Para
iniciar a minha participação no blogue, neste Novo Ano de 2017, parti do estudo sócio-demográfico realizado sobre o bi-grupo do Cmdt Mário Mendes (1943-1972),
adicionando-lhe o que entretanto apurei sobre o valor atribuído às dimensões
“saúde” e “formação escolar”, por parte dos dirigentes do PAIGC, após a
realização do seu I Congresso organizado em fevereiro de 1964 na Base de
Cassacá, a Sul de Cacine (Frente Sul).
Com um
forte abraço de amizade.
Jorge
Araújo.
JAN’2017.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D) O OUTRO LADO DO COMBATE
I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL
- A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO LITERÁRIA
ANALISADAS NA BASE CENTRAL (MORÉS) EM MARÇO DE 1964 -
1. – INTRODUÇÃO
Concluído
o tradicional ciclo festivo anual, onde as dimensões tempo e espaço são
reservadas, maioritariamente, para os núcleos familiar e sociais mais próximos,
primeiro o Natal e depois a despedida do ano velho, alargado a outros pares por
razões diferentes, retomamos quase sempre as rotinas anteriores, ainda que se
reformulem expectativas e se acrescentem outras, em resultado de novos desejos
e objectivos, na maioria das vezes influenciados pelo imemorial ditado popular
«ano novo, vida nova».
Dito
isto, e nesta oportunidade, desejo-vos um MELHOR ANO de 2017.
Quanto
à temática prospectiva das minhas narrativas, que espero e desejo dar
continuidade neste espaço plural, elas continuarão a cruzar os territórios de
cada um dos lados do combate, relevando as diferentes acções e o sentido de
cada uma delas, visando alargar a sua dimensão historiográfica como um
contributo para memória futura.
Assim,
como causa/efeito para a elaboração do presente trabalho de investigação
histórica está o estudo sociodemográfico relacionado com o bi-grupo do Cmdt
Mário Mendes (1943-1972) [apresentado no P296], a que se adiciona os
comentários do nosso camarada Cmdt Pereira da Costa [P16891-LG], em particular
quando se refere à baixa preparação literária dos guerrilheiros, considerada como
realidade inquestionável.
Porque
cada comentário, independentemente da sua pertinência ou assertividade, nos
permite abrir uma ou mais “janelas” de novas abordagens, o presente texto é disso
consequência e/ou exemplo concreto.
Uma
vez que só a partir de 1966 foram elaboradas pelo organismo de Inspecção e
Coordenação do Conselho de Guerra as listas das FARP referentes à constituição
dos bi-grupos existentes em cada Frente, onde em muitas delas nada consta sobre
a variável «formação escolar» de cada individuo, procurámos indagar sobre o que
pensavam, naquela época, os principais dirigentes do PAIGC sobre esta
problemática.
Para
o efeito utilizámos uma vez mais, como fonte de informação privilegiada, a Casa
Comum, Fundação Mário Soares, que agradecemos, reforçada com consultas ao vasto
espólio do blogue da Tabanca Grande, com especial destaque e a devida vénia aos
trabalhos de recensão - «Notas de Leitura» - do camarada Beja Santos.
Neste
contexto e como cronologia de partida, recuámos ao ano de 1964, em particular aos
fundamentos que levaram à realização do I Congresso do PAIGC, organizado numa
área próxima da Tabanca de Cassacá, situada a cerca de quinze quilómetros a Sul
de Cacine, e que serão resumidos no ponto seguinte.
2. – I
CONGRESSO DO PAIGC – CASSACÁ [FRENTE SUL]
- DE
13 A 17 DE FEVEREIRO DE 1964
O
tema sobre a realização do I Congresso do PAIGC, organizado entre 13 e 17 de
fevereiro de 1964, por proposta de Luís Cabral (1931-2009), em Cassacá, base
situada a quinze quilómetros a Sul de Cacine e a trinta da fronteira com a
Guiné-Conacri, foi já abordado nos P4122-LG (Luís Graça) e P4137-LG (CarlosSilva).
Ainda
assim, voltamos a ele com uma dupla intenção. Por um lado, recuperando o
processo histórico mais global, e por outro adicionando-lhe outros elementos
particulares incluídos na organização e na vida interna do PAIGC, nomeadamente nas
bases criadas no interior do território, como instrumentos de mobilização e
motivação para prosseguirem a luta.
É
de relevar que os antecedentes do Congresso, a visita de Luís Cabral à zona de
Quitafine e Tabanca de Cassacá em finais de 1963 [quiçá na perspectiva de “ano
novo, vida nova”], as informações recolhidas em todos os contactos
estabelecidos com os combatentes e aquelas que lhe chegavam das frentes,
levaram a que o irmão [Amílcar Cabral; 1924-1973] aceitasse, como necessária, a
realização de uma reunião geral dos quadros responsáveis pelo Partido, no
sentido de se poder discutir e aprofundar esta questão, de maneira a tirar dela
todas as lições para o futuro, numa altura que estava concluído o primeiro ano
da luta armada.
