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sábado, 28 de fevereiro de 2015

P231 - Histórias de vida de Portugueses na Guiné (Jorge Araújo)


Palácio do Governador - Bissau 1972
Caríssimo Camarada Sousa de Castro
Os meus melhores cumprimentos.
Os recentes postes publicados no blogue da «Tabanca Grande», a propósito da Revista “Turismo”, de 1956 e da morte do nosso camarada Amadú Bailo Djaló (1940-2015), ocorrida no passado dia 15 do crt., no Hospital Militar, em Lisboa, levaram-me a nova viagem pelas memórias da nossa presença no CTIG, nos já distantes anos de 1972/1973.
Dessa viagem ao passado, escrevi mais uma narrativa histórica, que anexo, para os devidos efeitos.
Obrigado.
Um forte abraço e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.

27Fev2015.

GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
HISTORIOGRAFIA DA PRESENÇA PORTUGUESA NA GUINÉ
- O CASO DA EMPRESA NUNES & IRMÃO, LDA. -
[GENTIL E ARTUR NUNES]

1INTRODUÇÃO

Tenho vindo a acompanhar com alguma curiosidade, no blogue de «luisgraça&camaradasdaguiné», a publicação de diversos postes da autoria do camarada ex-Alf Mil Trms CCS/BAC 3872 (Galomaro) Mário Vasconcelos [1.º-P14164-LG], estruturados a partir do conteúdo da Revista “Turismo” n.º 2, de Jan-Fev/1956, onde estão anunciadas algumas das casas comerciais existentes, naquela época, na então província portuguesa da Guiné.

Entretanto, a recente morte, ocorrida em 15FEV no Hospital Militar de Lisboa, do nosso camarada guineense Amadú Bailo DJaló (1940-2015), nascido no mesmo dia que eu, mas uma década antes [10NOV], levou-me a fazer nova consulta ao baú de memórias e imagens, recuando a 1973 – ano em que Amadú DJaló foi graduado em Alferes [28JUN] e condecorado com a Medalha de Cruz de Guerra de 3.ª Classe, pelo seu comportamento em acções de combate.

É de relevar, também, que este guineense português é transferido para a 15.ª CCmds, em
julho de 1969, seguindo-se a 1.ª CCmds Africanos, o BCmds da Guiné e a CCAÇ 21, sediada em Bambadinca, ao tempo do nosso BART 3873, até ao 25 de Abril de 1974.

Ao recorrer a este elemento de certificação histórica, para recordar a sua Companhia de Comandos Africanos em desfile militar, em Bissau, quisemos-lhe prestar uma singela homenagem [P14284-LG], uma vez que a ele tinha assistido [desfile] dias antes do início, no Tribunal Militar Territorial [7DEC1973], do Julgamento relacionado com o «Naufrágio no Rio Geba de 10AGO1972» [P159 + P211], sendo, por isso, pertinente que o considere no âmbito do programa das comemorações do 1.º de Dezembro desse ano.

De referir, ainda, que Amadú Bailo DJaló, que era natural de Bafatá, é autor do livro «GUINEENSE COMANDO PORTUGUÊS», editado em 2010 pela Associação de Comandos, onde relata acontecimentos por si vividos durante os anos que durou o conflito. Ao ser incorporado em 1962, teve a oportunidade de percorrer todo o território do CTIG onde se combatia, deixando escritas, para memória futura, as suas muitas experiências e histórias contabilizadas ao serviço do Exército Português.  

De uma dezena de fotos guardadas desse evento de 1973, reproduzimos metade relacionando-as com os parágrafos anteriores, e que no seu conjunto servem para legitimar o título desta narrativa.

2AS FOTOS SELECCIONADAS

3A BISSAU DOS ANOS 50, QUE EU CONHECI (MÁRIO DIAS)

A propósito da interrogação suscitada pela ausência de referências na Revista “Turismo” à empresa Nunes & Irmão [foto acima], e na procura de resposta[s] a esta curiosidade em saber o que esteve na sua génese e qual a origem destes compatriotas lusos, realizei, com algum sucesso, uma pequena investigação cujos resultados partilho agora convosco.

