Caríssimo
Camarada Sousa de Castro
Os
meus melhores cumprimentos.
Na sequência da leitura da acta da reunião do Conselho de
Guerra do PAIGC, realizado em Conacri, em maio de 1970, permitiu-me chegar a
novos dados sobre o tema em epígrafe.
Porque acrescentam algo mais aos já divulgados anteriormente,
tomei a iniciativa de os organizar na presente narrativa, que anexo.
Com um
forte abraço de amizade.
Jorge
Araújo.
OUT’2016.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
AINDA O EMIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI]
E A
MISSÃO DE BOBO KEITA NA MATA DO FIOFIOLI
1. – INTRODUÇÃO
A
presente narrativa tem por base fontes de informação «(d)o outro lado do
combate» (título utilizado igualmente no projecto dos médicos cubanos, ainda
não concluído), onde novos factos considerados fiáveis, nomeadamente no que
concerne ao enigma relacionado com os ferimentos em combate do comandante
Mamadu Indjai [N’Djai], nos permitem ficar mais próximo da verdade e que, pelo
seu valor sócio-histórico, decidimos partilhá-los convosco.
Em
simultâneo, e no desenvolvimento da investigação que continuamos a fazer,
daremos conta também de outros acontecimentos relevantes tendo Bobo Keita
(1939-2009) por protagonista, na medida em que entre ambos existem pontos em
comum, de que um exemplo é o de terem sido nomeados comandantes da Frente da
Mata do Fiofioli, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, cada um em tempo
diferente, no mínimo entre os anos de 1969 e 1970.
2. – O
CASO DE MAMADU INDJAI [N’DJAI]
Como
foi referido no P281, ficou provado que Mamadu Indjai era responsável pela
segurança pessoal de Amílcar Cabral (1924-1973), não se sabendo desde quando
foi tomada tal decisão, e que em 19/20 de janeiro de 1973 é acusado de ter
estado envolvido no assassinato do secretário-geral do PAIGC, vindo a ser
executado alguns dias depois por esse motivo.
Disso
dá-nos conta Beja Santos no seu espaço «Notas de
leitura: Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral» onde cita: […]
“Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse
precauções. Ele era Mamadu N’Djai [Indjai], herói nacional, comandante da
Frente Norte, três vezes ferido em combate e, de [naquele] momento, em Conacri,
precisamente em convalescença do seu último ferimento” (P11001-LG).
Valoriza-se nesta passagem o facto de Mamadu Indjai ter sido
ferido três vezes ao longo da sua actividade de combatente na guerrilha. Não se
sabe, porém, quando, como e onde terão acontecido as duas primeiras, bem como a
dimensão de cada episódio, aceitando-se que a última vez [a terceira] seja a
ocorrida durante o ano de 1972.
Entretanto, com a ajuda do nosso amigo Cherne Baldé, a quem agradecemos,
ficámos a saber que Mamadu Indjai era um Guineense, do grupo etnolinguístico
Biafada, natural do sector de Injassane (Ndajassane), ao norte de Buba, região
de Quinara. Soube, através de um antigo combatente, que Mamadu Indjai foi um
dos mais antigos elementos da guerrilha. As suas acções/tarefas/missões
consistiam na sabotagem de telecomunicações e vias de comunicação através de
abatizes, factos realizados num tempo anterior ao início da guerra [comentário
ao P16519-LG].
Pelo exposto conclui-se que Mamadu Indjai contabilizou uma
experiência de guerra de mais de uma década. Durante esta fracção de
tempo, sofreu ferimentos em combate no decurso da “Op. Nada Consta”, em 18 de
agosto de 1969. Porém, fica-se sem saber se esta foi a primeira ou a segunda
vez.
Nesta data, o Cmdt
Mamadu Indjai foi gravemente ferido ao fim da tarde, depois da acção inicial de
grupos de paraquedistas do BCP 12 que efectuaram um heli-assalto de surpresa a
uma base IN de que resultou a sua destruição, a captura do roqueteiro Malan
Mané e do seu RPG2 e de outras baixas (P23-LG + P2683-LG).
