Caríssimo Camarada Sousa de Castro.
À tua consideração.
Com um forte abraço de amizade,
Parte [X] O ENIGMA DOS FERIMENTOS DE MAMADU INDJAI [N’DJAI] “meti a sua arma e a minha ao ombro, calcei-lhe os sapatos e agarrei-o pelo cinto. Era uma pluma. Assim caminhei vários dias, numa distância aproximada entre Havana e Matanzas [noventa quilómetros], com muitos portugueses por perto e por caminhos inóspitos
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
MEMÓRIAS DE MÉDICOS CUBANOS (1966-1969) – ‘XI’
- O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER -
1. – INTRODUÇÃO
Esta
narrativa, que é a décima primeira, inicia a entrevista ao médico militar Virgílio
Camacho Duverger [1934-2003], a terceira no alinhamento do livro escrito em
castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma
coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus diferentes
entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos»
[La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on
line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.
Recordo
que por ser uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as
ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos
de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando
possível, algumas notas avulsas de reforço histórico ao que foi transmitido, com
recurso ao vasto espólio disponível no blogue da «Tabanca Grande» e a outras
referências retiradas da Net.
Esta
decisão não quer dizer que não se possa acrescentar algo mais em cada situação
ou facto concreto, antes pelo contrário, pois o objectivo supremo é ficarmos
cada vez mais perto da verdade, ainda que neste conflito bélico se tenham
enfrentado poderes com interesses antagónicos e avaliações diferenciadas, e daí
o título com que baptizei este trabalho de investigação: “d(o) outro lado do
combate – memórias de médicos cubanos”.
2. – O CASO DO MÉDICO VIRGÍLIO CAMACHO DUVERGER [I]
Virgílio Camacho Duverger nasceu em novembro de 1934, em
Guantánamo, cidade a oitenta quilómetros de Santiago de Cuba, esta fundada pelo
conquistador espanhol Diego Velázquez de Cuéllar (1465-1524), em 28 de junho de
1514
A sua cidade, Guantánamo, tornou-se célebre após a implantação, a
quinze quilómetros de distância, da Base Naval do mesmo nome pertencente aos
Estados Unidos da América, onde no seu interior se encontra a também célebre «Prisão
de Guantánamo». Esta Base Naval, situada na Baía, igualmente como o mesmo nome,
foi arrendada de forma perpétua pelos Estados Unidos, em 23 de fevereiro de 1903.
O seu percurso académico foi realizado entre Guantánamo e Santiago
de Cuba, aonde concluiu o seu bacharelato em 1952. Iniciou a carreira de
medicina em Havana, nesse mesmo ano, concluindo-a em dezembro de 1960, depois
de um interregno de dois anos por motivo de terem encerrado a Universidade na
sequência do ataque ao Palácio Presidencial em 1957, e reaberta depois do
triunfo da Revolução. Em julho de 1959 ingressa no Exército Rebelde como
técnico de saúde.
Incorporou-se como médico militar e no dia seguinte a obter o seu
diploma, foi mobilizado para Mariel, seguindo-se, depois, a transferência para
La Limpia del Escambray como médico militar. Poucos meses depois é designado
para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural. Seguiu-se Minas de Frio, uma
localidade existente na Serra Maestra, que era aonde funcionava a escola de
recrutas [cadetes] que Ernesto Che Guevara [1928-1967] havia fundado em 1958.
Como era militar, enviaram-no para o acampamento Pino del Agua, na província de
Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes, aonde só havia um
estomatólogo.
Nesse contexto, recebe um telefonema donde lhe pedem para se apresentar em Santiago de Cuba, onde o chefe dos Serviços Médicos em Oriente lhe coloca a necessidade de ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.
Nesse contexto, recebe um telefonema donde lhe pedem para se apresentar em Santiago de Cuba, onde o chefe dos Serviços Médicos em Oriente lhe coloca a necessidade de ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Foi o primeiro médico desse Batalhão aonde termina a pós-graduação, passando, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA]. Conclui a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transita para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.
