MSG de:
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
com data de 12SET2018
Caríssimo Camarada Sousa de Castro,
Os meus melhores cumprimentos.
Conforme referido no fragmento anterior, juntamos a PARTE
II, de um total de três, onde continuamos a abordar os factos e os resultados
dos combates entre as NT e os guerrilheiros do PAIGC, na região de Farim.
Relevamos algumas consequências desses episódios que fazem
parte da historiografia da Guerra no CTIG.
Com um forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.
- A MORTE DO CMDT DE BIGRUPO ANSÚ BODJAN (1944-1971) -
1. - INTRODUÇÃO
Neste segundo fragmento, de um
conjunto de três, continuamos a percorrer alguns dos trilhos que ficaram na
história do conflito armado no CTIG [1963/1974], tendo por protagonistas
elementos dos dois lados do combate, dos individuais aos colectivos.
Como já referido
anteriormente, as narrativas que tenho vindo a partilhar nos diferentes blogues
são corolário de um interesse pessoal na pesquisa histórica sobre um período da
minha vida (das nossas vidas, enquanto ex-combatentes) e que, naturalmente, nos
marcou a todos… mais ou menos, e do qual temos, ainda, muitas “memórias”.
No caso presente, a temática
mantém-se a mesma da primeira parte – P353 – onde foram adicionadas outras
informações avulsas obtidas de cada um dos lados do combate, que insistimos em coleccionar,
no sentido de ampliar ou ajudar a reconstituir essa história com mais dados.
O “balanço dos combates entre
as NT e o PAIGC” continua, pois, a ser o tema central deste fragmento, com
destaque para as ocorrências negativas contabilizadas pelo Corpo de Exército
199-B-70 – deserções e baixas – registadas no relatório elaborado pelo seu
principal responsável, o Cmdt Braima Bangura, respeitante ao período de um ano
(dez’70 a dez’71), o primeiro desde a sua criação.
De referir que é nesse ano de 1970 que o PAIGC
evolui para um novo modelo de organização militar, adaptando as suas estruturas
a uma nova visão da sua luta armada. Partindo do conceito “bigrupo" e da união
com mais unidades deste tipo, de infantaria e de artilharia, são criados os “Corpos
de Exército” identificados com o “n.º 199”, ao qual lhe foi adicionada uma
letra do alfabeto latino (A, B, C, D) e o ano da sua criação, conforme se
indica no ponto seguinte, e se observa na foto abaixo tirada aquando do
juramento de bandeira do Corpo de Exército 199-A-70.
Citação: (1965-1973),
"Juramento de bandeira dos militares do Corpo do Exército 199 A-70 do
PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms
_dc_44137 (2018-4-20), (com a devida vénia).
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2. - CONTEXTOS
E UNIDADES ENVOLVIDAS
Recorda-se que os episódios referidos na narrativa anterior foram
utilizados para contextualizar a questão de partida da investigação, tendo por base
as actividades operacionais desenvolvidas pela Companhia de Caçadores 2533
[CCAÇ 2533] e pela Companhia de Caçadores 14 [CCAÇ 14], em particular nas
situações de combate com os elementos do PAIGC que actuavam no Sector de Farim,
nomeadamente o bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan, um dos quatro bigrupos de
infantaria do Corpo de Exército 199-B-70, este liderado pelos Cmdt’s Braima
Bangura, Joaquim N’Top e Benjamim Mendes
Os três restantes bigrupos
eram dirigidos pelo Cmdt Cambanó Mané, nascido em 1940 em Ioncoiá; pelo Cmdt
N’Benfaé N’Tudo, nascido em 1939 em Patché, e pelo Cmdt Sambú Mandján, nascido
em 1940 em Sulcó. Para além da infantaria, este Corpo de Exército dispunha,
ainda, de uma bataria de artilharia, com morteiros e canhões sem recuo, o
primeiro do Cmdt Quintino N’Dafá, nascido em 1935 em João Landim, e o segundo
do Cmdt Armando Bodjan, nascido em 1943 em Mansoa.
Para além de outras
ocorrências registadas neste sector, os diversos “Corpos de Exército”, criados
em 1970 por Amílcar Cabral (1924-1973), estiveram envolvidos, dois anos depois,
na estratégia de isolamento de Guidaje iniciada em Abril de 1973, culminado com
a “Batalha de Kumbamory”, que ficará gravada para sempre na História da Guiné
como «Operação Ametista Real», realizada em 19 de Maio de 1973, onde as NT
contabilizaram uma das maiores capturas e destruições de material da Guerra de
África.
