Depois de um primeiro estudo sociodemográfico a um bigrupo do PAIGC, este relacionado com o Cmdt Mário Mendes (1943-1972), morto em combate na Ponta Varela (Xime) em 25 de Maio de 1972, facto ocorrido quatro semana depois de ter comando a força que nos atacou na Ponta Coli, em 22 de Abril desse ano, eis agora um segundo estudo.
Trata-se de um trabalho sobre o bigrupo do Cmdt Quintino Gomes (1946-1972), falecido em combate em Fevereiro do mesmo ano, em Empada, na Região de Quinara.
Esta narrativa é a primeira de duas partes.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
UM NOVO OLHAR SOCIODEMOGRÁFICO DE UM BIGRUPO
- O CASO DO BIGRUPO DO CMDT QUINTINO GOMES (1946-1972) -
1. – INTRODUÇÃO
No primeiro dia do ano de 2017
– P296 – apresentei neste espaço de partilha aquele que foi considerado o
primeiro estudo sociodemográfico de um bigrupo de guerrilheiros, com o título «Mário
Mendes (1943-1972) - O último Cmdt do PAIGC a morrer no Xime».
A vontade, o interesse e a
motivação para a realização deste estudo, nascera há quatro décadas e meia atrás,
naquele já longínquo «22 de Abril de 1972», sábado, e que no mesmo dia, mas do
ano seguinte (1973), correspondeu ao Domingo de Páscoa. E a principal razão
estava ligada ao meu “baptismo de fogo”, e ao do meu Gr Comb (o 4.º) da CART
3494, episódio dramático ocorrido no lugar designado por «Ponta Coli», na
estrada Xime-Bambadinca, local onde diariamente cada um dos 3 Gr Comb, em
regime de rotação, desempenhava a missão de garantir a segurança a pessoas e
bens, civis e militares, em trânsito de ou para Bissau, por via marítima.
Aí aconteceu o primeiro grande
combate da CART 3494, em que estiveram frente a frente, a uma distância de
escassas dezenas de metros, um efectivo de 20
operacionais, mais 2 condutores e o picador Malan Quité [NT], e um bigrupo
reforçado do PAIGC, superior a cinquenta unidades que, agindo de surpresa como
seria espectável, e habitual, nos procurou aniquilar. Alguns dias depois,
soube-se que tinha sido o bigrupo do Cmdt Mário Mendes.
Desse combate
resultaram dezassete feridos, entre graves e menos graves, e um morto, o meu/nosso
camarada furriel Manuel Rocha Bento (1950-1972), natural da Ponte de Sor, a
nossa única baixa em combate. Eu saí ileso, o mesmo acontecendo aos condutores
das duas viaturas e mais dois operacionais do meu Gr Comb.
Do outro lado,
ainda não consegui apurar as consequências de tamanha ousadia.
Quatro semanas
após ter organizado e comandado aquela emboscada na «Ponta Coli», voltaríamos a
estar com Mário Mendes e o seu grupo, em novo frente a frente, desta feita na
Ponta Varela (zona mítica do Xime), em 25 de Maio de 1972, 5.ª feira, quando este
se preparava para realizar nova “aventura”. Aí Mário Mendes viria a morrer, por
intervenção de elementos da CCAÇ 12 (ex-CCAÇ 2590), na acção «GASPAR 5», em que
participaram seis Gr Comb [três da CART 3494 e três da CCAÇ 12], tendo-lhe
sido capturada a sua Kalashnicov, bem como três carregadores da mesma e
documentos que davam conta do calendário das “acções” a desenvolver naquela
zona pelo seu bigrupo. [vidé P148 + P191 + P234 + P242].
Foi a partir desse(s)
palco(s) do TO, onde se praticava o “jogo da sobrevivência”, durante o qual se
fazia apelo à superação permanente, ou transcendência, individual e grupal, que
no meu processo cognitivo emergiram um certo número de questões/ interrogações,
por exemplo: “Quantos e quem eram aqueles que tinham estado à minha/nossa frente,
e se puseram em fuga passados 15/20 minutos? Quais os seus nomes? Onde
nasceram? Que idade tinham? Há quantos anos andavam naquela vida? Como viviam e
de que se alimentavam?... Ou seja, alguns enigmas da guerra.