Em janeiro
de 1966, durante a 1.ª Conferência Tricontinental, é contactado pelo doutor
José Ramón Balaguer Cabrera, naquele tempo chefe dos Serviços Médicos das
Forças Armadas, a quem lhe é colocada a possibilidade de ir cumprir uma missão
ao estrangeiro mas sem lhe dizerem o seu destino, que aceita. Concluído
um período de treino de cerca de dois meses, seguiu em finais de maio de 1966
até Conacri, a bordo do barco «Lídia Doce», na companhia de mais vinte e seis
“internacionalistas cubanos”, constituído por artilheiros, médicos e
motoristas. Este contingente acabaria por ser considerado o primeiro a chegar em
missão de ajuda ao PAIGC.
Seguem-se os
primeiros desenvolvimentos revelados durante a entrevista dada pelo doutor
Virgílio Camacho Duverger.
- Entrevista com 22 questões
[P1 > da 1.ª à 7.ª] -
“Testemunhos antes da morte”
[Notas introdutórias sobre o entrevistado da responsabilidade do jornalista
Hedelberto López Blanch, justificando-se, pelo
desenlace à posteriori, o titulo dado à entrevista: «testemunhos antes da
morte»].
Virgílio Camacho Duverger, destacado profissional de saúde, pessoa
amável e respeitada que nasceu a 29 de novembro de 1934 em Guantánamo, antiga
província do Oriente, o entrevistei numa tarde de janeiro de 2003 num pequeno
gabinete do Hospital [Clínico Quirúrgico] Hermanos Ameijeiras, [hospital líder
de Cuba, situado no centro de Havana, entre o centro histórico e o bairro de
Vedado], aonde mantinha uma consulta voluntária todas as terças-feiras.
[De referir, como curiosidade, que no terreno onde se ergueu este hospital, inaugurado em 3 de dezembro de 1982, aí funcionou durante um século aproximadamente (1852-1950), a Casa de Beneficência e Maternidade de Havana e, depois, até ao triunfo da Revolução
Cubana, em 1959, o Banco Nacional de Cuba e mais algumas dependências, nomeadamente a bolsa. Estes primeiros serviços estavam instalados em edifícios que ocupavam somente metade da área e que o novo estado cubano decidiu ampliar a sua construção, transformando-os em hospital, considerado dos melhores centros, da sua classe, no mundo. Quanto ao nome do hospital, este recorda os três irmãos Ameijeiras, mártires da luta revolucionária, que cresceram ao redor deste edifício].
Estava eu muito longe de pensar que somente dez meses após ter conversado com ele, em novembro de 2003, Camacho Duverger falecerá vítima de enfarte do miocárdio. Incrivelmente fora atraiçoado na sua própria especialidade de cirurgião cardiovascular, depois de ter operado e salvado centenas de pacientes.
Como meritória homenagem a este destacado académico e médico internacionalista, que cumpriu a sua missão na Guiné-Bissau, eis as suas últimas declarações para este livro que colige histórias inéditas de alguns dos homens que, como Duverger, cumpriram o dever patriótico e humano de salvar vidas em outras terras do mundo.
[De referir, como curiosidade, que no terreno onde se ergueu este hospital, inaugurado em 3 de dezembro de 1982, aí funcionou durante um século aproximadamente (1852-1950), a Casa de Beneficência e Maternidade de Havana e, depois, até ao triunfo da Revolução
Cubana, em 1959, o Banco Nacional de Cuba e mais algumas dependências, nomeadamente a bolsa. Estes primeiros serviços estavam instalados em edifícios que ocupavam somente metade da área e que o novo estado cubano decidiu ampliar a sua construção, transformando-os em hospital, considerado dos melhores centros, da sua classe, no mundo. Quanto ao nome do hospital, este recorda os três irmãos Ameijeiras, mártires da luta revolucionária, que cresceram ao redor deste edifício].
Estava eu muito longe de pensar que somente dez meses após ter conversado com ele, em novembro de 2003, Camacho Duverger falecerá vítima de enfarte do miocárdio. Incrivelmente fora atraiçoado na sua própria especialidade de cirurgião cardiovascular, depois de ter operado e salvado centenas de pacientes.