Por
isso, é da mais elementar justiça referir aqui o importante trabalho de
recensão realizado pelo camarada Beja Santos sobre esta obra que, em função do
seu valor e extensão, teve de ser divido em cinco partes: – P7216; P7223;
P7232; P7241 e P7259-LG.
Com
a devida vénia, aproprio-me, neste contexto histórico, de uma passagem da sua
autoria [P7232-LG] onde refere: “Em finais de 1963, Luís Cabral faz a primeira
visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base de
Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino [da Costa; n-1945-]. Em Cacine
estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas, a que se seguiu
Gadamael. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a
Cacine.
As
viagens eram morosas e dolorosas, entre a estrada de Boké e a fronteira. Depois
vem uma frase enigmática: o Amílcar e o Aristides [Pereira; 1923-2011] foram as
únicas pessoas com quem falei sobre os graves problemas que existiam nalgumas
zonas do Sul do país. Este facto trazia-nos dados completamente novos sobre a
luta, e provou a fragilidade das imensas conquistas obtidas, postas em causa
unicamente por falta de informações precisas e controladas sobre a situação
real nas diferentes zonas do país.
A
experiência acabava de mostrar que os jovens responsáveis da guerrilha eram
capazes de esconder ao Secretário-Geral informações de importância capital,
quando elas pudessem pôr em causa outros responsáveis. O que se estava a passar
era que um conjunto de chefes de guerrilha exercia um poder despótico sobre as
populações, chegando a cometer crimes inenarráveis. Independentemente de serem
jovens, é incompreensível como tais crimes sistemáticos eram escondidos dos
quadros políticos. Como se verá no Congresso de Cassacá, estes criminosos (cuja
relação nunca vai aparecer talhada em qualquer documento) serão sumariamente
executados, no termo desta reunião”.
2.1 – FOTO-GALERIA DO I CONGRESSO DO PAIGC - 1964
Citação:
Luís Cabral (1964), "Amílcar Cabral e
outros companheiros a caminho do I Congresso do PAIGC", CasaComum.org,
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43297 (2017-1-9)
|
Citação:
(1964-1964), "Amílcar Cabral e grupo de
dirigentes do PAIGC a caminho do I Congresso de Cassacá", CasaComum.org,
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43071 (2017-1-9)
Citação:
(1964-1964), "Amílcar Cabral e outros responsáveis do PAIGC no I Congresso
do partido em Cassacá, na Frente Sul", CasaComum.org, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43300 (2017-1-9)
Citação:
(1964), "I Congresso do PAIGC em
Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_85095 (2017-1-9)
Citação:
(1964-1964), "Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek no I Congresso do PAIGC, em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43444 (2017-1-9) |
Fonte:
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 05224.000.046
Título: Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai
Sek no I Congresso do PAIGC, em Cassacá.
Assunto: Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai
Sek, durante o I Congresso do PAIGC, em Cassacá, na Frente Sul.
Data: Quinta, 13 de Fevereiro de 1964 – Segunda, 17 de Fevereiro de 1964.
Observações: O Congresso de Cassacá (que decorreu em simultâneo com a
Batalha de Como) reuniu os principais dirigentes políticos e militares do PAIGC
e delegados vindos de todas as regiões do país. Entre as principais decisões do
Congresso figuram a reestruturação do partido no plano político, o reforço da
mobilização e organização das massas populares, e a reorganização da luta
armada (criação de comandos inter-regionais, do Conselho de Guerra, e das FARP
– englobando a guerrilha, as milícias e o exército popular).
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental:
Fotografias.
3. – A
IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO
LITERÁRIA
ANALISADAS NA BASE CENTRAL [MORÉS]
- EM 21
DE MARÇO DE 1964
Um mês após a conclusão do I Congresso de
Cassacá, na Frente Sul, os responsáveis da Frente Norte, Ambrósio Djassi [nome
de guerra de Osvaldo Vieira; 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco
Mendes; 1939-1978] tomaram a iniciativa de convocar uma reunião para o dia 21
de março de 1964, sábado, a realizar na Base Central [Morés] entre os responsáveis
de bases e os sub-comisssários [políticos] com o objectivo de estudar e
discutir as novas fases do desenvolvimento da luta, e ao mesmo tempo para pôr
todos os camaradas ao corrente das resoluções aprovadas na reunião de Cassacá.
No final da reunião do Morés foi elaborado o
respectivo relatório, que foi remetido ao Secretário-Geral, e por este recebido
em 4 de abril de 1964, onde se fez referência aos temas tratados, ao conteúdo
de cada intervenção e ao nome de todos os responsáveis que nela tomaram parte,
num total de cinquenta e seis elementos.
Eis os dez pontos da Ordem do Dia [dos
Trabalhos]:
1. - Mudança de
Táctica.
2. - Criação de novas
bases.
3. - Recrutamento e
treinos.
4. - Política.
5. - Disciplina
Militar.
6. - Alimentação.
7. - Saúde.
8. - Instrução
literária.
9. - Segurança e
controle.
10. - Ligação
Como ponto extra foi abordado o “ataque ao
Enxalé” e analisada a sua necessidade.
