Total visualizações de páginas, desde Maio 2008 (Fonte: Blogger)

quarta-feira, 18 de abril de 2018

P342 - GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE - ATAQUE A BOLAMA EM 03 DE NOVEMBRO DE 1969 (JORGE ARAÚJO)


MSG com data de 12ABR2018

Dando continuidade à partilha historiográfica de factos gravados durante a nossa presença militar no CTIG, eis mais uma narrativa elaborada a partir da consulta ao Relatório dos ataques realizados no último trimestre de 1969 contra alguns dos aquartelamentos das NT, situados nas regiões de Quinara e de Tombali, todos eles mencionados no "Plano de Operações na Frente Sul", e concretizados pelas forças do PAIGC.


O presente texto corresponde ao primeiro de dois fragmentos relativos ao ataque à cidade de Bolama, realizado em 3 de Novembro de 1969, com recurso à utilização de foguetes/foguetões 122 mm, vulgo peças "GRAD".

Com um forte abraço de amizade.

Jorge Araújo.


GUINÉ
Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
“PLANO DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL” [OUT-DEZ’69] - ATAQUE A BOLAMA EM 3 DE NOVEMBRO DE 1969 -
(AO TEMPO DA CCAÇ 13 E CCAÇ 14)
(Parte I)
1.  - INTRODUÇÃO
Nove dias depois do ataque a Bedanda (25OUT’69 – o 2.º) e três semanas após terem realizado igual acção a Buba (12OUT’69 – o 1.º), as forças do PAIGC voltaram a concretizar nova flagelação prevista no seu “plano”, a terceira, desta vez à cidade de Bolama, a 3 de Novembro de 1969, 2.ª feira, com recurso exclusivo a duas peças “GRAD”, cada uma delas preparada para projectar dois foguetes 122 mm.
Recorda-se que este “plano de acções militares”, num total de nove ataques, havia sido delineado para ser cumprido durante o último trimestre desse ano nas regiões de Quinara e de Tombali, situadas na zona Sul da Guiné, com recurso a uma logística considerável de equipamentos de artilharia pesada (morteiros 82 e 120; foguetes 122 “GRAD” e peças anti-aéreas “DCK”) e a mobilização de um numeroso contingente de guerrilheiros, pertencentes ao “Corpo Especial do Exército”, comandado por “Nino” Vieira (1939-2009).
No caso particular da cidade de Bolama, o efectivo destacado para esta missão era constituído por cerca de cento e vinte elementos comandados por Umaro Djaló, uma força menor do que as anteriores, uma vez que no “calendário” estavam programados outros ataques para os dias imediatos, como eram os casos de Cacine e Cabedú, por esta ordem, conforme se indica no quadro abaixo.

Para a elaboração da presente narrativa, como para todas as outras que fazem parte deste dossier específico, já publicadas ou a publicar, continuaremos a utilizar o relatório “das operações militares na Frente Sul” [http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20)], documento dactilografado em formato A/4, sem capa e sem referência ao seu autor [mas acreditamos ser possível identificá-lo no decurso desta pesquisa], localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares.
Para além deste facto histórico a que o comandante Umaro Djaló ficou ligado [primeiro ataque a Bolama com foguetes/foguetões 122 mm], outros actos ou acontecimentos haveriam, mais tarde, de constar no seu projecto de vida, como sejam:
No pós «25 de Abril de 1974», no contexto do processo negocial com os representantes do governo português, visando a independência da Guiné-Bissau, fez parte da delegação do PAIGC que se deslocou a Londres para participar nas sessões de trabalho de 25 e 26 de Maio de 1974. A delegação do PAIGC era constituída por Pedro Pires (chefe da missão), Umaro Djaló, José Araújo, Lúcio Soares, Júlio Semedo e Gil Fernandes.
Três meses depois, a 26 de Agosto de 1974, o acordo era finalmente assinado em Argel, ficando definido o dia 10 de Setembro como o do reconhecimento da República da Guiné-Bissau. Neste acto participaram, então, como representantes do PAIGC: Pedro Pires (1934-), Umaro Djaló (1940-2014), José Araújo (1933-1992), Otto Schacht (-1980/ass.), Lúcio Soares (1942-) e Luís Oliveira Sanca.
Depois da Independência, tomou parte do I Governo da República da Guiné-Bissau, constituído por João Bernardo “Nino” Vieira (1939-2009/ass.), Umaro Djaló (1940-2014), Constantino Teixeira, Carlos Correia (1933-), Paulo Correia (-1986/ass.), Vítor Saúde Maria (1939-1999/ass.), Filinto Vaz Martins (1937-), João da Costa e Fidelis Cabral d’Almada [da esqª/ditª na imagem abaixo]. Era então Presidente da República Luís Cabral (1931-2009). Aquando do “golpe militar” de Novembro de 1980, que levou “Nino” Vieira ao poder, Umaro Djaló era chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.