“Croqui do plano de operações da «Operação Ametista Real», planeada e
executada sob o comando do Ten Cor Almeida Bruno, para pôr fim ao cerco de Guidaje.
Foi uma das mais curtas, sangrentas e brutais batalhas travadas durante a
guerra da Guiné. Acabou por aliviar a pressão sobre Guidaje. Tratou-se de uma
operação em solo senegalês, tendo como objectivo a destruição da base de
Kumbamory, o que foi conseguido na manhã de 20 de Maio de 1973 [faz 45 anos]. O
número de baixas foi elevado para ambos os lados: 67 mortos, do lado do PAIGC
(que sofreu, além disso, a destruição de 22 depósitos de material de guerra),
25 mortos, do lado das NT (incluindo 2 alferes), e 25 feridos graves (incluindo
3 oficiais e 7 sargentos)”. In P2786-LG (com a devida vénia). [Mais
detalhes sobre a Op Ametista Real em
P1316-LG, P9898-LG e P9939-LG].
No contexto desta narrativa, dá-se
conta da constituição das forças do PIAGC envolvidas na «Operação Ametista Real»:
Corpo de Exército 199-B-70,
com quatro bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; Corpo de
Exército 199-C-70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de
artilharia, grupo de foguetes da Frente Norte [GRAD], com quatro rampas; Corpo
de Exército 199-A-70, com três bigrupos de infantaria, um grupo de
reconhecimento e uma bataria de artilharia, deslocados de Sare Lali, na zona
Leste; um pelotão de morteiros 120 mm e um grupo especial de sapadores.
Indicam-se, de seguida, os principais
operacionais responsáveis pela estrutura político-militar acima referida:
Citação: (1970),
"Acção Política FARP - Honório Fonseca", CasaComum.org, Disponível
HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40452 (2018-4-20), (com a devida
vénia).
A propósito da formação dos “Corpos de
Exército”, enquanto novo modelo de organização da guerrilha do PAIGC, em 13 de
Janeiro de 1971 Amílcar Cabral (1924-1973) envia uma carta a Osvaldo Vieira
(1938-1974), na qualidade de Cmdt da Frente Norte, dando conta da sua
satisfação por essa decisão, nos seguintes termos:
Caro
camarada [Osvaldo Vieira],
Acuso a
recepção da tua carta-relatório e dos mapas relativos aos CE [Corpos de
Exército] e à distribuição de tecidos aos combatentes.
1. - Corpos de Exército - foi uma boa coisa termos
formado os CE como previsto. O atraso é normal dadas as dificuldades que nós
todos conhecemos, mas eu penso que a reorganização foi feita a tempo. Tanto
mais que o camarada “Nino” esteve doente e tiveste tu que te dedicares a mais
esse trabalho.
O que é preciso agora é fazer tudo para tirar o máximo
rendimento dos CE, da sua grande força. Dar mais duro nos grandes centros e
quartéis dos tugas e liquidar os campos mais fracos e isolados. O ataque a
Empada foi bom, e eu penso que pudemos fazer mais: pôr os tugas fora e destruir
todas as instalações. Claro que devemos evitar, como sempre, grandes perdas.
Escrevi ao “Nino” uma longa carta sobre a nossa
acção e no próximo correio te enviarei uma cópia. Os CE devem agir duro e ter
grande mobilidade, muita iniciativa e não parar muito numa área. […]
Citação:
(1971), Sem Título, CasaComum.org, Disponível
HTTP: http://hdl.handle.net/
11002/fms_dc_34521 (2018-4-20), (com a devida vénia).
3. - AS
DESERÇÕES NO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70
O fenómeno das deserções em
contexto de guerra é considerado normal, ainda que pontual e de percentagem
reduzida. O caso da Guerra Colonial não foi, com efeito, excepção. Por isso não
é de estranhar a existência de exemplos em cada um dos lados do combate.
Na situação presente, chamou-me a atenção o
facto do relatório elaborado pelo Cmdt Braima Bangura, divulgado no primeiro
fragmento desta narrativa, fazer referência à deserção de cinco elementos deste
Corpo de Exército, mas omitindo os seus nomes.
Citação: (1971),
"Relatório da acção do CE [Corpo de Exército] 199-B70, desde a sua
formação, em Dezembro de 1970, até ao final do ano de 1971.",
CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40099
(2018-4-20), com a devida vénia.