Considerando a extensão do documento,
constituído por doze páginas A4 manuscritas, iremos abordar neste texto somente
os pontos 7 e 8, relacionados com os assuntos sociais – saúde e educação –,
aliás em conformidade com o exposto na introdução. Esta opção é justificada
pelo facto de termos vindo a tratar o tema da saúde utilizando as memórias e
experiências vividas por médicos cubanos no apoio à guerrilha, cujos relatos
são posteriores a este evento (dois anos; com início em junho de 1966).
Eis a folha de rosto, ou 1.ª página, onde
consta o que acima foi referido.
Ponto 7 = SAÚDE
Djassi
– Tudo o que já fizemos e pensamos
fazer é devido ao estado normal da nossa saúde. Passo a palavra ao nosso
camarada Simão Mendes [enfermeiro] para nos apresentar o relatório elaborado em
colaboração com os outros camaradas da saúde.
Simão
Mendes – Digo aos camaradas que vou relatar 10 pontos principais conforme o
relatório que fizemos:
1
– Medicamentos: - os medicamentos passarão a ser requisitados trimestralmente,
requisitando só os medicamentos de maior consumo na Guiné, dando uma regalia
aos guerrilheiros como ao povo. Requisitar materiais de pequena cirurgia o mais
breve possível.
2
– Doentes para a fronteira: - mandar
urgente para a fronteira todos os feridos ocasionados por ferimento de balas
uma vez que não há já recursos locais para a sua extracção. Formar um grupo de
transporte de doentes ou feridos graves para a fronteira. Esse grupo será
nomeado pelo responsável pela Zona Norte.
4 – Escala de Serviço e sua conveniência: - far-se-á
uma escala de serviço nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade
diária.
5 – Ginástica, sua necessidade e
inconveniência: - a ginástica continuará a ser feita como dantes, isto é, todos
os dias principalmente para os recém-chegados.
6 – Visitas guiadas às bases: - deslocação
quinzenalmente às bases; nesta visita o enfermeiro escolhido procurará
colaborar com o povo estudando assim as doenças de 1.ª instância. Serão construídas
duas barracas para consultas.
7 – Noções ligeiras de primeiros socorros aos
guerrilheiros: - fazendo parte da guerrilha é lícito que todos os guerrilheiros
tenham noções de primeiros socorros. Oferecemos a nossa boa vontade neste
momento.
8 – Higiene e sua conveniência: - fazendo parte
da saúde, para evitar certas doenças, devem todos os guerrilheiros seguir os
princípios da higiene do vestuário e limpeza de barracas.
9 – Escala de serviço e sua conveniência: -
far-se-á uma escala de serviço, nomeando cada enfermeiro para a sua
responsabilidade diária. (Este ponto é igual ao 4).
10 – Colaboração mútua em tudo que diga
respeito ao nosso movimento com o povo e guerrilhas: - colaborar com a nossa
população explicando a todos as inconveniências que o abuso excessivo dos
medicamentos pode ocasionar. Paciência absoluta, dando ao povo explicações do
emprego de medicamentos.
Resolução:
Todos os camaradas estiveram de acordo com as
proposições dos camaradas da saúde e resolveram criar forças para garantir a
execução do que está acima indicado.
Ponto 8 = INSTRUÇÃO LITERÁRIA
Djassi
– Depois de tudo devemos começar a pensar na instrução dos guerrilheiros e do
povo. Hoje podemos dispor de alguns livros apanhados e que já empregamos para o
mesmo fim. Os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases
para começarem a instrução literária.
Chico
Té – Devemos fazer esforços para pôr isso em prática o mais breve possível
apesar de poucos meios do que nos dispomos actualmente.
Resolução:
Todos os camaradas estiveram de acordo neste
ponto, e os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases a fim
de começar com a instrução literária. Devido à falta de material escolar
solicitamos aos dirigentes superiores do Partido o envio de algum material
neste campo.
Citação:
(1964), "Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40112 (2017-1-8)
(1964), "Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40112 (2017-1-8)
Fonte:
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.157
Título: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários
da Base Central.
Assunto: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários
da Base Central, assinado por Chico Té (Francisco Mendes) e Ambrósio Djassi
(Osvaldo Vieira). Ordem do dia: mudança de táctica, criação de novas bases,
recrutamento e treinos, política, disciplina militar, alimentação, saúde,
instrução literária, segurança e controlo e ligação. Ataque de Enxalé.
Data: Sábado, 21 de Março de 1964.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência
1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Documentos
Em função do exposto, e em jeito de conclusão,
podemos dizer que a organização do PAIGC, passados quinze meses do início da sua
luta armada, ainda era excessivamente precária, onde os adjectivos: instável,
delicada, insegura, débil e pobre, enquanto sinónimos, completam o seu quadro
mais global.
Mas poderia ser diferente para melhor?
Não creio… pois tudo na vida é processo e
projecto.
Obrigado
pela atenção.
Um
forte abraço de amizade e votos de boa saúde.
Jorge
Araújo.
13JAN2017
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