Citação: (1974), "Tomada de posse do I Governo da República da Guiné-Bissau", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43933 (2018-3)


A 29 de Maio de 2014, Umaro Djaló travou o último combate da sua vida, vindo a falecer no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, depois de aí lhe terem sido prestados, durante alguns meses, os cuidados e a intervenção clínica especializada em função do seu “problema” de saúde.
2.  – DESTINATÁRIOS DO ATAQUE A BOLAMA EM 3NOV1969:
- A CCAÇ 13 (CCAÇ 2591), A CCAÇ 14 (CCAÇ 2592) E O C.I.M.
Certamente que a data escolhida para o ataque a Bolama [Ilha] não foi por acaso, pois é credível que a mesma tenha sido aprovada sobre informações recolhidas pela sua “secreta”, aliás procedimento habitual em qualquer contexto de guerra, e mais natural seria, em função do método utilizado na guerra de guerrilha que tem no conceito “surpresa” o seu princípio estratégico.
Sendo Bolama a cidade do C.I.M. (Centro de Intrução Militar) por excelência, onde muitas das unidades metropolitanas realizavam o seu I.A.O. (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), visando a adaptação ao clima e às condições da guerra, como foi o caso da minha CART 3494 (Xime) e restante contingente do BART 3873 (1971-1974) – [Bambadinca (CCS), Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492)] –, um ataque bem sucedido seria visto como um “grande ronco” e, por consequência, poderia influenciar o comportamento prospectivo das NT.


