MSG com data de 12ABR2018
Dando continuidade à partilha historiográfica de factos
gravados durante a nossa presença militar no CTIG, eis mais uma narrativa
elaborada a partir da consulta ao Relatório dos ataques realizados no último
trimestre de 1969 contra alguns dos aquartelamentos das NT, situados nas
regiões de Quinara e de Tombali, todos eles mencionados no "Plano de
Operações na Frente Sul", e concretizados pelas forças do PAIGC.
O presente texto corresponde ao primeiro de dois fragmentos
relativos ao ataque à cidade de Bolama, realizado em 3 de Novembro de 1969, com
recurso à utilização de foguetes/foguetões 122 mm, vulgo peças
"GRAD".
Com um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
“PLANO
DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL” [OUT-DEZ’69] - ATAQUE
A BOLAMA EM 3 DE NOVEMBRO DE 1969 -
(AO TEMPO DA CCAÇ 13 E CCAÇ 14)
(Parte I)
1. -
INTRODUÇÃO
Nove
dias depois do ataque a Bedanda (25OUT’69 – o 2.º) e três semanas após terem
realizado igual acção a Buba (12OUT’69 – o 1.º), as forças do PAIGC voltaram a
concretizar nova flagelação prevista no seu “plano”, a terceira, desta vez à
cidade de Bolama, a 3 de Novembro de 1969, 2.ª feira, com recurso exclusivo a
duas peças “GRAD”, cada uma delas preparada para projectar dois foguetes 122
mm.
Recorda-se
que este “plano de acções militares”, num total de nove ataques, havia sido
delineado para ser cumprido durante o último trimestre desse ano nas regiões de
Quinara e de Tombali, situadas na zona Sul da Guiné, com recurso a uma
logística considerável de equipamentos de artilharia pesada (morteiros 82 e
120; foguetes 122 “GRAD” e peças anti-aéreas “DCK”) e a mobilização de um
numeroso contingente de guerrilheiros, pertencentes ao “Corpo Especial do
Exército”, comandado por “Nino” Vieira (1939-2009).
No
caso particular da cidade de Bolama, o efectivo destacado para esta missão era
constituído por cerca de cento e vinte elementos comandados por Umaro Djaló, uma
força menor do que as anteriores, uma vez que no “calendário” estavam
programados outros ataques para os dias imediatos, como eram os casos de Cacine
e Cabedú, por esta ordem, conforme se indica no quadro abaixo.
Para
a elaboração da presente narrativa, como para todas as outras que fazem parte
deste dossier específico, já publicadas ou a publicar, continuaremos a utilizar
o relatório “das operações militares na Frente Sul” [http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20)], documento dactilografado em formato A/4,
sem capa e sem referência ao seu autor [mas acreditamos ser possível
identificá-lo no decurso desta pesquisa], localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum
– Fundação Mário Soares.
Para além deste facto histórico a que o
comandante Umaro Djaló ficou ligado [primeiro ataque a Bolama com foguetes/foguetões
122 mm], outros actos ou acontecimentos haveriam, mais tarde, de constar no seu
projecto de vida, como sejam:
No pós «25 de Abril de 1974», no contexto do
processo negocial com os representantes do governo português, visando a
independência da Guiné-Bissau, fez parte da delegação do PAIGC que se deslocou
a Londres para participar nas sessões de trabalho de 25 e 26 de Maio de 1974. A
delegação do PAIGC era constituída por Pedro Pires (chefe da missão), Umaro
Djaló, José Araújo, Lúcio Soares, Júlio Semedo e Gil Fernandes.
Três meses depois, a 26 de Agosto de 1974, o
acordo era finalmente assinado em Argel, ficando definido o dia 10 de Setembro
como o do reconhecimento da República da Guiné-Bissau. Neste acto participaram,
então, como representantes do PAIGC: Pedro Pires (1934-), Umaro Djaló (1940-2014),
José Araújo (1933-1992), Otto Schacht (-1980/ass.), Lúcio Soares (1942-) e Luís
Oliveira Sanca.
Depois da Independência, tomou parte do I
Governo da República da Guiné-Bissau, constituído por João Bernardo “Nino”
Vieira (1939-2009/ass.), Umaro Djaló (1940-2014), Constantino Teixeira, Carlos
Correia (1933-), Paulo Correia (-1986/ass.), Vítor Saúde Maria (1939-1999/ass.),
Filinto Vaz Martins (1937-), João da Costa e Fidelis Cabral d’Almada [da
esqª/ditª na imagem abaixo]. Era então Presidente da República Luís Cabral
(1931-2009). Aquando do “golpe militar” de Novembro de 1980, que levou “Nino”
Vieira ao poder, Umaro Djaló era chefe do Estado-Maior General das Forças
Armadas.
Citação: (1974), "Tomada de posse do I Governo da
República da Guiné-Bissau", CasaComum.org, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43933 (2018-3)
A 29 de Maio de 2014, Umaro Djaló travou o
último combate da sua vida, vindo a falecer no Hospital de Santa Maria, em
Lisboa, depois de aí lhe terem sido prestados, durante alguns meses, os
cuidados e a intervenção clínica especializada em função do seu “problema” de
saúde.
