Total visualizações de páginas, desde Maio 2008 (Fonte: Blogger)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

P- 141 História no Ultramar com José Pedro Gonçalves Vaz (filho do último CEM/CTIG COR Henrique G. Vaz) Local: Bissau-Cufar-Cadique


Msg de Luís Gonçalves Vaz com data de 021410FEV12, contando-nos uma "estória" de seu irmão, José Pedro Gonçalves Vaz com 17 anos de idade, passada na Guiné em Dezembro de 1973, quando este, gozava férias com os Pais.

Recordo, que tanto o Luís como o Pedro são filhos do último CEM do CTIG; Coronel Henrique Gonçalves Vaz.

Coronel Henrique Gonçalves Vaz
(...) José Pedro Gonçalves Vaz, na altura com 17 anos, com alguma formação militar e em Férias de Natal, pois estava na Escola Naval em Lisboa, era Cadete. Há uma parte que ele nao se lembrava bem, que foi a ida de Bissau a Cufar, mas daí até Cadique, lembra-se muito bem.... como "descreve corretamente o Aquartelamento de Cadique, segundo alguns combatentes como o Eduardo Campos da CCAÇ 4540. E segundo um outro meu irmão (António), esse com 15 anos e meio nessa altura, afirma que ele e o meu pai nessa noite não puderam regressar a Bissau (o piloto não tinha condições de regressar ao aeroporto de Cufar...), como tal... tiveram de ficar (pernoitar) em Cacine (Plano B), num Barco da Marinha, e puderam durante a noite "verificar in loco, algumas flagelações a Aquartelamentos na Zona.... Tendo o próprio barco feito "Fogo Amigo", como apoio de artilharia, sobre algumas zonas, onde se presumia concentração de forças do IN. Só regressaram a Bissau no dia seguinte. Este irmão que dá estes pormenores lembra-se muito bem, de ir ao Aeroporto de Bissalanca, com um dos condutores do meu pai, o  Djaló, buscar o meu Pai e o meu irmão Pedro.(...)

L.G.VAZ


História no Ultramar com José Pedro Gonçalves Vaz
Local: Bissau-Cufar-Cadique

Data: Dezembro de 1973


José Pedro Gonçalves Vaz, 17 anos, Guiné 1974
(filho do último CEM do CTIG –Guiné)
Sempre tive algum receio de voar, para não dizer medo (que fica muito mal para quem hoje viaja tanto de avião como eu), mas nos meus 17 anos eu queria muito era experimentar o helicóptero.
Estava eu na Guiné a passar umas férias de Natal com os meus pais, quando soube que o meu pai, que era na altura, o Chefe do Estado-Maior do CTIG, coronel Henrique Gonçalves  Vaz,  ia visitar uns aquartelamentos no Sul da Guiné.  Julgo que era Cufar e Cadique ! O plano de visitas dessa semana ao “Mato” do meu pai, era esse. O que me lembro melhor é que soube que iria de helicóptero, oh que maravilha… Passei essa semana a pedir ao meu pai que me levasse nessa saída. Para que se perceba, eu apesar de ter apenas 17 anos, era já um jovem cadete da Escola Naval, como tal seria “normal” ir-me habituando ao Teatro de Operações da Guiné, no entanto não era esse o meu pensamento, o que eu queria era “ter Acção” de helicóptero!
Depois de muito insistir, ele lá concordou em me levar. No dia D, pelo mês de Dezembro de 1973 (minhas férias de Natal), entregou-me, logo ao início da manhã, um camuflado (e uma G3) e disse: Veste-o, e prepara-te bem já que “vais ver o que te espera logo que saíres da Escola Naval! Eu, todo contente, lá o vesti. O tamanho, era de um tipo muito mais pequeno do que eu! Ficava com metade das pernas e dos braços, “descamuflados”! Tenho pena de não ter fotografias dessa minha experiência marcial. Depois das habituais recomendações, que incluíam o uso da G3 em caso de ataque e a responsabilidade do grupo, lá nos dirigimos para o local de embarque.
Último  CEM do CTIG, nesta fotografia ainda major Henrique Gonçalves Vaz, não no rio Cumbijã na Guiné, mas no rio Chiloango em Cabinda (1964 ) com apoio dos Fuzileiros, e como era de sua “tradição”, visitava todos os aquartelamentos, para onde realizava operações como oficial do Estado-Maior, Cadique não foi esquecido, como muitos outros aquartelamentos no Teatro de operações da Guiné, nos anos de 1973 e de 1974.