Como meritória homenagem a este destacado académico e médico internacionalista, que cumpriu a sua missão na Guiné-Bissau, eis as suas últimas declarações para este livro que colige histórias inéditas de alguns dos homens que, como Duverger, cumpriram o dever patriótico e humano de salvar vidas em outras terras do mundo.
1.
= Fale-me dos seus estudos e da carreira de medicina.
Fiz os
primeiros graus no Colégio La Salle de Guantánamo, e parte do bacharelato nessa
mesma cidade e o terminei em Santiago de Cuba, em 1952. Dou início à carreira
de medicina nesse mesmo ano, em Havana, e quando estou no quarto ano, fecham a
Universidade, depois do ataque ao Palácio Presidencial em 13 de março de 1957. Reinício
a carreira depois do triunfo da Revolução, e em julho de 1959 ingresso, com
outros companheiros, no Exército Rebelde como técnico de saúde. Era aluno de
medicina e faltava pessoal para os serviços médicos. Colocaram-me no Centro de
Cria Cavalar, em El Cotorro [um município situado a sudoeste da Província e
cidade de Havana]. Concluo a carreira de medicina em 6 de dezembro de 1960.
2.
= Que fez depois?
da França e da Alemanha, entre 1944 e 1945. Em 1951 tornou-se o primeiro Cmdt Supremo da OTAN (NATO). Dois anos depois foi eleito o 34.º Presidente dos Estados Unidos da América, mandato que decorreu entre 1953 e 1961].
Mais tarde transfiro-me para La Limpia del Escambray como médico militar. Três ou quatro meses depois sou designado para fazer a pós-graduação no Serviço Médico Rural, cujo chefe administrativo no Ministério da Saúde era o doutor José Miyar Barruecos (Chomi), [n. 1932; sendo-lhe atribuídas responsabilidades relacionadas com o desenvolvimento da biotecnologia, a criação e o funcionamento da Escola Latino-americana de Ciências Médicas (ELAM) e da Internacional de Educação Física e Desporto. É professor de Mérito da Faculdade de Medicina Victória de Girón].
Colocaram-me, então, em Minas de Frio [localidade existente na Serra Maestra, pertencente ao município de Bartolomé Masó, na província de Granma], Era aí que funcionava a Escola de Recrutas [Ciro Redondo (cadetes)] que Ernesto Che Guevara [1928-1967] havia fundado [em 1958]. O chefe da Escola era Aldo Santamaria Cuadrado [1933-2003]. Durante a minha presença, passam a direcção administrativa de Minas de Frio para o Ministério da Educação. Como eu era militar, enviaram-me para o acampamento Pino del Agua, na província de Oriente, que pertencia à Associação de Jovens Rebeldes. Quando lá cheguei, só havia um estomatólogo.
Muitos jovens que passaram por essa Escola hoje são generais. Por essa altura, recebo um telefonema donde me pedem para me apresentar em Santiago de Cuba. Ali o doutor Monreal, chefe dos Serviços Médicos em Oriente, coloca-me a necessidade de eu ir como médico para o Batalhão fronteiriço, em Guantánamo, que acabara de fundar-se. Fui o primeiro médico desse Batalhão. Termino a pós-graduação e passo, em maio de 1962, para o Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia [INCA], que era dirigido pelo doutor René Cirilo Vallejo Ortiz [1920-1969] (médico de Fidel de Castro).
Esse instituto surge porque Fidel [de Castro], depois da invasão da Praia Girón [conhecida em Cuba como a “Batalha de Girón”, na Baía dos Porcos, que fora uma tentativa frustrada de invadir o sul de Cuba empreendida em abril de 1961 por um grupo paramilitar de exilados cubanos anticastristas, a chamada Brigada de Assalto 2506], deu-se conta da falta de cirurgiões, anestesistas e de outras diferentes especialidades cirúrgicas. Ali surge também o INCA [Instituto Nacional de Cirurgia e Anestesiologia] e a especialidade de maxilofacial, que não existia. Concluo a cirurgia geral em 1964 (como militar) e transito para o Hospital Militar Dr. Carlos J. Finlay como especialista.