A primeira fonte consultada, como não podia deixar de ser, pelo extraordinário espólio histórico que disponibiliza numa vasta panóplia de temas, foi o blogue da «Tabanca Grande» [luisgraça&camaradasdaguiné], onde o camarada Mário Dias [ex-sargento comando e instruendo no 1.º CSM realizado em Bissau, em 1959 – P2343-LG] nos caracteriza sumariamente a Bissau dos Anos 50 [P2691-LG].

Com efeito, a firma Nunes & Irmão e as suas instalações sede [edifício da foto 5] são identificadas por Mário Dias na foto abaixo pelo telhado. De referir, que entre as duas fotos [4 e 5] existe uma diferença temporal de duas décadas.

  4HISTÓRIAS DE VIDAS PORTUGUESAS NUM POBRE PARAÍSO
Uma segunda fonte de informação, e que acabou por esclarecer as questões de partida, foi obtida por via de uma reportagem realizada por jornalista (?) do matutino Correio da Manhã, publicada em 15 de março de 2009 [há seis anos], com o título abaixo repetido [www.cmjornal.xl.pt].
A reportagem faz a ponte entre o antes e o depois da independência da Guiné-Bissau, onde se afirma que os portugueses “chegaram há muitos anos e resistiram a todos os conflitos nesta antiga colónia portuguesa. Aconteça o que acontecer, nada os fará regressar a Portugal. Insurgem-se até contra a imagem exterior da terra que adoptaram. Para estes portugueses, a Guiné-Bissau, país entre os dez mais pobres do mundo, é um pedaço do paraíso na Terra”.
Quanto à história de vida da família Nunes, fundadora da firma Nunes & Irmão e, depois, da Residencial Coimbra, os testemunhos foram divulgados na entrevista dada por Francelina Nunes, nora de Gentil Nunes. Este e o seu irmão Artur Nunes acabariam por criar a sua primeira empresa nos anos vinte do século passado.
Transcrevemos, na íntegra e com a devida vénia, o que está escrito sobre a história de vida desta família de portugueses.
“Francelina Nunes, 64 anos, [1945-] deixou Góis, em Coimbra, em 1964, com apenas 19 anos, para juntar-se ao marido, repetindo um trajecto iniciado pelo sogro, Gentil Nunes, e o irmão, Artur Nunes, nos primeiros anos do século XX. Em 1920, depois de trabalharem na mais famosa empresa do País naqueles anos, a Casa Gouveia, conseguiram juntar um pé-de-meia que lhes permitisse criar uma empresa.
Assim nasceu a Nunes & Irmão, uma imagem de marca da Guiné com rosto luso. A residencial Coimbra é a face mais visível deste projecto empresarial, com 86 anos de vida. "Somos a terceira geração da família à frente dos negócios", diz Francelina Nunes, muito longe de se arrepender de, há 44 anos, ter deixado Portugal. "Foi fácil gostar da Guiné porque, quando cheguei, Bissau era uma cidade viva e o clima era óptimo.
Nestes anos todos, a única tragédia foi a guerra de 1998, entre Nino Vieira e Ansumane Mané. A guerra colonial era feita longe daqui, no campo, esta aconteceu mesmo na cidade. E foi horrível".
Francelina surpreendeu-se com a sua própria coragem, entre os escombros de Bissau, quando empreendeu acções merecedoras da condecoração do então Presidente da República, Jorge Sampaio: "Tivemos muita gente refugiada em nossa casa e, talvez por isso, o Presidente tenha decidido condecorar-me. Se nunca passámos fome foi porque tivemos ajuda humanitária. As organizações sabiam que havia muita gente aqui e ajudavam-nos".
Habituada a ver portugueses chegarem a Bissau, Francelina garante que há uma excelente relação entre os nacionais e os forasteiros. "Quase todos os portugueses que vêm para cá fazem-no no âmbito de projectos e chegam com vontade de ajudar este povo. Converso com muitos, que se hospedam no nosso hotel, e nunca vi nenhum muito contrariado por aqui estar. A verdade é que também não se metem na vida política local".