Oh… grande desilusão! Afinal, por qualquer razão logística de que não me lembro (talvez a necessidade do helicóptero nesse dia para evacuar feridos nalguma zona do TO), a viagem não ia ser realizada de helicóptero mas sim por outros meios de transporte. Não me lembro bem até chegar ao rio Cumbijã, mas o que era costume (informações de ex-combatentes) era ter ido de avião até CUFAR (que fica entre Catió e Bedanda) e depois, e disso lembro-me muito bem, fomos de sintex (pequeno barco rápido) até Cadique, na outra margem do Cumbijã. Chegados ao rio tivemos direito a um pequeno briefing para iniciarmos a parte mais crítica, visitar Cadique pelo rio Cumbijâ. O medo e a adrenalina estavam em níveis crescentes, e finalmente recebi instruções e lá me instalei com o restante pessoal, deitado no fundo da embarcação com a G3 apoiada na borda a apontar para a minha margem. Saímos do porto grande no rio Cumbijã em direcção ao Aquartelamento de Cadique seguindo rio abaixo  até que chegámos  ao nosso destino, no lado oposto do rio relativamente  ao ponto de partida.  Nesse percurso lembro-me muito bem da tensão na viagem, sempre à espera de sentir uma saraivada de balas disparadas de alguma das margens com o tarrafo bastante alto, mas eu estava bem “mentalizado” para uma reacção imediata da nossa parte. Hoje penso que tivemos muita sorte em não termos sido atacados. 
Ten. Cor. Art. Sousa Teles

Naquela altura, terei ficado um pouco desiludido já que, nessa idade somos todos um pouco loucos. Do que lembro hoje, a viagem decorreu sem qualquer incidente, com uma duração que me pareceu um eternidade, mas não foi, já que cada barco “sintex”, tinha um valente motor de 50 cavalos, com uma velocidade de cerca de 18 nós e, o percurso não teria mais que meia dúzia de km. A “escolta” do CEM/CTIG, não ultrapassaria dois Sintex com uma dúzia de militares bem equipados e com sentido de missão. Chegámos, finalmente, a  Cadique  e tive mais uma desilusão,  o nosso destino não passava de um aquartelamento cercado de arame farpado com meia dúzia de “tabancas” em redor. O Comandante, o Tenente-coronel Sousa Teles (1), teve de um “meeting” com o meu pai, do qual recordo apenas a discussão sobre o número de rádios e outros equipamentos que o Comando do CTIG,  poderia  disponibilizar para esse aquartelamento. A minha impressão actual é que a visita do meu pai, o CEM/CTIG, coronel Henrique Vaz, teria também o objectivo de expressar um apoio aos militares que ali combatiam em condições adversas já que, pelo que sei hoje, Cadique era frequentemente fustigada por ataques do PAIGC. Depois de tratarem dos “negócios” militares, convidou-nos então a dar uma volta de jeep pelo exterior do quartel.
Recorte de uma imagem do mapa da Guiné, onde é possível ver a localização do campo de aviação em Cufar, bem como o itinerário entre o porto novo de Cufar e Cadique,
Mais uma surpresa, naquele fim de mundo havia uma estrada asfaltada, no meio de uma selva cerrada, que, não acredito, levasse a lugar algum!
Ao fim de algum tempo (pouco…), encontrámos duas mulheres negras que caminhavam na nossa direcção. O Comandante parou o jeep e iniciou uma conversa com as mulheres numa linguagem para mim completamente estranha. Subiu uns pontos na minha consideração, pois falava perfeitamente o dialecto local… Impressionante! Depois de se despedir das mulheres, virou-se para o meu pai e disse: Meu coronel os “turras” estão aqui perto pelo que, sem escolta (só íamos os três, mas eu levava a minha G3…), não é aconselhável ir mais além. O meu pai concordou com o oficial conhecedor da “realidade” local e voltámos para trás.
Do regresso, nada me lembro, não me impressionou comparado com o que tinha acabado de viver naquele local recôndito, bonito mas perigoso. 
Cadique em 2008, integrado na área do Parque Nacional de Cantanhez.
(fotografia gentilmente cedida para este artigo pelo ex-combatente Eduardo Campos)

Nunca me esqueci de duas coisas desta estória, e que foram importantes na minha vida: o dilema que o meu falecido pai, coronel Henrique Gonçalves Vaz, deve ter tido para me autorizar a ir com ele e o profissionalismo daquele Comandante do mato.
Um ano após este episódio cheguei à conclusão que a minha vocação não era a carreira militar e mudei de ramo.

(1)    - Informação gentilmente dada pelo ex-combatente Eduardo Campos C. Caç 4540.
Curitiba, 30 de Janeiro de 2012
 José Pedro Beleza Gonçalves Vaz

2 comentários:

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caros Camarigos:

