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terça-feira, 23 de agosto de 2016

P276 - MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘VII’ - O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO (III) Por: Jorge Araújo


MSG de Jorge Araújo com data de:16AGO2016

- Dando continuidade ao trabalho sobre as memórias de médicos cubanos no CTIG, anexo o 3.º fragmento relativo ao clínico Amado Alfonso Delgado, a que corresponde o sétimo deste meu projecto.

Nele se faz referência à primeira grande experiência vivida pelo colectivo da CART 3494, um mês após a sua chegada ao Xime, na sequência da sua participação na Operação “Trampolim Mágico”, realizada nas matas do Fiofioli nos dias 26 e 27 de fevereiro de 1972, onde estiveram envolvidos cerca de sete centenas de militares.

GUINÉ

Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494

(Xime-Mansambo, 1972/1974)

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘VII’

- O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO (III) -
1.   INTRODUÇÃO
Caros Fantasmas do Xime. Apresento-vos, hoje, a sétima parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das memórias transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969, mantendo o mesmo propósito de que vos dei conta no P274: o primeiro fragmento. Recordo que esta espontânea iniciativa surge na sequência de ter tido acesso ao livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
Neste livro, para além dos depoimentos desses três clínicos que estiveram na Guiné-Bissau: Domingo Diaz Delgado, Amado Alfonso Delgado e Virgílio Camacho Duverger, podemos ainda conferir e/ou comparar outros relatos sobre experiências vividas na primeira pessoa por outros médicos cubanos presentes em diversas missões africanas como foram os casos da Argélia, do Congo Leopoldville, do Congo Brazzaville ou de Angola.

Recordo, igualmente, que por estar perante uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço sócio histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do blogue da “Tabanca Grande”, na justa medida em que cada facto relatado ocorreu num tempo e num espaço (que não é o meu!), logo único, vivido por cada um dos sujeitos.

Contudo, esta minha decisão não significa que não se possa realizar, em cada situação concreta, o competente contraditório (ou acrescentar algo mais), uma vez que neste conflito bélico existiram dois lados, daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate - memórias de médicos cubanos”.

Cada um julgará o que é credível e/ou ficção…


1.   – O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [III]
Esta sétima parte corresponde, com efeito, ao terceiro de quatro fragmentos em que foi dividida a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia, natural de Santa Clara, capital da província de Villa Clara, a cidade mais central de Cuba.
No que concerne aos dois fragmentos anteriores [P274 e P275] neles se dão conta dos antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma missão internacionalista, tendo por cenário desejado o Vietname, que não se concretizou, acabando por surgir outro destino alternativo como foi o exemplo da Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau).
A sua missão africana inicia-se na véspera de Natal de 1967, tinha então vinte e sete anos de idade, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal. Os primeiros três meses passou-os na Guiné-Conacri, prestando serviço médico no Hospital de Boké na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.
A integração na guerrilha ocorre, somente, em abril de 1968, quando segue para a frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com paludismo. Após ter entrado em território da Guiné-Bissau (a Sul), a primeira caminhada terminou na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse período de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne que lhe ofereciam, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.
Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã, um local onde “o tiro era abundante”. Continua a sua “viagem” a pé, chegando à foz do Rio Corubal / Rio Geba onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [?], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. “Olhou-me com alguma indiferença perguntando-me: tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.
Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969, que foram os últimos da sua missão, durante os quais viveu muitos sobressaltos, com muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga, que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias, por quatro vezes.
Devido a todas estas ocorrências, por efeito da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, e das tensões a elas associadas, pensou não ser possível sobreviver. Mas, conseguiu concluir a sua missão, regressando a Cuba em Outubro desse ano.
Eis a continuação de outros relatos revelados pelo doutor Amado Alfonso Delgado tendo por base o guião da sua entrevista.