Algumas das respostas consegui obter,
justamente, naquele primeiro estudo.
Hoje, passados quinze meses
após a realização desse primeiro trabalho, volto de novo ao fórum para
apresentar/partilhar um segundo estudo, concretizando, deste modo, uma promessa
que formulei a mim mesmo de o fazer logo que encontrasse uma amostra semelhante
à do primeiro. E isso aconteceu… e ainda bem!
Assim, utilizando a mesma
metodologia do primeiro caso, este novo estudo tem como universo o bigrupo do
Cmdt Quintino [Amisson] Gomes (1946-1972), morto em combate, em Fevereiro de
1972, nos arredores de Empada, região de Quinara, ao tempo da CCAÇ 3373 - “Os
Catedráticos de Empada”, ou seja, três meses antes do Cmdt Mário Mendes
(1943-1972).
2. – QUINTINO
[AMISSON] GOMES, CMDT DE BIGRUPO EM ACÇÃO NA REGIÃO DE QUINARA
O presente estudo
sociodemográfico sobre o bigrupo do Cmdt Quintino Gomes nasce por ramificação
da investigação que tenho vindo a realizar a propósito do “relatório
relacionado com as operações militares na Frente Sul”, acções efectuadas na
região de Quinara e de Tombali, durante o último trimestre de 1969, uma vez que
nele é referido o seu nome.
Soube que Quintino
Gomes era Cmdt do bigrupo do PAIGC e que actuava no Sector de Cubisseco de Baixo,
tendo por missão, até meados de 1969, controlar a
estrada de Nhala, que passa em Uana, antigo quartel das NT, em direcção a
Mampatá. Quintino Gomes nasceu em 1946
[desconhece-se o dia e o mês], na Vila de Empada, na região de Quinara. Era
casado. Em 1962 aderiu ao PAIGC, com 15/16 anos, como aconteceu com muitos
outros, de que é exemplo o caso de Mário Mendes, desde quando deu início à sua
actividade na guerrilha. Era Cmdt de bigrupo, pelo menos desde 1966, ano que
foram elaboradas pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de
Guerra as listas [mapas] das FARP referentes à constituição dos bigrupos
existentes em cada Frente, conforme demonstra o exemplo abaixo, onde consta o
nome de Quintino Gomes e de mais trinta e três elementos.
Como reforço do acima
exposto, no “Relatório da Comissão de Inspecção das FARP para a Frente Sul e
Leste”, datado de 21 de Maio de 1969, e assinado por Pedro Ramos, consta que,
após reunião de 9-3-69 (Bigrupo de Quintino Amisson Gomes e de Pana Djata), “este bigrupo que se encontra estacionado a
uns quilómetros do antigo quartel inimigo [NT] de nome Uana (Tabanca) tem como
missão de controlar a estrada de Nhala, que passa em Uana em direcção a Mampatá.
Na primeira formação do bigrupo, este perdeu uma AK[-47]. A última operação
efectuada foi em 15-2-69 no aquartelamento de Nhala. O último contacto com o
Comando do sector foi em Janeiro de 1969. Com o Comando da Frente nunca tiveram
contactos no lugar de estacionamento. A última reunião do Comissário Político
do bigrupo com os combatentes teve lugar no dia 28-2-69. O comandante do
sector, o camarada Iafal Camará, declarou que tem reunido com os combatentes
sempre no fim de cada mês”.
Ainda no que concerne
ao Cmdt Quintino Gomes, o “Relatório sobre o Sector de Cubisseco de Baixo”,
elaborado por José [Eduardo] Araújo (1933-1992), datado de 10 de Dezembro de
1971 e enviado a Amílcar Cabral (1924-1973), refere que […] “Tive uma impressão muito boa do camarada Quintino
Gomes, comandante do sector, que tem rara “particularidade” de nunca ter visto
o Secretário-Geral, facto que lamenta. Da opinião de toda a gente trata-se de
um bom camarada. Escreve razoavelmente, o que significa que tem algum grau de
instrução primária [3.ª classe]”.