Para "completar" no sentido de dar mais algumas informações e contextualizar esta "Estória" do meu irmão Pedro, resolvi voltar a falar com o meu irmão António (ontem), que na altura tinha quase 16 anos, que ainda não leu esta "Estória" ... e...
Disse-me logo que ele não tem duvida quanto à data, foi mesmo no período indicado, meados do mês de Dezembro de 1973, e como já me tinha dito, o nosso pai, foi lá por causa de uma operação que se ia realizar, não sabe se seria a "Op. Estrela Telúrica" ou outra, pois nessa altura não faltavam operações por todo o TO na Guiné, em que o Comando do CTIG tinha responsabilidades. E segundo o meu irmão António, tem a certeza de que a ida a Cadique se relacionava com a verificação “in loco”, se faltaria alguma coisa, para que as tropas de Cadique não sofressem ainda mais baixas do que já tinham tido até o momento. Como tal o CEM/CTIG, foi in loco, falar com o comandante de Cadique, tenente-coronel Sousa Teles pessoalmente, pois era apanágio dele, certificar-se PESSOALMENTE, que nada faltaria para as operações, que na 4ª Rep do CC, se tinha gizado para essa altura(1) . E nessa odisseia, em que o meu irmão Pedro se viu envolvido, não ficou pela narrativa que ele escreveu. Talvez por achar melhor não adiantar pormenores, de que já não se lembra com precisão,… e deu realce aquilo que o marcou para a vida, como diz no final. Mas segundo o meu irmão António, depois da visita “especial” e do “briefing” com o comandante”, o regresso a Bissau não foi assim tão pacífico como se poderia, ou não, esperar. E segundo testemunho deste meu mano, foi assim, a saber “…o Pedro e o nosso pai nessa noite não puderam regressar a Bissau (o piloto não teve condições de regressar ao aeroporto de Cufar... e houve comunicação “brava” com o piloto…, como tal tiveram de ficar (pernoitar) em Cacine ( adopção de um Plano B), num Barco da Marinha (LDG, Lanchas de Desembarque Grandes ?), e puderam durante a noite "testemunhar in loco”, algumas flagelações a Aquartelamentos na Zona.... Tendo o próprio barco feito "Fogo Amigo", como apoio de artilharia, sobre algumas zonas, onde se presumia a concentração de forças do IN. Só regressaram a Bissau no dia seguinte…”
Como se pode registar por este testemunho, este meu irmão António que dá estes pormenores lembra-se muito bem, de ir ao Aeroporto de Bissalanca, com um dos condutores do meu pai, o Djaló buscar o meu Pai e o meu irmão Pedro no dia seguinte à dita visita a Cadique, tendo esperado pelo nosso pai enquanto se reunia com alguém do Comando da Força Aérea. E lembra-se de ouvir a Estória toda da boca do mano Pedro, que a relatou numa atitude de excitação, típica de quem muito jovem, assistiu a algo deveras importante! E antes de eu enviar a “Estória” do Pedro, já me tinha dito, que “.. Luís: a visita do nosso pai a Cadique teve a ver com uma operação que se ia realizar na Zona…” Pelos vistos tinha Razão, tem Boa Memória e a “Tal Operação”, teria se calhar,… o nome de “Operação Estrela Telúrica”. Agora percebe-se melhor, porque foi nomeado CEM do CTIG, numa altura muito má para as nossas Tropas neste Teatro de Operações , por “ESCOLHA”.
Um Alfa Bravo para todos vós:
Luís G. Vaz

(1) - segundo sabemos o Coronel Henrique Vaz nisso era impecável, e não deixava essa “certificação” para nenhum dos muitos oficias do QG, pois tratava-se do seu brio profissional, e por outro lado era ele o responsável máximo, pela coordenação de todo o “Apoio Logístico e humano para apoiar estas operações”, e perante o Comandante do CTIG, se a logística dessas operações tivessem pontos fracos, era também ele o responsável, e é claro, … perante o Comandante-chefe na Guiné, seria o Comandante do CTIG o responsável. Comprovam este seu perfil, os 17 louvores (2 de ministros do Exército) que constam na sua folha de Serviços, bem com as condecorações que recebeu.

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caros amigos: o ex-combatente, Eduardo Campos, enviou-me em 31 de Janeiro, as "Preciosas Informações" sobre Cadique na Guiné, a saber:

Eduardo Campos
31 Jan

para mim
1º Estive em Cadique, nas datas mencionadas no mail anterior, acrescentando que quando cheguei a Cadique não existia aquartelamento, tendo o mesmo sido feito pela minha Companhia e outras que posteriormente chegaram ao local.

2º Lembro-me perfeitamente dessa (maldita) estrada, pois a minha Companhia foi colocada em Cadique, precisamente para fazer
protecção à Companhia de Engenharia para construção da mesma de Cadique-Jemberem (cerca de 15-16km).

3º Quanto à mata cerrada, quem esteve em Cadique infelismente conheceu-a bem.

Em 2010 estive lá, mas a estrada não existe, apenas uma pequena picada.

Do antigo aquartelamento existe poucos vestigios da nossa passagem pelo local (envio 5 fotos em anexo) a foto 8224 é antiga estrada alcatroada entrando em Cadique por Jemberem.

Se quiser contactar telefónicamente comigo aqui vai o meu contacto xxx xxx xxx

Eduardo Campos
C. Caç 4540.

Nota: Ao Eduardo Campos, com quem falei também pessoalmente pelo telefone, o meu muito obrigado.

Luís Gonçalves Vaz