Recordam-se, com vista aérea de Bolama e respectiva legenda, os espaços mais frequentados pelos militares durante a sua premanência na cidade. Imagem postada pelo ex-Alf Mil Rui G. Santos, Bedanda e Bolama da 4.ª CCAÇ (1963/1965) – in: http://riodosbonssinais.blogspot.pt/search/label/bolama ou “Bolama… no meu tempo – Guerra do Ultramar”, com a devida vénia.
Entretanto no C.I.M., em finais de Outubro de 1969, estavam em fase de conclusão de formação/instrução mais duas Companhias de Caçadores designadas por CCAÇ 13 e CCAÇ 14, saídas da união entre praças africanas do Recrutamento Local e oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole. Os quadros metropolitanos destas novas Unidades Independentes, mobilizados pelo Regimento de Infantaria 16, de Portalegre, pretenciam à CCAÇ 2591, que deu origem à CCAÇ 13, e a CCAÇ 2592 à CCAÇ 14, respectivamente.
Sobre as emoções, sensações e experiências gravadas por todos aqueles que, ao fim daquela tarde de 2.ª feira, a primeira do mês de Novembro de 1969, assistiram à explosão dos foguetões de 122 mm, recupero os testemunhos dos camaradas ex-furriéis Carlos Fortunato (CCAÇ 13/CCAÇ 2591) e Eduardo Estrela (CCAÇ 14/CCAÇ 2592), ambos membros da nossa «Tabanca».
Carlos Fortunato refere que “no dia 3/11/1969 quando a [companhia da etnia balanta] CCAÇ 13 [CCAÇ 2591 - “Os Leões Negros”] estava no cais de Bolama, preparando-se para embarcar numa LDG [rumo a BISSORÃ], ouviu-se um longínquo ‘pof’ vindo da parte continental (zona de Tite). Um dos africanos disse ‘saída’ sorrindo, mas logo a seguir passaram sobre as nossas cabeças 3 [no relatório constam quatro] foguetões de 122 mm. Um acertou numa das pequenas vivendas que corriam ao lado da rua principal, que ligava o porto ao largo principal da cidade, apenas a uns escassos 30m do local onde
estávamos. Outro caiu no largo principal um pouco mais acima, e o terceiro mais longe, já fora da zona habitacional. Corremos de imediato para o local dos impactos para prestar assistência às eventuais vítimas, mas felizmente apenas houve ferimentos muito ligeiros entre a população”. […] “Os morteiros 107 mm existentes no quartel de Bolama responderam ao fogo”. […] [sítio: CCAÇ 13 – Os leões Negros: Memórias da Guerra na Guiné (1969/71)]. [P9337-LG].
Por outro lado, Eduardo Estrela, da CCAÇ 14 [companhia das etnias mandinga e manjaca] - [CCAÇ 2592], acrescenta que “partimos em 3 de Novembro
de 1969 para a zona operacional que nos tinha sido destinada, CUNTIMA, junto à linha de fronteira do Senegal. Ainda em Bolama (…) sofremos, à hora da saída da LDG, um ataque onde o PAIGC utilizou pela primeira vez foguetões terra-terra. Ninguém sabia que tipo de armamento o PAIGC utilizara e só em Bissau, no dia seguinte, nos foi comunicado o tipo de arma”. [P11365-LG].
Na linha desta investigação daremos conta, no ponto seguinte, do que consta no relatório elaborado a propósito deste ataque. 
3.  - O ATAQUE A BOLAMA EM 3NOV1969… COM FOGUETES 122 MM “GRAD” LANÇADOS DA PONTA BAMBAIÃ
Objectivos da acção:
O objectivo definido para esta acção concretizou-se no dia 3 de Novembro de 1969, ao fim da tarde, com o bombardeamento da cidade de Bolama, através da utilização de quatro [testemunhas referem três]  foguetes 122 mm lançados de duas peças “GRAD” colocadas na orla costeira da zona sudoeste da região de Quinara, mais precisamente na Ponta Bambaiã. Para esta missão foram mobilizadas forças de infantaria e artilharia, as primeiras só com funções de segurança e apoio ao desempenho das segundas.
Como elemento de comparação entre as logísticas dos ataques já divulgados, apresentamos o respectivo quadro.

Desenvolvimento da acção: (as forças do PAIGC)
As nossas forças estavam constituídas por 3 bi-grupos de infantaria e duas peças de GRAD sob a responsabilidade do camarada [cmdt] UMARO DJALÓ.
Saída de Botché Chance pelas 17 horas do dia 29 de Outubro [de 1969], 4.ª feira. A operação deveria realizar-se no dia 3 de Novembro, 2.ª feira, à caída da noite. Na noite de 29 para 30 de Outubro a coluna cruzou o rio em Botché Col, e na manhã do dia 30 atingiu as imediações de Gândua. Na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, a coluna cruzou o rio Tombali em Iangue, e na manhã do dia 1 de Novembro chegou a Bolanha Longe. A coluna deveria cruzar o rio na noite de 1 de Novembro, mas por falta de canoas só o pode fazer na noite de 2 de Novembro, domingo, tendo atingido Paiunco na manhã de 3 de Novembro, 2.ª feira. Chegada da coluna à Ponta de Bambaiã às 16 horas do dia 3 de Novembro (ponto escolhido de antemão para posição de fogo).
Citação: (1963-1973), "Umaro Djaló e outros combatentes numa base do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43455 (2018-3)
Na impossibilidade da elaboração de uma infogravura referente ao itinerário percorrido pelas forças do PAIGC mobilizadas para este ataque, por dificuldade em identificar os locais referidos no relatório, o que lamento, optei por utilizar a imagem de satélite abaixo.

Final da Parte I.
Na Parte II desta narrativa, serão abordados os seguintes pontos:
1 – O trabalho técnico da artilharia na posição de fogo – uso do GRAD.
2 – Reacção das NT.
3 – Resultados.
4 – Quadro de baixas da CCAÇ 13 (de 14Nov1969 a 23Abr1973).
5 – Quadro de baixas da CCAÇ 14 (de 11Nov1970 a 4Abr1974).


Obrigado pela atenção.
Com forte abraço de amizade,
Jorge Araújo.

Sem comentários: