Caríssimo Camarada Sousa de Castro
Os meus melhores cumprimentos.
Para além das acções de risco elevado que experienciámos durante a
nossa campanha no TO do CTIG, e que amiúde vos tenho recordado, outras houve
que, igualmente, convém dar nota pública para memória futura.
Está neste caso a narrativa que hoje vos trago ao conhecimento,
certamente desconhecida da grande maioria do contingente da CART 3494 e, em
particular, dos visitantes deste blogue.
Trata-se da atribuição de um nome toponímico a uma Tabanca do
subsector de Bambadinca, que não tendo carácter de geminação de relações
protocolares, teve por base o reconhecimento da população que connosco
partilhou o mesmo espaço durante os anos da nossa presença na região leste da
Guiné.
Obrigado.
Um forte abraço e votos de
muita saúde.
Jorge Araújo.
04Nov2014.
GUINÉ
Jorge
Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
SANTA CRUZ DA TRAPA
(Bambadinca – São
Pedro do Sul)
- Um nome; duas
comunidades separadas por + de 4.000 kms -
I – INTRODUÇÃO
Mobilizado pela 1.ª Repartição do
Estado Maior do Exército em 04NOV1971 – faz hoje quarenta e três anos
– para substituir o BART 2917 no Sector L1, com sede em Bambadinca
[nota circular n.º 4496/PM-Proc.º 18/3873], a chegada da Companhia de
Comando e Serviços [CCS] do BART 3873 a esta localidade da Zona Leste só
se verificou em 28JAN1972, 6.ª feira, sob o comando do Ten.Cor.Art.
António Tiago Martins (1919-1992), tendo como 2.º Comandante o Maj.Art. João
Manuel Pereira do Carmo Sousa Teles e Chefe da SECOPINFO o Maj.Art. Henrique
Artur Branco Jales Moreira.
O pensamento filosófico do seu líder,
e concomitantemente transmitido a todo o contingente do BART 3873,
projectou-se, desde logo, na intencionalidade da escolha do lema da sua missão no
TO do CTIG, gravada nos ícones da Unidade e Subunidades: «NA GUERRA
CONSTRUINDO A PAZ». A operacionalização global deste desiderato [Cap. II;
HU] passaria pela neutralização da subversão, através duma manobra
simultaneamente psicológica, social e militar.
Na manobra militar [3.ª dimensão],
as responsabilidades estavam distribuídas pelas subunidades colocadas nos
subsectores do Xitole [CART 3492], de Mansambo [CART 3493] e do
Xime [CART 3494], reforçadas com Pel Caç Nat’s, Pel Mil e Pel Art,
enquanto o subsector de Bambadinca disponha de uma Companhia de Intervenção do
CAOP 2 [CCAÇ 12], Pel Rec Daimler e Pel Morteiro.
Quanto à área psicológica e à
promoção social [1.ª e 2.ª dimensão], o método a utilizar traduzir-se-ia,
objectivamente, na necessidade de ganhar confiança e intimidade com a população
local, através de palavras e actos relevantes. Para este efeito, foram
espalhados panfletos de propaganda nos trilhos de passagem utilizados pelo IN,
no cumprimento da directiva para uma «Guiné Melhor». Foram cedidas viaturas e
barcos para o transporte de pessoas e bens, assim como foi feita protecção
nocturna às diferentes tabancas pelas NT. A assistência médica e medicamentosa
e os contactos permanentes com as tabancas passaram a ser uma prática regular.
Melhorou-se a pista de aviação de Bambadinca de molde a receber aviões T-6 [1.º
fascículo; HU].
Durante o primeiro ano da missão
[1972/1973] foram construídas nove escolas na área de jurisdição do Batalhão, a
saber: Ganhoma, Samba Juli, Sincha Mamajã, Sansancuta, Mero, Tangali, Sincha
Madiu, Afia e Demba Tacobá, desconhecendo-se se destas alguma era Posto Escolar
Militar. A edificação da Escola de Mero e de Sansancuta contaram com o apoio
dos Pel Mil 358 e 203, respectivamente.
Corolário das múltiplas acções
desenvolvidas pelas NT no apoio às populações, e referidas anteriormente, o mês
de Abril de 1973 ficou marcado por um acto público de grande significado
colectivo, ao ser proposta, e depois aprovada, uma nova designação toponímica para
uma recém-reconstruída/ocupada Tabanca, localizada no subsector de Bambadinca –
Santa Cruz da Trapa.
II – SANTA CRUZ DA TRAPA –– ABRIL DE
1973
- NOVO
TOPÓNIMO DO SUBSECTOR DE BAMBADINCA
A presente narrativa surge na
sequência de uma nova incursão ao baú de memórias das minhas vivências como
ex-combatente no CTIGuiné [1972-1974], pertencente à CART 3494, em que quatro
fotos tiradas no mesmo contexto me permitiu recordar outros papéis aí
desempenhados. Estou-me a referir ao que foi relatado na introdução e que,
muito provavelmente, a grande maioria dos operacionais do BART 3873 [subunidades]
ainda hoje desconhece.
A decisão de a divulgar, recuando
mais de quatro décadas, foi uma vez mais influenciada pela publicação faseada
dos diferentes fascículos que o «blogue Luís Graça» tem vindo a fazer,
documento facultado pelo nosso camarada António Duarte [ex-Fur. Mil. da CART
3493/CCAÇ 12].
