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segunda-feira, 30 de julho de 2018

P352 - GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE A FISIONOMIA HUMANA NO SECTOR DE QUITAFINE [FRENTE SUL] APRESENTADA POR JOSÉ ARAÚJO À DIRECÇÃO DO PAIGC EM RELATÓRIO DATADO DE 16OUT1971 - A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES POR EFEITO DA GUERRA -


Mensagem de,


Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494

(Guiné, Xime-Mansambo, 1972/1974)

Com data de : 13 de Julho de 2018


Caríssimo Camarada Sousa de Castro

Os meus melhores cumprimentos.

Apresento hoje neste espaço de partilha um tema novo, este relacionado com a mobilidade das populações por efeito da guerra no CTIG.

Trata-se de uma avaliação (balanço) apresentada no relatório assinado por José Araújo, em Outubro de 1971, e remetido à Direcção do PAIGC na sequência de uma missão ao Sector de Quitafine, na Frente Sul, por si realizada durante os meses de Setembro e Outubro desse ano.

Com um forte abraço de amizade,

Jorge Araújo. 



Citação: (s.d.), "Tabanca no interior da Guiné, ao fundo distinguem-se mulheres cozinhando", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_43022 (2018-4-13), com a devida vénia.


1.   - INTRODUÇÃO
Porque tudo na vida é processo e projecto, conceitos que se reformulam na dialéctica “ordem/desordem” para dar lugar a uma nova “ordem”, apresento hoje neste espaço de partilha mais um tema novo, se a memória não me atraiçoa, este relacionado com a “mobilidade das populações da Guiné, do nosso tempo, por efeito da guerra”.
É que, de facto, o comportamento psicossocial das populações no início do conflito ficou marcado, ou foi influenciado, inexoravelmente, pela sucessão de acontecimentos, que deram lugar a uma inevitável “desordem” social e étnica, alguns ainda antes do 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite, localizado na região de Quinara, e que depois se alargaram cumulativamente a todo o território do CTIG.
A oportunidade desta apresentação, a meu ver, enquadra-se no âmbito das imagens que o nosso camarada tertuliano ex-Alf Luís Mourato Oliveira tem vindo a partilhar no blogue da «Tabanca Grande», e que estiveram guardadas durante mais de quatro décadas no seu baú de memórias.
Por isso é justo e oportuno agradecer-lhe essa disponibilidade e atenção, ele que ficou também na história da guerra por ter sido, em função dos acontecimentos do “25 de Abril”, o último Cmdt do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá) antes da proclamação da independência da Guiné, declarada em 23 de Setembro de 1974.
Por outro lado, as últimas imagens postadas nos P18504-LG e P18517-LG, tendo por pano de fundo a delegação do PAIGC que visitou Missirá em Julho de 1974 no âmbito dos acordos de cessar-fogo, e com as quais se fecharia o ciclo temporal deste conflito armado, que uns chamaram «do ultramar» e outros «de libertação», conforme a sua posição no cosmo, continuam a dar lugar a novas reflexões, sinal que se mantêm bem vivas, em cada um de nós, algumas das memórias gravadas ao longo das múltiplas vivências desses tempos ultramarinos, independentemente do lugar, época e contexto.
Porque nos postes acima se referem as imagens de alguns dos actos finais ocorridos na mata do interior do território (Missirá), proponho voltar ao início do conflito, apresentando um pedaço da “geografia social e étnica” dessa época, em particular da região da Frente Sul, especificamente do Sector de Quitafine, por onde tenho “circulado” nos últimos tempos (entenda-se, investigado), de modo a fazer-se a ponte temporal de mais de uma década.