2. – DESTINATÁRIOS
DO ATAQUE A BOLAMA EM 3NOV1969:
- A CCAÇ 13 (CCAÇ 2591), A CCAÇ 14 (CCAÇ 2592) E O C.I.M.
Certamente que a data escolhida
para o ataque a Bolama [Ilha] não foi por acaso, pois é credível que a mesma
tenha sido aprovada sobre informações recolhidas pela sua “secreta”, aliás
procedimento habitual em qualquer contexto de guerra, e mais natural seria, em
função do método utilizado na guerra de guerrilha que tem no conceito
“surpresa” o seu princípio estratégico.
Sendo Bolama a cidade do C.I.M.
(Centro de Intrução Militar) por excelência, onde muitas das unidades
metropolitanas realizavam o seu I.A.O. (Instrução de Aperfeiçoamento
Operacional), visando a adaptação ao clima e às condições da guerra, como foi o
caso da minha CART 3494 (Xime) e restante contingente do BART 3873 (1971-1974) –
[Bambadinca (CCS), Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492)] –, um ataque bem
sucedido seria visto como um “grande ronco” e, por consequência, poderia
influenciar o comportamento prospectivo das NT.
Recordam-se, com vista aérea de Bolama e
respectiva legenda, os espaços mais frequentados pelos militares durante a sua
premanência na cidade. Imagem postada pelo ex-Alf Mil Rui G. Santos, Bedanda e
Bolama da 4.ª CCAÇ (1963/1965) – in: http://riodosbonssinais.blogspot.pt/search/label/bolama ou “Bolama… no meu tempo
– Guerra do Ultramar”, com a devida vénia.
Entretanto no C.I.M., em finais
de Outubro de 1969, estavam em fase de conclusão de formação/instrução mais
duas Companhias de Caçadores designadas por CCAÇ 13 e CCAÇ 14, saídas da união
entre praças africanas do Recrutamento Local e oficiais, sargentos e praças
especialistas oriundos da Metrópole. Os quadros metropolitanos destas novas
Unidades Independentes, mobilizados pelo Regimento de Infantaria 16, de
Portalegre, pretenciam à CCAÇ 2591, que deu origem à CCAÇ 13, e a CCAÇ 2592 à
CCAÇ 14, respectivamente.
Sobre as emoções, sensações e
experiências gravadas por todos aqueles que, ao fim daquela tarde de 2.ª feira,
a primeira do mês de Novembro de 1969, assistiram à explosão dos foguetões de 122
mm, recupero os testemunhos dos camaradas ex-furriéis Carlos Fortunato (CCAÇ
13/CCAÇ 2591) e Eduardo Estrela (CCAÇ 14/CCAÇ 2592), ambos membros da nossa
«Tabanca».
Na linha desta investigação daremos
conta, no ponto seguinte, do que consta no relatório elaborado a propósito
deste ataque.
3. - O ATAQUE
A BOLAMA EM 3NOV1969… COM FOGUETES 122 MM “GRAD” LANÇADOS DA PONTA BAMBAIÃ
Objectivos da acção:
O objectivo definido para esta
acção concretizou-se no dia 3 de Novembro de 1969, ao fim da tarde, com o bombardeamento
da cidade de Bolama, através da utilização de quatro [testemunhas referem três] foguetes 122 mm lançados de duas peças “GRAD”
colocadas na orla costeira da zona sudoeste da região de Quinara, mais
precisamente na Ponta Bambaiã. Para esta missão foram mobilizadas forças de
infantaria e artilharia, as primeiras só com funções de segurança e apoio ao
desempenho das segundas.
Como elemento de comparação
entre as logísticas dos ataques já divulgados, apresentamos o respectivo
quadro.
Desenvolvimento da acção: (as forças do PAIGC)
As nossas forças estavam
constituídas por 3 bi-grupos de infantaria e duas peças de GRAD sob a
responsabilidade do camarada [cmdt] UMARO DJALÓ.
Saída de Botché Chance pelas 17
horas do dia 29 de Outubro [de 1969], 4.ª feira. A operação deveria realizar-se
no dia 3 de Novembro, 2.ª feira, à caída da noite. Na noite de 29 para 30 de
Outubro a coluna cruzou o rio em Botché Col, e na manhã do dia 30 atingiu as
imediações de Gândua. Na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, a coluna
cruzou o rio Tombali em Iangue, e na manhã do dia 1 de Novembro chegou a
Bolanha Longe. A coluna deveria cruzar o rio na noite de 1 de Novembro, mas por
falta de canoas só o pode fazer na noite de 2 de Novembro, domingo, tendo
atingido Paiunco na manhã de 3 de Novembro, 2.ª feira. Chegada da coluna à
Ponta de Bambaiã às 16 horas do dia 3 de Novembro (ponto escolhido de antemão
para posição de fogo).
Final
da Parte I.
Na
Parte II desta narrativa, serão abordados os seguintes pontos:
1
– O trabalho técnico da artilharia na posição de fogo – uso do GRAD.
2 – Reacção das NT.
3 – Resultados.
4 – Quadro de baixas da CCAÇ 13 (de 14Nov1969 a
23Abr1973).
5 – Quadro de baixas da CCAÇ 14 (de 11Nov1970 a
4Abr1974).
Obrigado
pela atenção.
Com forte
abraço de amizade,
Jorge
Araújo.
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