitiram-nos quantificar um vasto leque de ocorrências,
em muitas delas colocando o universo do seu efectivo em situação difícil, como
é possível conferir pelas sucessivas narrativas já publicadas anteriormente
(ver postes).
Os factos a que me reporto no presente texto, sendo específicos à
participação numa acção concreta – a Operação «Guarida 18», realizada em
03FEV1973 – eles pretendem sinalizar quão problemática era a Actividade
Operacional naquela região, com destaque para a segurança terrestre e marítima,
patrulhamentos, emboscadas e diferentes operações.
Para a minha história cronológica, a participação nesta operação
coincidiu com a última missão em que estive envolvido nesse território – o
XIME… e que missão!
Obrigado.
Um forte abraço e votos de
muita saúde.
Jorge Araújo.
27Out2014.
GUINÉ
Jorge
Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
A ACTIVIDADE
OPERACIONAL DA CART 3494
(A OPERAÇÃO «GUARIDA
18» –– XIME - 03FEV1973)
- a minha última
missão… entre a Ponta Varela e Lisboa -
I – O XIME -- DESTINO
DA CART 3494 EM 1972
I.1 - ASPECTOS
SOCIOGEOGRÁFICOS
I.2 - MISSÕES
De entre as diversas
missões atribuídas diariamente à CART 3494, sobressaía a relacionada com
o conceito «segurança», por efeito da sua situação sociogeográfica,
merecendo destaque a rede hidrográfica, com a qual se estabelecia a fronteira
terrestre, de que são exemplos os rios Geba e Corubal [mapa e foto 1].
Vinte e quatro sobre
vinte e quatro horas, aquele que é o fundamento de qualquer missão militar em
contexto de guerra, o efectivo da CART 3494 desenvolvia as suas missões/acções
de modo a garantir a normal circulação no interface das duas principais vias de
comunicação com a Zona Leste do território da Guiné: a marítima e a terrestre,
assumindo, para o efeito, papel relevante não só a nível do que se considerava
reabastecimento, como na protecção de pessoas e bens, quer fossem unidades militares
ou elementos civis.
No contexto estritamente
militar todos os Batalhões e/ou Companhias Independentes, vindos de Bissau, ou no
seu regresso para a capital, tinham, nesta época, obrigatoriamente de passar
pelo Xime, localidade situada na margem esquerda do Rio Geba e, por isso,
considerada o “fim da linha”, uma vez que a via marítima era o meio mais
exequível de ligar os dois pontos, em particular por razões operacionais. Desta
relevância global, o Xime, e consequentemente o contingente militar ali
instalado, era considerado elemento estratégico por excelência nas suas
dimensões política, militar e económica.
Foto 2 – Cais do Xime
[Agosto/1972]. Vêm-se civis e militares. As cabras preparam-se para seguir
viagem até Bissau.
Foto 3 – Cais do Xime
[Julho/1972]. Quando da chegada de algum contingente militar ao Xime [de ou
para Bissau], sempre que possível, elementos da CART 3494 estavam no Cais para
os receber. Na foto, da esquerda para a direita, os ex-Alferes Maurício Viegas,
CMDT do 20.º Pelotão de Artilharia; Manuel Carneiro e Manuel Gomes e o ex-Cap
Pereira da Costa, CMDT da CART 3494 [de 22Jun1972 a 10Nov1972].
Estas actividades
diárias que sempre foram consideradas de alto risco, principalmente porque
visavam garantir a segurança possível ao tráfego rodoviário que circulava no
troço que ligava o Xime a Bambadinca, e que deste se ramificava
até ao extremo leste do território, de que são exemplos: Bafatá, Nova Lamego,
Piche, Canquelifá, Galomaro, Mansambo, Xitole, Saltinho, entre outras
localidades, influenciavam, e de que maneira, o nosso quotidiano, por atribuir-nos
uma dupla responsabilidade, na justa medida em que fazia depende do nosso
sucesso o sucesso dos outros.
Daí terem ocorrido
nos primeiros dez meses dois combates com grupos de guerrilheiros do PAIGC, de
que resultaram baixas para ambos os lados, entre mortos e feridos, na sequência
de duas emboscadas na Ponta Coli, a primeira no dia 22Abr1972 e a
segunda no dia 01Dec1972 [vd. P148 + P152 + P191].