De acordo com a última
informação elaborada por Torcato Mendonça [que também lá estava], parte do
grupo de Mamadu Indjai cairia numa emboscada montada pelo 3.º Gr Comb da CART2339 (Marques dos Santos) no itinerário Mansambo-Xitole, próximo da ponte sobre
o Rio Bissari.
Durante essa noite
ouviu-se no rádio, e de forma clara, os apelos do IN para tentarem ajudar a
saída para Conacri [ou Boké, que ficava mais perto] do Cmdt Mamadu Indjai. Em
função dos diferentes relatos acima, considera-se historicamente válido o nome
da “Op. Nada Consta”, enquanto a “Op. Anda Cá”, referida no P9011-LG, não faz o
mínimo sentido naquele contexto, pois nunca existiu [Torcato Mendonça].
Aproximadamente nove
meses depois destes ferimentos, Mamadu Indjai considerou-os, de facto, graves,
referindo-se a eles na Reunião do Conselho de Guerra (alargado), realizada
entre 11 e 13 de maio de 1970, em Conacri, na presença de altos dirigentes do
PAIGC, incluindo o seu líder, Amílcar Cabral.
A propósito dessa
ocorrência, no final da sessão da noite do primeiro dia dos trabalhos, Mamadu Indjai
fez uma intervenção, a qual ficou exarada em acta, de cujo conteúdo dá-se conta
abaixo [p 11], bem como a sua fonte.
Citação:
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125 (2016-10-01).
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry", CasaComum.org, Disponível HTTP:http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125 (2016-10-01).
Transcrição da intervenção de Mamadu
Indjai, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do
Conselho de Guerra
Mamadu
N’Djai (Indjai) – Agradeceu à Direcção do Partido o grande
apoio que lhe deu para salvar a sua vida. Está pronto para retomar o trabalho,
em qualquer momento. Pede uma missão entretanto, para não estar mais parado.
(interrompeu-se
a reunião às 00h00. Continua amanhã (12 de maio) às 16h30 da tarde. Nota: Amílcar
propõe que depois de amanhã toda a gente deve preparar-se e quinta-feira
partir).
1.
– O CASO DE BOBO KEITA
Sobre
o estado de saúde de Mamadu Indjai e da sua posterior e natural substituição
pelo comandante Bobo Keita (1939-2009-01, em Lisboa), Luís Graça, no seu espaço
«Manuscrito(s): Por aqui passou Mamadu Indjai, o terrível», cita: “Depois do ferimento grave de Mamadu Indjai,
"operado de urgência na zona 7", o Amílcar Cabral não sabia quem o
deveria substituir... O Bobo Keita ofereceu-se, em Boké, para substituir o
Mamadu Indjai "por 15 dias", por sugestão de Amílcar Cabral... Acabou por lá ficar nove meses, ou
seja, até ao fim do 1.º semestre de 1970... A "zona 7 (...) ficava nas
regiões de Xime, Bambadinca e Xitole", diz o Bobo Keita, nas suas memórias
"De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita", de
Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011, 303 pp. (P16444-LG).
Por outro lado, Beja Santos, em nova «Notas de leitura: De
campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho»: refere: […] “Bobo Keita é um
guerrilheiro da Frente Norte, anda por Binta e Guidage, a base era Sambuia. Em
junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo e depois regressa [quando?] à
frente Norte. No ano seguinte (1969), frequentou seminários em Conacri e depois
foi para a [ex] Jugoslávia. No
regresso [agosto de 1969?], ofereceu-se para ficar nas regiões do Xime,
Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses [provavelmente até finais de maio
de 1970?], vinha substituir provisoriamente [?] Mamadu Indjai.
Além
disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão.
Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas
baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos [?] e
um comando móvel.
Da
análise às informações divulgadas por Bobo Keita, Beja Santos acrescenta: trata-se
de “um relato com muitos altos e baixos. (…) Há notoriamente silêncios,
beliscadelas e sentimentos feridos. (…) Estes comandantes recebiam
documentação, mas nunca a invocam e muito menos a exibem. O que nos leva
permanentemente a questionar como é que se vão cozer todas estas peças
constituídas por depoimentos que mais ninguém valida” (P9137-LG).