Em função do exposto, é difícil não concordar que a mobilidade das populações, por efeito da guerra, foi uma realidade, obrigando-as a tomar opções concretas no imediato, cujas decisões só tinham três hipóteses principais: a primeira, ficando sob o controlo da “ordem instalada”; a segunda, transitando para além das fronteiras (exterior), e a última, aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista.
Para a elaboração deste trabalho socorri-me, uma vez mais, de um documento existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), disponível na Casa Comum – Fundação Mário Soares, intitulado «Relatório sobre o Sector de Kitáfine», assinado por José Araújo, Comissário Político e da Produção para a Frente Sul, datado de 16 de Outubro de 1971, com trinta e nove páginas (sitio: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40058).
Quanto ao perfil de José Araújo, de nome completo José Eduardo de Figueiredo Araújo (1933-1992), à data do relatório era também membro do Conselho Superior da Luta e do Comité Executivo da Luta. Numa resenha biográfica, consta que este dirigente do PAIGC nasceu em 1933 na cidade da Praia, Ilha de Santiago, em Cabo Verde. Aí fez os seus estudos primários. Em 1942, com apenas 9 anos, seguiu com a família para Angola, uma vez que o seu pai era funcionário da Fazenda (Finanças). Com uma bolsa de estudos atribuída pelos Correios de Angola, José Araújo desloca-se para Lisboa com o objectivo de realizar os seus estudos universitários na Faculdade de Direito de Lisboa, onde, em 1961, concluiu a sua licenciatura em Direito.
Porém, no ano anterior tinha-se tornado militante do MPLA na clandestinidade, depois de ter-se envolvido numa intensa actividade associativa universitária. Em 1961 faz parte do grupo de africanos universitários que decidem fugir para França. Seguiu-se depois o Gana. Após ter militado no MPLA, associa-se ao PAIGC, vindo a instalar-se em Conacri, com a sua família, dois anos depois, em 1963. Tinha 30 anos.
Com a independência da Guiné-Bissau, as suas novas funções políticas foram desenvolvidas como ministro do Secretariado. Entre 1975 e 1980, foi ministro sem pasta. Após essa data transferiu-se para Cabo Verde, onde desempenhou as mais elevadas responsabilidades políticas no novo contexto, em particular o cargo de ministro da Educação. Viria a falecer na sua terra natal, exactamente dezanove anos depois do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1992 (adap.: pascal.iseg.utl.pt/~ cesa/images/files/ diaspora2016_texto4.pdf). À data da sua morte era casado com Amélia Araújo, a locutora da “Rádio Libertação” conhecida entre nós como “Maria Turra” (vidé P15434-LG).


2.   - A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES NO SECTOR DE QUITAFINE POR EFEITO DA GUERRA – TABANCAS DESAPARECIDAS
 
Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira" [dois dos cérebros da guerrilha durante a guerra], CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum. org/cc/visualizador?pasta=11025.008.026 (2018-4-13), com a devida vénia.

 
A propósito do conteúdo do “relatório” elaborado por José Araújo, este refere que ele teve por base a sua missão ao Sector de Quitáfine, realizada entre 14 de Setembro e 8 de Outubro de 1971. Aí teve a oportunidade de contactar com todos os responsáveis desse sector, incluindo a visita a duas bases do Exército (em Comissorã e em Cabonelo), ao Hospital (em Campus) e ao Posto Civil (em Cassacá), local histórico para o PAIGC, pois foi aí que realizou o seu 1.º Congresso, que decorreu entre 13 e 16 de Fevereiro de 1964.
Acrescenta que o Sector de Quitafine foi dos primeiros em que se fez a mobilização e se instalou a luta armada. Foi aí, no mato de Campus, que, dizem os pioneiros, nasceu a primeira “barraca” [acampamento] do partido no Sul, ainda antes da guerra.
A situação criada à aviação inimiga [NT] com a instalação de antiaéreas em Quitafine e as pesadas derrotas que sofreu na sua tentativa de recuperação dessas armas, talvez expliquem a sanha com que se dedicou à destruição de tudo quanto via mexer em Quitafine, nos anos 68 e 69. A partir de 69 (fins), Quitafine começou a “arrefecer”. […]
É preciso ter-se em conta este passado para se compreender muito da actual fisionomia de Quitafine e os seus problemas. Quitafine, que era das áreas mais povoadas do Sul, só tem hoje [1971] 12 tabancas, organizadas em 9 comités. Repare-se que aquilo a que hoje se chama Tabancas e a que se dão nomes antigos, pouco tem a ver com as antigas tabancas. As populações, que conservaram os nomes das suas antigas tabancas, estão dispersas nos tarrafos e num ou noutro mato mais favorável. Além disso, grande parte (se não a maioria) da população das tabancas antigas ainda “presentes” dispersou-se pelas tabancas fronteiriças da República da Guiné, quando não foi juntar-se aos tugas. Penso também que alguns erros cometidos no trabalho político inicial devem explicar a actual fisionomia humana de Quitafine” (op. cit., pp 2-3).
No Relatório estão identificados os nomes de quarenta e uma Tabancas que deixaram de existir na região de Quitafine, e que serão referidas abaixo.
A organização da sua apresentação contém alterações em relação à original. Como metodologia seleccionada, optámos pela ordenação alfabética para melhor localização da ordem estabelecida. Quanto ao conteúdo textual, existem algumas (pequenas) correcções, particularmente no que concerne à construção semântica e unificação da descrição, mas que não alteram o sentido apresentado.



Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "Tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=11025.008.069 (2018-4-13), com a devida vénia.


Eis os nomes das Tabancas desaparecidas no Sector de Quitafine por efeito da guerra (n=41)

Mapa do Sector de Quitafine [Frente Sul] onde estavam localizadas as Tabancas abaixo identificadas.

● BANERE –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CAMABANGA e SATENIA, na República da Guiné. O chefe – MAMASSALU – encontra-se na segunda destas tabancas.
● BIRCAMA –> Tabanca de Beafadas. Foram todos para os tugas.
● CABOBAR –> Tabanca de Nalús, pequena. Uma morança só. Toda a gente retirou-se para GÃ BIT FONE, CARAQUE e BISSAMAIA, na República da Guiné.
● CABOCHANQUE –> Tabanca de Fulas. Foram todos para a República da Guiné, tendo-se instalado em várias tabancas, em especial na de CUN-HA e CAMABANGA.
● CABOCHANQUEZINHO –> Tabanca de Fulas e Tandas. Os tandas espalharam-se na República da Guiné, longe da fronteira. Os Fulas foram para os tugas, à excepção de duas pessoas (BEILA BALDÉ e a irmã), que foram para CALAFIMETE, na República da Guiné.
● CABOMA –> Tabanca de Sossos. Só duas pessoas foram para os tugas. O resto juntou-se à população de CAMISSORÃ.
● CABONEPO –> Tabanca de Sossos e Beafadas. Havia também um caboverdiano de nome LEÃO GABRIEL. O caboverdiano foi para Dakar (ao que parece). O resto foi para CARATCHE, GAFARANDE e CABACO, na República da Guiné. Só ficou um Homem Grande, de nome IDRISSA KEITA, que se instalou no mato, em CASSACÁ.
● CACAFAL –> Tabanca de Nalús. Toda a gente foi para os tugas, à excepção do camarada ANSUMANE DJASSI, do Exército, que estava em FULA MORI.
● CACOCA –> Tabanca de Sosso, Nalús, Bagas, Fulas e Lândumas. Só se retirou uma família (CANFORSECO KEITA), que está em CAPOQUENE. O resto ficou com os tugas.
● CADUCÓ –> Tabanca essencialmente de Nalús. Foram para a fronteira, tendo-se instalado em CAN-HOR, uma parte, e a outra em CATCHIQUE.
● CAIANQUE –> Tabanca de Nalús. Refugiaram-se em CAMAÇO e CATCHIQUE, na República da Guiné,
● CAIÂNTICO –> Tabanca de Beafadas. Foi gente para os tugas e o resto para HAMDALAYE e CABUM-ANE, na República da Guiné.
● CALAQUE –> Tabanca de Sossos, Fulas, Manjacos e Lândumas. À excepção de duas moranças de Manjacos, toda a gente retirou-se para tabancas fronteiriças da República da Guiné. As duas moranças de Manjacos instalaram-se no mato de CALAQUE.
● CAMBAQUE –> Tabanca de Nalús. A maioria da população foi para os tugas. Alguns elementos foram para CASSAMA e CARAQUE, na República da Guiné.
● CAMBEQUE –> Tabanca de Nalús. Retirou para BAKILONTON E IAMAN, na República da Guiné. Alguns foram depois daí para os tugas.
● CAMBRAZ –> Tabanca de Mandingas. Toda a população juntou-se aos tugas.
● CAMECONDE –> Tabanca de Nalús. Só retiraram duas famílias (ALMANI KEITA e BRAIMA CAMARÉ), que estão em CASSANSSANE, na República d Guiné. O resto ficou com os tugas.
● CAMISSORÃ –> Tabanca de Sossos, Nalús, Mandingas, Beafadas e Fulas. Os Fulas foram todos para a República da Guiné. Houve também gente de outras tribos que se refugiou. Ficou pouca gente, que se refugiou nos tarrafos de CAMPUM, e que tem o seu comité.
● CAMPEANE –> Tabanca de Nalús e Sossos, essencialmente. Refugiaram-se igualmente em CAIETCHE e CATCHIQUE.
