Texto transcrito do Facebook de José Luis Carvalhido da Ponte, com a devida vénia!
José Luís Carvalhido da Ponte ex. Furriel Milº Enf. da Cart 3494/BART 3873, sediado no Xime e mais tarde em Mansambo – Guiné, dezembro 1971 a 03 de abril 1974.
http://bivam.esmonserrate.org/clr/autores/AutorBibliografia.asp?codAutor=25
José Carvalhido da Ponte da Associação de Cooperação com a Guiné Bissau com o apoio do Rotary Clube de Viana do Castelo, é responsável pelo trabalho desenvolvido no Cacheu, cidade geminada com Viana do Castelo.
Muito dedicado à causa humanitária na Guiné, para onde
se desloca regularmente no sentido de contribuir para o bem-estar daquele povo,
nomeadamente na área da saúde.
O Forno de Cacheu
São 06h30m estou em Cacheu. Esta
noite consegui dormir porque, malgrado o medo das mosquitas anopheles, abri a
janela e o ar muito fresco da noite foi arrefecendo o quarto.
Saio para comprar pão. Subo a
poeirenta Rua de Viana do Castelo e perguntam-me Kuma ke bu mansi?. É uma
mindjer garandi i kumpridu que me cumprimenta enquanto varre o seu kau. Todos
os dias, logo de manhazinha, as mulheres assomam às portas, vertem água em
largas bacias e lavam os apetrechos da última refeição. E lavam bem. Outras,
com curtas vassouras de capim, dobradas até a cabeça quase tocar o chão, varrem
toda a envolvente da sua kasa, movidas, naturalmente, por uma entranhada noção
e limpeza e higiene. Mas são sempre, ou quase-quase sempre, as mulheres a
trabalhar. Vemo-las a tratar dos filhos, a varrer as kasas e o kau, a regar e
trabalhar as hortas, a buscar a lenha, a lavar a roupa, a fazer compras. As
mulheres.
Ontem, à noite, fomos jantar a
Bachile, uma tabanca do Setor de Cacheu, convidados pela Romana, uma jovem mãe
de uma menina nascida há precisamente sete dias e a quem foi dado o nome de
Maria Afonso.
Quando chegamos, um corridinho de
mulheres preparava o festim enquanto os homens, entre eles o pai da Maria
Afonso, recém-chegado de Dakar, conversavam, bebiam, passeavam. As mulheres, a
Romana e a mãe Cristina e todas as outras cirandavam, formiguinhas em modos de
acolhimento.
Eis, finalmente, o forno. É uma
construção sob um telhado de zinco e vedada com um muro de adobes. Todos os
dias, o padeiro coze 900 pães (900 baguetes). Para tal aquece o forno duas
vezes. O processo é muito simples e semelhante ao que acontecia no forno de
minha casa. Apenas uma diferença: a massa, já moldada, é colocada em bases de
chapa com 3 camas cada uma e assim evitam sujá-la na cinza do lar. Em algumas
casas da minha aldeia colocavam a massa sobre folhas de couve. Cada baguete
tem, sensivelmente, 30cm x 08cm e custa 150 FCFA. É um pão saboroso, trabalhado
por homens.
Regresso pela mesma rua ouvindo
inúmeros cumprimentos madrugadores: Oi, branco, kuma ke bu mansi? Recordam-me a
dignamente humilde simpatia desta gente.
Tenho saudades da minha família,
mas sinto-me em casa, nestas terras de Honório Barreto.
Cacheu, 18/02/2024
Notas:
Kuma ke bu mansi? = Como
descansaste? Como acordaste?
mindjer garandi i kumpridu = mulher
idosa e alta
Kau = lugar, sítio
FCFA = o franco CFA (Communauté
Financière d'Afrique) é a moeda utilizada na UEMOA, União Económica e Monetária
da África Ocidental (Benim, Burquina Fasso, Costa do Marfim, Guiné-Bissau,
Mali, Níger, Senegal e Togo). 1 € equivale, normalmente, a 655 FCFA
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