Dois meses depois
deste relatório, em [?] Fevereiro de 1972, Quintino Gomes morreria em combate
na Vila que o viu nascer – Empada.
Em 25 de Fevereiro de 1972, em
carta enviada a “Nino” Vieira (1939-2009), em resposta às suas missivas de 11
de Janeiro e 15 de Fevereiro [1972], Amílcar Cabral (1924-1973) lamenta a morte
do Cmdt Quintino Gomes nos seguintes termos: […] “Mas os camaradas têm que ter muito cuidado nos ataques, para não
acontecer o que se passou em Empada no último ataque [que teria sido antes
de 15Fev’72]. Lamento muito a perda do
camarada Quintino Gomes que era dos nossos melhores combatentes e quadros do
Partido. Discutiremos na próxima reunião da Direcção a tua proposta para que
seja considerado herói”.
Entretanto, no
passado domingo, 4 de Março de 2018, numa feliz coincidência para a conclusão deste
trabalho, o Correio da Manhã Jornal publica uma entrevista com um camarada (não
identificado, mas certamente o da foto abaixo) da CCAÇ 3373 (Empada, Mai’71 a
Mai’72), conduzida pela jornalista Fernanda Cachão.
Em função deste depoimento, não
me é difícil aceitá-lo como elemento factual relacionado com o episódio da
morte do Cmdt Quintino Gomes. Será que esta é também a opinião do fórum? [in: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/uma
-mina-levou-a-perna-ao-furriel-rente-ao-joelho? ref=HP_Ticker CMAoMinuto].
3. – RESULTADOS
DO ESTUDO
A partir dos dados contidos na lista acima [mapa],
que consideramos como os casos da investigação ou a “amostra de conveniência”, procura-se
compreender melhor quem estava do outro lado do combate. Com este propósito,
procedemos à organização de alguns desses dados referentes a cada um dos
sujeitos constituintes do “bigrupo de Quintino Gomes”, sobre os quais
pretendemos retirar conclusões.
Para o efeito, esses dados foram agrupados quantitativamente
e apresentados em quadros estatísticos de frequências (caracterização da
amostra por idade: a de nascimento e a de adesão ao Partido) e de quadros de variáveis
categóricas em relação aos restantes elementos (ano de adesão ao PAIGC e idade e
anos de experiência cumulativas ao longo do conflito).
Quadro 1 –
distribuição de frequências em relação ao ano de nascimento dos elementos do bigrupo
de Quintino Gomes (n-34)
Da
análise ao quadro 1, verifica-se que os anos de nascimento com maior
percentagem são dois; 1941 e 1945 (14.7%) com 5 casos cada, seguido de 1947
(11.8%), com 4 casos, e 1934, 1942 e 1944 (8.9%), em terceiro, com 3 casos
cada.
Quando
analisado por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-16) estão os
nascidos entre 1943 e 1947 (47.1%) (grupo central), entre 1933 e 1942 (n-13=
38.2%) (grupo dos mais velhos), e entre 1948 e 1952 (n-5=14.7%) (grupo dos mais
novos).
Quadro 2 –
distribuição de frequências em relação à idade de adesão ao PAIGC dos elementos
do bigrupo de Quintino Gomes (n-34)
Da
análise ao quadro 2, verifica-se que a idade com maior percentagem de adesão ao
Partido é 16 anos, com 7 casos (20.6%), seguida dos 17 e 21 anos, com 4 casos
cada (11.8%). As idades de 18, 19, 22 e 23, com 3 casos cada, valem no seu
conjunto 35.2%.
Quando
analisada a adesão ao Partido por períodos, verifica-se que o maior número de
casos (n-14) estão entre as idades de 14 e 17 anos (41.2%) (mais novos), seguido
pelos grupos de idade média, entre os 18 e 21 anos, e idade superior, entre os
22 e 30 anos (mais velhos), com 10 casos cada (29.4%).
Analisada
a adesão ao Partido entre os 18 e 23 anos, os valores apontam para uma maioria
relativa com 16 casos (47.1%), seguida por 14 casos nas idades inferiores (41.2%)
e somente quatro casos nas idades superiores (11.7%).
Quadro 3 –
distribuição de frequências em relação ao ano de adesão ao PAIGC dos elementos do
bigrupo de Quintino Gomes (n-34)
Da
análise ao quadro 3, verifica-se que o ano onde se registou maior adesão ao
PAIGC foi 1963 com 11 casos (32.4%), seguido de 1962, com 10 casos (um dos
quais Quintino Gomes) (29.4%). O ano de 1964 foi o terceiro com 7 casos
(20.6%).
Quando
analisada a partir da soma dos dois primeiros anos (1962 + 1963), anos de
preparação e início do conflito, a percentagem sobe para 61.8% (n-21).
Quadro 4 –
distribuição de frequências em relação à idade verificada ao longo do conflito,
contados após a adesão individual ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de
Quintino Gomes (n-34)
Da
análise ao quadro 4, e partindo da hipótese meramente académica de que o
bigrupo se manteve constante ao longo do conflito, pelo menos até Fevereiro de
1972, data da presumível morte de Quintino Gomes, este teria, então, vinte e
cinco/seis anos [sombreado castanho]. Os restantes elementos teriam a idade
referida na linha [sombreado verde] do ano de 1972.
Quadro 5 –
distribuição de frequências em relação ao número de anos de experiência na
guerrilha ao longo do conflito, contados após a adesão ao PAIGC, no caso dos
elementos do bigrupo de Quintino Gomes (n-34)
Da
análise ao quadro 5, e partindo da hipótese meramente académica apresentada no
quadro anterior, Quintino Gomes teria, no mínimo, nove anos de experiência na
guerrilha [sombreado castanho], bem como de outros nove combatentes. Os restantes
elementos teriam os anos de experiência referidos na linha [sombreado verde] do
ano de 1972.
1. –
CONCLUSÕES
Partindo da análise aos resultados apurados, apresentados nos
quadros acima, procedemos à elaboração de um último quadro (o 6.º), este
comparativo entre os dois comandantes de bigrupos, considerados como os “casos”
da investigação.
Quadro 6 – Elementos
sociodemográficos de comparação entre os sujeitos do estudo – Quintino Gomes
(n-34) e Mário Mendes (n-38) – a partir das variáveis categóricas em análise,
para efeito da elaboração de conclusões.
Da
análise ao quadro supra concluímos:
1.
- A diferença de idade entre ambos era de 3 anos, sendo Quintino Gomes o mais
novo.
2.
- Nasceram em locais diferentes separados por dois rios importantes da Guiné: o
Rio Geba e o Rio Grande de Buba; Mário Mendes mais a Norte (Região do Oio -
Frente Norte); Quintino Gomes, mais a sul (Região de Quinara - Frente Sul).
3.
- Ambos aderiram ao PAIGC no mesmo ano (1962), Quintino Gomes, com 15/16 anos,
e Mário Mendes, com 18/19 anos. Morreram em combate dez anos depois, também no
mesmo ano (1972), com uma diferença de três meses entre si. Cada um deles teria,
aproximadamente, o mesmo tempo de experiência como combatente.
4.
- Quanto às lideranças: Quintino Gomes foi Cmdt de um grupo de guerrilheiros
com média de idades mais alta (28.1/34, em 1972), quando comparada com a do
grupo do Cmdt Mário Mendes (27.9/38, em 1972).
5. -
Quanto às idades: a maioria dos elementos do grupo de Quintino Gomes eram mais
velhos que ele (n-20=58.8%) em comparação com os mais novos (n-9=26.5%). Por
outro lado, a maioria dos elementos do grupo de Mário Mendes eram mais novos
que ele (n-22=57.9%), enquanto os mais velhos eram metade dos mais novos
(n-11=28.9%).
Caso
surja outra oportunidade de investigação semelhante, prometo realizá-la e
partilhar no fórum os seus resultados.
À vossa consideração.
Com um
forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
11MAI2018.
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