Relembro, então, o
que consta no documento dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no
12.º fascículo; Abril de 1973, ponto 84. «POPULAÇÃO»:
- “O Pel. Mil. 370
de SANSANCURA pediu que se fixasse na antiga tabanca abandonada, denominada
SINCHA BAMBÉ. A ocupação da primitiva localidade foi rodeada por um cerimonial
confraternizador e significativo, na medida em que uma povoação morta desperta
para a vida da GUINÉ. Estiveram presentes o CMDT do BART 3873, COR ART ANTÓNIO
TIAGO MARTINS, cujo topónimo da terra natal – STA CRUZ DA TRAPA foi atribuído à
renascida povoação por sugestão dos milícias, o Régulo de BADORA, MAMADU BONCO,
os chefes das tabancas vizinhas e população. Uma lápide ali colocada ficou
assinalando o acontecimento” (p.52).
Quando se casava a oportunidade com a boleia,
deslocava-me à sede do BART para tratar de assuntos logísticos e, algumas
vezes, recolher o correio. Aproveitando esse facto, era natural e normal uma
deslocação à Messe de Sargentos, interagindo com os camaradas aí presentes,
repondo os líquidos necessários, comendo umas tapas e comentando o dia-a-dia da
nossa “problemática”.
Porque estava programada uma
deslocação a essa Tabanca para o dia seguinte, 23SET1973 - Domingo, foi-me
pedida uma ajuda para reforçar a equipa nomeada para a sessão de contacto com a
população, que aceitei.
Foram-me buscar à “Ponte” pela
manhã, tendo-me sido sugerido que trajasse com roupa civil, que respeitei.
Eis as quatro imagens de Santa
Cruz da Trapa [subsector de Bambadinca] que guardo no meu baú de memórias.
Foto 2 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca
[23Set1973]. Viatura utilizada na deslocação.
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Foto
5 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Idem. O J. Araújo
[CART 3494] e o Marques [CCS].
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III – SANTA CRUZ DA TRAPA
- FREGUESIA
DE SÃO PEDRO DO SUL [VISEU]
Para
enquadrar este texto, contactei recentemente um elemento do executivo da Junta
de Freguesia de Santa Cruz da Trapa, Município de São Pedro do Sul, Distrito de
Viseu, perguntando-lhe se tinha conhecimento da existência de uma comunidade na
Guiné com o mesmo nome da sua Autarquia; a resposta foi negativa.
Relativamente ao Coronel António
Tiago Martins, CMDT do BART 3873, soube que faleceu em 10OUT1992, com setenta e
três anos. Por outro lado, a sua esposa, Idalina Carvalho Pereira Jorge
Martins, faleceu em 12ABR2011, com oitenta e oito anos.
- Eis
um pouco da história de Santa Cruz da Trapa
Quando D. Afonso
Henriques, por volta de 1132, concedeu Carta de Couto ao recém-refundado
Mosteiro de Santa Cristina de Lafões, a então chamada Villa de Sancta Cruce já
existia. Chamava-se "parrochia Sancti Mamedis" de Baroso. Sabe-se que
a íntima
ligação dos Condes de Borgonha com S. Bernardo e o apoio que este reformador de
Cister obteve nas terras que viriam a ser Portugal deu lugar ao nascimento do
convento cisterciense de Lafões, chamado de S. Cristóvão. Uma das terras
incluídas no seu património tomara entretanto o nome de Trapa, certamente por
influência dos eremitas, que aí tiveram uma pequena ermida e um cenóbio
reconstruído e ampliado, ao que consta, por Cristóvão João, também cavaleiro-fidalgo.
Terá portanto existido num certo espaço, um convento na Trapa, que Cristóvão
João (ou Anes) encaminhou para os cónegos Regrantes de Santo Agostinho
(Crúzios).
A partir da primeira metade do
século Xll tanto a Vila da Trapa, com o seu couto conventual, como Paçõ (de
Palatiolo, residência de um antigo proprietário rural) passaram a integrar o
Couto de Cima, para sustento de S. Cristóvão de Lafões. No entanto o antigo
Couto da Trapa não perdeu importância, antes passou com o tempo a ser uma
espécie de sede administrativa do grande Couto de Cima.
Esta que é talvez uma das mais
belas aldeias da Beira e seguramente uma das que mais terá para contar,
atravessou séculos de tempo, desempenhando-se da função de sede dum concelho
medieval, autónomo, criado a partir da sua situação de terra coutada, portanto
em muitos aspectos, isenta da intervenção das autoridades centrais e regionais.
Para memória, deixou-nos os
vestígios do edifício da Câmara, hoje já alterado, restos do pelourinho que
alguém em má inspiração meteu a cabouco dum muro, restos da antiga cadeia (ali
junto a uma quinta com o nome de Leira da Cadeia), e documentação (de 1823) em
que se apresenta como sede dos recenseamentos da Capitania-Mor das Ordenanças.
Uma freguesia milenária esta, com
uma bonita igreja do século XVIII, construída por iniciativa do ilustre pároco
Dr. José de Almeida Navais, por então já com o composto nome de igreja de S.
Mamede de Santa Cruz da Trapa. Nome composto, como que a pretender resumir o
também complexo percurso histórico.
Santa Cruz da Trapa, até pela
riqueza histórica, humana e paisagística envolvente neste lindíssimo Vale de
Lafões, é todo um convite ao turismo inteligente e cultural [fotos abaixo].
Fonte: sctrapa.jfreguesia.com/historia
Eis mais um pequeno contributo para a história do BART
3873/CART 3494.
Obrigado.
Um abraço,
Jorge Araújo.
4NOV2014.
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