Para além desta missão importante,
outras faziam parte da nossa “agenda” como sejam patrulhamentos, emboscadas,
segurança a embarcações que navegavam no Rio Geba, com chegada ou saída do
Xime. Acresce a tudo isto a realização de outras missões com objectivos mais
específicos, denominadas «Operações/Acções», com recurso à mobilização de maior
número de meios humanos e logísticos, algumas vezes fazendo apelo a apoios
aéreos. É desta actividade mais problemática que vos dou conta no ponto
seguinte.
II – A OPERAÇÃO
«GUARIDA 18» –– XIME - 03FEV1973
- a minha última missão… entre a Ponta
Varela e Lisboa -
Quarenta e um anos
depois, revisitei a História do BART 3873, em particular as memórias [e as
imagens!] das grandes experiências contabilizadas no contexto da actividade
operacional da CART 3494, no Xime. Este recuo no tempo foi influenciado pela
publicação dos diferentes fascículos que têm vindo a acontecer de modo faseado
no blogue Luís Graça, documento do nosso camarada António Duarte [ex-Fur.Mil.
da CART 3493/CCAÇ 12, que nos viria a substituir no Xime]. Para o efeito, recuperámos
os dois últimos [10.º/Fev1973-P13699 e 11.º/Mar1973-P13751], onde estão
inventariados, entre outros, os principais factos e feitos das subunidades.
Porque em alguns
deles estive envolvido e porque a história nada nos conta em relação aos
detalhes [não podia, porque o historiador/relator limitava-se a analisar o seu
conteúdo e/ou a transcrever o que chegava ao seu gabinete de trabalho, provavelmente
com censura pelo meio], aqui vos deixo o antes, durante e depois daquela que
viria a ser a minha última missão no Xime e que, para além desse valor
numérico, selou um espaço e um tempo carregado de muitíssimo significado
pessoal, e também colectivo.
Reza o documento
dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no 10.º fascículo; Fevereiro
de 1973, ponto 74. «NOSSAS TROPAS»; alínea a) Acções e Operações Mais
Importantes; o seguinte:
- “Acção «GUARIDA18» de 030500 a 031130 com patrulhamento, emboscada e montagem de
armadilhas na região de PTA VARELA. Intervieram 03 Gr Comb da CCAÇ 12 e
03 (-) da CART 3494. O IN teve 02 mortos e 01 ferido confirmados e as NT
01 ferido ligeiro” (p.46).
O que seguidamente se
relata traduz a verdade dos factos vividos na primeira pessoa, e é nessa
qualidade que tomei a iniciativa de os tornar públicos, com o objectivo de
ampliar os elementos historiográficos da minha CART 3494 / BART 3873.
Tomei conhecimento
desta Acção/Operação na véspera, dia 02Fev1973, 6.ª feira, de modo
informal/formal [não sei como classificá-lo] directamente do meu CMDT de
Companhia. Registei a informação e na sequência do diálogo que estabelecemos recordei-lhe
que tinha sido combinado entre nós que pela manhã do dia seguinte, sábado, seguiria
para Bafatá com o objectivo de apanhar transporte aéreo para Bissau e depois
para Lisboa, esta viagem agendada para o dia 05Fev73, data do início do meu segundo
período de férias.
Na impossibilidade de
se poder cumprir com o acordado anteriormente, causa/efeito atribuído ao
reduzido número de quadros de comando, naquele período, na Companhia, levou a
que a minha presença fosse considerada imprescindível naquela missão, acabando
por respeitar [obviamente] a decisão tomada. Entretanto, para minimizar
eventuais prejuízos que pudessem vir a ocorrer por redução do tempo útil até ao
embarque para Lisboa, foi acertado novo compromisso. Este sugeria que antes do
início da operação, deixasse tudo preparado com “mala feita” para que, após a
sua conclusão, seguisse de imediato para Bafatá ainda a tempo de se concretizar
o plano anterior. E foi isto o que veio a acontecer.
No sábado de
madrugada, dia 03FEV1973, do aquartelamento do Xime saiu uma força mista
de cerca de cento e trinta militares, entre guineenses e continentais,
operacionais da CCAÇ 12 e CART 3494, conforme referi anteriormente.
A missão estava a
decorrer com normalidade, sem sinais no terreno que suscitassem alertas particulares,
ainda que a atenção/concentração fossem, como sempre, conceitos a respeitar. Eis
senão quando o que se considerava ser uma possibilidade meramente académica
aconteceu mesmo.
Numa coluna mista, em
que os diferentes grupos de africanos e europeus se encontravam intercalados na
progressão, neste caso numa frente que podia, a espaços, atingir algumas
centenas de metros, as dúvidas/incertezas eram maiores, desfeitas quase sempre
a partir do equipamento e/ou do vestuário.
Em determinado
momento do itinerário utilizado pelas NT, na zona da Ponta Varela, na parte
inferior (sopé) de um terreno com declive acentuado, avistei um elemento do
PAIGC, com farda escura, vagueando por ali aleatoriamente. Ainda lhe fiz sinal
do cimo do declive mas não sei se me viu, uma vez que a progressão continuava o
seu curso… e ele por lá ficou.
Com este facto na
memória, e sem certezas quanto ao que deveria ter feito e não fizera, eis que
percorrida uma vintena de metros (+/-), ao contornar uma zona de vegetação com passagem
por uma clareira, aqui fiquei diante de um outro vulto humano, de camuflado
amarelado e portador de um RPG7. Ficámos frente-a-frente a uma distância a
rondar os dez metros, havendo ainda tempo para trocámos olhares, num lapso de tempo
que não é possível contabilizar, mas que impunha uma decisão pronta. Ao meu primeiro
sinal [tiro] iniciou-se o «jogo de sobrevivência» que caracteriza estes
contextos, e que o episódio anterior me tinha servido de alerta.
A vida na guerra tem
destas coisas...
Chegado ao aquartelamento,
são e salvo, dei cumprimento ao plano pré-definido, seguindo para Bafatá e
depois para Bissau, onde pernoitei.
No dia 05FEV1973, à
hora marcada, lá estava eu no Aeroporto de Bissalanca [hoje Aeroporto
Internacional Osvaldo Vieira], aguardando, ansiosamente, por outro momento
pleno de significado: - gozar o segundo período de férias em Lisboa, até ao dia
10Mar1973, em família. Era a última etapa do itinerário iniciado na Ponta
Varela (Xime) e concluído em Lisboa, quarenta e oito horas depois.
Foto 5 – Aeroporto de
Bissalanca [05FEV1973]. Momento de descontracção, antes do embarque na TAP para
gozo do segundo período de trinta e cinco dias de férias. A mala vermelha, outra
companheira que me acompanhou durante o serviço militar, está hoje cheia de
histórias e de memórias.
III – O REGRESSO AO
XIME
III.1 - A
viagem em sentido contrário ou o regresso às origens
De regresso a Bissau
no dia previsto [10Mar1973], para cumprir a derradeira etapa [que seria
superior a um ano], a expectativa era chegar ao Xime o mais rápido possível,
uma vez que não era funcional andar com a bagagem de um lado para outro na
capital, situação que dificultava, em muito, a nossa mobilidade.
De entre as várias
hipóteses, a mais rápida e a mais barata era ir à boleia, por via marítima
claro está, utilizando um dos barcos que diariamente sulcavam as águas do Geba
até ao Xime, ou até Bambadinca.
E assim foi, basta observar
a imagem abaixo.
Foto 6 – Bissau (Cais)
[11MAR1973]. Preparação da saída da embarcação que nos levou até ao Xime,
vendo-se à direita a mala vermelha transportando mais histórias, agora das
férias, e uma caixa de “pilhas recarregadas” para ajudar a resistir às
adversidades que certamente ainda teríamos de suportar, superando-as. Os
militares que se vêm na foto são: o ex-furriel Faia (CCS/BART 3873) e o outro,
em camuflado, um elemento da CART 3494.
III.2 - Chegada
ao Xime
Chegados ao Xime, foi
com espanto que soubemos da transferência da CART 3494 para Mansambo, no
dia 06Mar1973, substituindo a CART 3493, que foi deslocada para Cobumba. Por
sua vez, a CCAÇ 12, sediada em Bambadinca, e que era uma Companhia de
Intervenção do CAOP 2, substituiria a CART 3494 no Xime.
III.3 - Chegada
a Mansambo
Depois de uma viagem
atribulada no regresso ao mato, com estadia de uma noite em Bambadinca, eis-nos
a caminho de um novo aposento, ainda desconhecido para nós: Mansambo. O
baptismo foi um refrescante banho na fonte, local de visita e de paragem
obrigatória para o colectivo da CART 3494 (fotos abaixo).
Um
forte abraço.
Jorge Araújo
27OUT2014
Vd post: http://cart3494guine.blogspot.pt/2010/04/p-63-actividade-da-cart-3494-do-bart.html
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