Idêntica referência tinha já sido objecto de
denúncia no relatório elaborado por Osvaldo Vieira, a propósito da sua “missão
de inspecção à actividade das Forças Armadas no Norte”.
Citação: (1971),
"Relatório de missão de inspecção à actividade das Forças Armadas no
Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_
40059 (2018-4-20) (com a devida vénia).
Entretanto, uma outra situação de “deserção”
ocorrera com o grupo “GRAD”, do Cmdt Manuel dos Santos “Manecas”, fazendo fé no
conteúdo da carta enviada por Aristides Pereira (1923-2011) a “Nino” Vieira
(1939-2009), em 19.12.1970, solicitando a “lista
dos camaradas que estavam com o camarada Manecas e fugiram para o sul”.
Citação: (1966-1974),
"Relatório remetido por Nino Vieira a Amílcar Cabral expondo a situação na
fronteira com a República da Guiné, designadamente os ataques entre Kebo e
Guileje", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms
_dc_40775 (2018-4-20), p.55, (com a devida vénia).
4. - O
BIGRUPO DO CMDT ANSÚ BODJAN (1944-1971)
Em busca de uma eventual
identificação dos “desertores”, a hipótese formulada partiu da variável “local
de nascimento” (naturalidade), uma vez que em todos os documentos se refere que
as “fugas” seguiram direcções concretas, ou para o Norte ou para o Sul.
Nesse sentido, seleccionámos duas amostras
(bigrupos): a do Cmdt Ansú Bodjan, por ser aquele que serviu de base à
elaboração desta narrativa, cuja lista se apresenta abaixo; e a do Cmdt Cambanó
Mané, outro bigrupo do Corpo de Exército 199-B-70, para efeito de comparação
estatística e complemento sociodemográfico.
Citação: (s.d.), "FARP - Corpo de Exército 199/B/70",
CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40487
(2018-4-20), (com a devida vénia).
Quadro 1 – Distribuição de frequências dos
locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo
do Cmdt Ansú Bodjan (n-30)
Da
análise ao quadro 1, verifica-se que em 30% dos casos (n-9) não foi possível
identificar o sector da naturalidade dos indivíduos, situação impeditiva de
tirar conclusões. Ainda assim, podemos referir que 56.7% (n-17) nasceram na
região do Oio, situada mais a Norte; com 10% (n-3) na região do Cacheu e 3.3%
na região de Tombali, um caso, sendo este o mais a Sul.
Quadro 2 – Distribuição de frequências dos
locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo
do Cmdt Cambanó Mané (n-27)
Da
análise ao quadro 2, verifica-se a mesma situação do observado no quadro
anterior, em que 25.9% dos casos (n-7) não foi possível identificar o sector da
naturalidade dos indivíduos. Ainda assim, os resultados são diferentes do
quadro 1, em que 25.9% dos sujeitos (n-7) têm origem na região de Tombali,
situada mais a Sul do território. A região do Oio, com 22.3% (n-6) surge em
segundo lugar como origem de naturalidade. As regiões de Bissau (n-1), Bafatá
(n-2), Bolama (n-1), Cacheu (n-2) e Quinara (n-1), não têm expressão
estatística.
Perante
estes resultados, não nos é possível tirar grandes conclusões.
5. - AS
BAIXAS NO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70 (1970/71)
Segundo o relatório elaborado em 24 de Dezembro
de 1971 pelo Cmdt Braima Bangura, um dos responsáveis militares do Corpo de
Exército 199-B-70, e membro do Conselho Superior de Luta e do Comité Executivo
da Luta, o número de baixas desde a sua fundação (um ano completo) foi de
treze. A principal baixa vai para o seu adjunto do CE, Cmdt Benjamim Mendes,
ocorrida em 11 de Agosto de 1971, o mesmo acontecendo a José N. Cus, Chefe de
Grupo. Dois dias depois, mais duas baixas, as de Conko Seidy e Sana Sano. O
Cmdt do bigrupo, Ansú Bodjan (1944-1971), morreu em 14 de Novembro de 1971, o
último nome da lista abaixo.
Citação: (1971),
"Relatório da acção do CE [Corpo de Exército] 199-B70, desde a sua
formação, em Dezembro de 1970, até ao final do ano de 1971.",
CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40099
(2018-4-20).
As restantes baixas constam
dos quadros apresentados na primeira parte.
Continua…
À vossa consideração.
Com um
forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge
Araújo.
12SET2018.
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