Daí
que a expressão: “acabou por lá ficar nove meses, ou seja, até ao fim do 1.º
semestre de 1970” diz-nos pouco; é ambígua, pois não refere o(s) motivo(s) da
sua saída: foi de sua iniciativa ou foi decidida superiormente… imposta?
As respostas a estas interrogações fomo-las
encontrar na acta da Reunião do Conselho de Guerra acima referida, e que
seguidamente se apresentam:
Transcrição da intervenção de Amílcar
Cabral, manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do
Conselho de Guerra, sobre Bobo Keita
[…]
Quanto a Xitole-Bafatá há um problema a resolver com bastante urgência. Parece
que Bobo [Keita] com António Fiaz [Gomes] a coisa não está bem. Informa-se que
Bobo nunca está lá, faz daquela fronteira [Leste] como uma fronteira do
Senegal. Diz que não pára lá. Vamos investigar. Pede a Osvaldo [Vieira] que se
encarregue de saber da situação neste Sector, que é um Sector-Chave para nós.
Sobre Bafatá-Gabú (Sul) fizemos algumas operações, passaram o rio. Pensa que
Baro Seidá só é que deve ficar lá. […]
Transcrição das intervenções de Osvaldo
Vieira, Pedro Pires e Amílcar Cabral, manuscritas por Vasco Cabral (1926-2005),
secretário da reunião do Conselho de Guerra, sobre a situação no Sector 2
(Leste)
Osvaldo Vieira
(1938-1974) – Informa sobre a
situação no Sector 2. António Fiaz [Gomes] está aborrecido com Bobo [Keita].
Bobo criou uma situação incómoda, porque combinou um encontro com os camaradas
mas ele, Bobo, não apareceu. Refere que Mamadu [Cassamá], na frente Leste
[viria a morrer em Copá, em 07 de janeiro de 1974 - P16317-LG], os outros
camaradas não queriam lá a sua presença. Ele faz lá reuniões. Foi em três
bigrupos. Os camaradas levados por José Sambú recusaram-se a seguir as
indicações de Mamadu. […]
Pedro Pires (n.
1934) – Fala sobre a situação de Bafatá-Gabú (Sul). Humberto tem lá dois
bigrupos mas confronta-se com dois problemas: as distâncias e o rio [Corubal].
Ele está um bocado em baixo. Sobre a questão dos bigrupos há um problema: é que
os comandantes não estão à altura, querem só estar fora. Isso não pode ser.
Refere o exemplo do Papa-Soares. Humberto lamenta-se que não foi ouvido e está
abatido.
Amílcar Cabral
(1924-1973) – Quanto ao Humberto, de facto põe-se o problema da distância. Há
ou não há população. São os próprios combatentes que têm de transportar o
material. Explica como proceder em relação ao Humberto. Humberto está abatido
porque não queria sair da reinança de Quinara. Ele não tem razão para afirmar
que houve acusações injustas. “Há que mudar os comandos dos bigrupos ou mesmo
os bigrupos. Devem agir rápido para evitar encrencas entre António Fiaz [Gomes]
e Bobo Keita”. Refere o caso de Luís Gomes.
Infere-se
deste último parágrafo que Bobo Keita (1939-2009), enquanto comandante de um
bigrupo instalado na região da Mata do Fiofioli, foi substituído na sequência
da decisão tomada na Reunião do Conselho de Guerra de 11 a 13 de maio de 1970,
e por este omitido no seu livro de memórias.
Nota:
Para a elaboração deste texto foram utilizadas como fontes bibliográficas o «blogue
da Tabanca Grande» e a «Casa Comum – Fundação Mário Soares», com a devida
vénia, de acordo com as seguintes referências:
Obrigado
pela atenção.
Um
forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
03OUT2016.
Post da série de 24SET2016: http://cart3494guine.blogspot.pt/2016/09/p281-o-enigma-dos-ferimentos-de-mamadu.html
Post da série de 24SET2016: http://cart3494guine.blogspot.pt/2016/09/p281-o-enigma-dos-ferimentos-de-mamadu.html
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