3.
= Quando e quem lhe propôs a missão internacionalista?
Em janeiro de 1966, durante a [1.ª]
Conferência Tricontinental [realizada em Havana, Cuba, entre 3 e 15 desse mês, e
onde esteve presente Amílcar Cabral (1924-1973), foi aprovada, em 12 de
janeiro, a criação da Organização de Solidariedade dos Povos de África, Ásia e
América Latina], contacta comigo do Hospital Dr. Carlos J. Finlay, o doutor
José Ramón Balaguer Cabrera [n. 1932], naquele tempo chefe dos Serviços Médicos
das Forças Armadas.
[O doutor
José Cabrera, chefe militar da Força Armadas de Cuba] coloca-me a possibilidade
de ir cumprir uma missão ao estrangeiro sem me dizer em que sítio. Incorporo-me
num grupo para treino. Eram três grupos: um de artilheiros, outro de
mecânicos-auto e outro de médicos. Cada grupo tinha nove elementos.
Depois nos
reagrupámos numa casa dividida por classes e na supervisão dos grupos
encontrava-se um companheiro que era da “segurança”, conhecido por Artemio
[tenente Aurélio Riscar Hernández Artemio] (com ele existiram alguns pequenos
problemas porque quis aplicar algumas teorias e passado algum tempo na
Guiné-Bissau o substituíram pelo Cmdt Victor Dreke) [facto ocorrido em
fevereiro de 1967]. Dos três grupos de nove cada um, saíram em avião até Conacri,
três artilheiros e dois médicos que o PAIGC necessitava com urgência. [Estes
cinco elementos chegaram à capital da Guiné-Conacri em 29 de abril de 1966,
numa viagem entre Havana-Moscovo-Praga-Marrocos-Conacri, chefiados por Aurélio
Artemio].
Estivemos nessa
casa aproximadamente dois meses. Deram-nos algumas aulas militares e de
português. Aí começámos a suspeitar de que iríamos para alguma das colónias
portuguesas. Por coincidência irónica, a casa aonde nos colocaram estava perto
da embaixada de Portugal e às vezes, quando saíamos, passávamos em frente dessa
vivenda diplomática.
Ao concluir
o intenso e curto período de treino, saímos um dia numas viaturas fechadas e
imaginei que íamos a caminho de Mariel, e porque não nos dizem o destino.
4.
= Os seus familiares sabiam alguma coisa?
Para os
nossos familiares, desde que abandonámos a casa, estávamos na União Soviética a
fazer um curso. Recordo-me que vivia no município Playa, em 41 e 30, e às vezes
passava perto de minha casa, quando tinha alguma coisa de trabalho para fazer,
e não podia nem falar ao telefone.
5.
= Quando e por que meio viajou?
Saímos em
finais de maio de 1966 [21], porque passámos o Dia das Mães em Cuba. Numa
lancha grande fomos até ao alto mar e aí subimos para o barco «Lídia Doce», um
navio mercante cubano. Fizemos a travessia [atlântica] com dificuldades, pois
em duas ou três ocasiões estivemos à deriva por avarias. [de notar que o doutor
Virgílio Camacho Duverger fez parte do grupo no qual estava incluído o doutor
Domingo Diaz Delgado, o primeiro entrevistado deste projecto, e que conta a
história da viagem com mais detalhes – P268]
6.
= Iam vestidos à civil?
Chegámos a
Conacri vestidos à civil e sem armamento. Todos os que faziam parte do meu
grupo eram militares, sem excepção. Levávamos passaportes falsos.
7.
= Qual era o seu nome?
Víctor
Córdoba Duque, porque como nos informou o nosso instrutor de “segurança” as
iniciais dos nomes dos passaportes coincidiam com as reais (os nomes eram
escolhidos por nós), para que se alguma vez surgissem referências em algum
documento com as nossas iniciais poderiam levantar suspeita e desse modo
descobrir a nossa identidade.
Continua…
Obrigado
pela atenção.
Um
forte abraço de amizade com votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
12OUT2016.
[Consulta
em 30 de maio de 2016]. Disponível em:
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