Entrevista com 25 questões [P3 > da 12.ª à 15.ª]
“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo”
12. = Viveu muitas tensões nesses ataques?
Durante o segundo ano que ali estive [Sector L1 - Bambadinca; 1969] realizam-se muitos desembarques de tropas helitransportadas, por exemplo, o hospitalito [enfermaria de colmo] da Mata de Fiofioli o/a queimaram em quatro ocasiões. Cada vez que uma avioneta [DO-27] nos sobrevoava duas vezes, logo nos atacavam. Primeiro realizavam um bombardeamento, para depois desceram os militares.
Os últimos seis ou sete meses que ali estive [com início em janeiro de 1969] [os portugueses] efectuaram uma operação muito grande e demorada [“Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março de 1969, uma das maiores operações realizadas no CTIG, movimentando cerca de 1300 efectivos, dos quais 36 eram oficiais, 71 sargentos, 699 praças, 106 milícias e 379 carregadores. Nesta operação, comandada pelo então coronel Hélio Esteves Felgas (1920-2008), participaram as seguintes onze Unidades Orgânicas: CART’s: 1743, 1746, 2338, 2339 e 2413; CCAÇ’s: 1791, 2403, 2405 e 2406; Pel.Mil da CCAÇ 2314 e PelCaçNat 53 (P11575-LG)].
[Quinze dias após esta operação, mais duas foram realizadas no mesmo sector com o objectivo de “se completarem as destruições dos meios de vida naquela região”, cada uma delas com a duração de dois dias. A primeira, “Op. Baioneta Dourada”, decorreu em 2 e 3 de abril de 1969, envolvendo a CART 1746 e as CCAÇ’s 2314 e 2405, num total de sete GComb. A segunda, em 4 e 5 de abril de 1969, na “Op. Espada Grande”, estiveram envolvidas as CART’s 2339 e 2413 e a CCAÇ 2406, com nove GComb. As bases do PAIGC percorridas foram as situadas na zona de Satecuta, Galo Corubal e Poindom (P9095-LG)].
[Três anos depois, também de dois dias, em 26 e 27 de fevereiro de 1972, foi realizada a “Op. Trampolim Mágico” (infogravura abaixo), envolvendo o (nosso) BART 3873, com as CART’s 3492, 3493 e (a nossa) 3494; o BCAÇ 3872, com as CCAÇ 3489, 3490 e 3491; a CCAÇ 12; dois GEMIL: 309 e 310 e a Companhia de Caçadores Paraquedistas 123, num total de vinte e oito GComb, equivalente a um efectivo de cerca de setecentos elementos, missão que contou com a presença no terreno do Comandante-chefe General António de Spínola (1910-1996).
Esta operação contou, ainda, com o apoio da FAP, com uma parelha de Fiat’s G91, uma parelha de T-6, dois Hélis e um Heli-canhão, e da Marinha, através do desembarque anfíbio na margem direita do Rio Corubal, da CART 3492 (Xitole; 4GC), CART 3493 (Mansambo; 4GC), CCAÇ 3489 (Cancolim; 1GC), CCAÇ 3490 (Saltinho; 1GC) e CCAÇ 3491 (Dulombi; 2GC), respectivamente na Ponta Luís Dias e em Tabacuta, tendo estas forças realizado acções de ataque a aldeias controladas pelo PAIGC atravessando as matas do Fiofioli até Mansambo (P13359-LG)].
Quando o ataque começou eram sete da manhã e estivemos correndo até às cinco da tarde. Eu não podia nem respirar da secura da garganta, pois não tínhamos água. Chegámos a uma aldeia desolada e no centro havia uma espécie de nascente com lodo e muitos bichos, e assim mesmo a bebemos. Eu levava uma lata de leite condensado, e essa foi a comida: água com lodo e leite condensado para poder seguir.
Cerca de vinte guerrilheiros juntaram-se, depois, a nós e disseram que já podíamos regressar, uma vez que já não se ouviam os rebentamentos. Quando chegámos a um arrozal larguíssimo, a que chamavam lala, sentimos o ruído dos hélis. Nos tiraram o sono, e os aparelhos passaram-nos por cima. Não sei como não nos viram, pois o terreno era verde e a fila de homens, deitados por terra, usavam uniformes amarelos que receberam de oferta. Esta foi outra das coisas inconcebíveis que me sucederam. Os hélis recolheram os militares portugueses e retiraram-se.

Continua…
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade e votos de boas férias, com saúde.
Jorge Araújo.
16AGO2016.
[Consulta em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
http://www.centropablo.cult.cu/libros_descargar/historiamedicos_cubanos.pdf







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