Francelina diz que a imagem que a comunidade internacional tem da Guiné-Bissau é distorcida: "Sabemos que isto não é um mar de rosas, mas passam imagens tristes do país. Mesmo na Europa, a vida não está fácil. Se um europeu não tiver um bom ordenado e uma vidinha organizada, também passa por dificuldades. Bissau enfrenta problemas com a luz e a água, mas em matéria de alimentação, móveis e bens de primeira necessidade, não falta nada. Não se formam filas em lado nenhum, tudo pode ser comprado. A Guiné não é um país pobre. Pobres são aqueles que nem têm uma folhinha verde".
Francelina não pára o novelo cor-de-rosa que desenrola sobre o país de adopção. "Pode haver um ou outro roubo de telemóvel, mas aqui não acontece nada de especial. O problema aqui é a instabilidade política. Há sempre um golpe ou outro problema parecido e isso contribui para que os brancos sintam medo".
O amor de Francelina Nunes pela Guiné é secundado por Alexandre ‘Xia’ Nunes, 40 anos [1969-], um dos dois filhos de Francelina e extremamente popular na cidade. Tanto ele como o irmão, Miguel, 44 anos [1973-], nasceram na Guiné-Bissau, embora os estudos tenham sido feitos em Portugal. Em 1990 optaram pelo país de origem. "Estudei em Coimbra até ao 2.º ano de Informática, mas decidi regressar. Durante 12 anos de escolaridade, estudei sempre com a ideia de voltar à Guiné e não estou nada arrependido. A vida na Europa é muito cansativa, há demasiado stress. Tenho lá muitos amigos e percebo que a vida deles não é nada fácil". ‘Xia’ defende que a Guiné é um país de oportunidades, à espera da estabilidade política.
"Em Portugal pensam que isto é o fim do mundo, é uma ideia transmitida às pessoas que não corresponde à realidade. Não devem ser as coisas fúteis, como cinemas e centros comerciais, motivos de escolha de uma terra".
Na opinião deste luso-descendente, os guineenses são os mais hospitaleiros entre todos os naturais dos países africanos de expressão portuguesa. Só a instabilidade política trava o arranque definitivo do desenvolvimento do país. "Cada vez que há uma situação como esta, que redundou nos assassínios de Nino Vieira e Tagmé na Waié [no início deste mês], os investimentos estrangeiros deixam de ser feitos e volta tudo à estaca zero. É chato um governo estabelecer contractos com a Guiné-Bissau e de repente cair tudo por terra porque houve uma mudança de dirigentes, em apenas três ou quatro meses. Assim é difícil, mas acredito que a Guiné-Bissau tem condições para evoluir".
‘Xia’ Nunes reconhece, no entanto, que há dois pólos de desenvolvimento que devem merecer atenção especial, para atrair estrangeiros: "O principal problema é a falta de escolas e hospitais. Qualquer pessoa que venha trabalhar para aqui quer ter os filhos consigo. Tem de haver escolas e serem complementadas com uma boa política de saúde. Não há necessidade de, por tudo e por nada, às vezes coisas mínimas, se ter de transportar um doente para Dakar ou Lisboa. Por que razão hei-de estar aqui e ter os filhos em Coimbra?".
Quanto à Residencial Coimbra, esta localiza-se no centro da cidade de Bissau, junto à Catedral de Bissau, sobre a firma Nunes & Irmão, Lda. [foto 5]. Compõe-se de 16 quartos amplos, equipados com casa de banho privativa, duche, água quente, água e luz, ar condicionado, cofre, mini bar, tv, video e dvd. Quartos duplos e quartos simples, alguns voltados para a Avenida Amílcar Cabral [antiga Avenida da República], outros voltados para um terraço tropical interior. Dispõe, ainda, de sala de pequenos-almoços, ampla, voltada para a avenida principal e de uma sala de convívio com bar, mesa de jogos, internet, tv e um amplo terraço para lazer e repouso. 
5FOTO-GALERIA DA RESIDENCIAL COIMBRA


Depois da triangulação entre três temas e algumas fotos, resta-me terminar citando o que é habitual dizer-se nas tertúlias: “as conversas são como as cerejas…” isto é, encadeiam-se umas nas outras, o mesmo acontece com a escrita… é difícil parar.

 

Obrigado.

Um forte abraço, com amizade, do

Jorge Araújo.

27Fev2015.


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