● CAMPEREMO –> Tabanca de Nalús e Beafadas. Uma morança de beafadas está em Hamdalaye. Uma outra (Mamadu Dabo) está para os lados de CANELAS. Duas famílias estão em CARATCHE (Ansumane Dabo e Tomás Dabo). O resto foi para os tugas.
● CAMPO –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CASSEMAQUE, BAGADAYE, e outras, na República da Guiné.
● CANDEMPANE –> Tabanca de Nalús. Só ficou o camarada ANSUMANE DABO, que é actualmente instrutor das FAL no sector. O resto foi para os tugas.
● CANFEFE –> Tabanca de Sossos e Nalús. Retiraram-se todos para tabancas da República da Guiné.
● CANTEDE –> Tabanca de Nalús. Toda a população juntou-se aos tugas.
● CANTOMBOM –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.
● CARIMPIM –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.
● CASSENTEM –> Tabanca de Nalús e Balantas. Os Nalús foram para CALAFIMET e CAMAÇO, na República da Guiné. Os Balantas mantiveram-se no interior, tendo-se instalado nos tarrafos de TAFORE e CASSEBETCHE.
● CASSOME –> Tabanca de Nalús. Instalaram-se em CARAQUE, na República da Guiné.
● CATONAIE –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.
● CATRIFO –> Tabanca de Nalus. Toda a população foi para os tugas, à excepção da família ALI KEITA, que retirou-se para MAMADIA, na República da Guiné.
● CATUNAIE –> Tabanca de Nalús. Ficou uma família (ABDU CAMARÁ) nos tarrafos de CASSEBETCHE. O resto refugiou-se em CASSEMAQUE, na República da Guiné.
● CATUNGO –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, à excepção de uma mulher – MAMA CAMARÁ – que está em CARATCHE, na República da Guiné.
● CAULACA –> Tabanca de Sossos e Nalús. Dessa tabanca, que se tinha retirado para a fronteira com a República da Guiné, toda a gente voltou para dentro. Estão instalados nos matos de CASSACÁ.
● CUGUMA –> Tabanca de Nalús. Foram todos para CACINE.
● CUNFA –> Tabanca de Nalús. Toda a tabanca foi para os tugas, à excepção de uma família (AMADU DABO), que retirou-se para IAMANE, na República da Guiné.
● DÉBIA –> Tabanca de Nalús. Alguns elementos refugiaram-se em TANENE e IAMANE, outros foram para os tugas.
● MANSABATÚ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, só tendo ficado uma pessoa – um camarada, o enfermeiro do bigrupo em missão na área, de nome MAMADU KEITA, mais conhecido por TAM ATNA. [Este bigrupo tinha como Cmdt Cinur N’Tchir, natural de Cafine, onde nasceu em 1943. Actuava na Frente «Buba – Quitafine» (referência a baixo, in: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40468)].




● SANCONHÁ –> Tabanca de Beafadas. Foram poucos para os tugas, os outros estão para os lados de SANSALÉ, na República da Guiné.
● TADI –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.
● TARCURÉ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.
● TUBANDI –> Tabanca de Djacancas [um subgrupo da etnia Mandinga]. Retirou para CAPOQUENE e N’DJAILÁ, na República da Guiné.

Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43109 (2018-4-13), com a devida vénia.

Será que alguém ouviu falar ou esteve em alguma destas tabancas?
Aguardo. Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
13JUL2018.





1 comentário:

SOL da Esteva disse...

Um excelente Trabalho Documental.

Abraço
SOL da Esteva