Pelo presente, anexo a segunda e última parte da análise ao
ataque à cidade de Bolama, executado por forças do PAIGC em 3 de Novembro de
1969, tendo para o efeito utilizado foguetes/foguetões 122 mm, mais conhecidos
por "GRAD".
Com um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.
GUINÉ
Jorge Alves Araújo,
ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo,
1972/1974)
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE
“PLANO
DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL” [OUT-DEZ’69] - ATAQUE
A BOLAMA EM 3 DE NOVEMBRO DE 1969 -
(AO TEMPO DA CCAÇ 13 E CCAÇ 14)
(Parte II)
1. -
INTRODUÇÃO
Com
este segundo e último fragmento relacionado com o ataque a Bolama, em 3 de
Novembro de 1969, 2.ª feira, damos por concluída a análise à terceira missão do
“plano de acções militares”, de um conjunto de nove flagelações a diferentes
aquartelamentos das NT, situados nas regiões de Quinara e de Tombali, todas
agendadas para o último trimestre desse ano.
No
caso particular da flagelação à cidade de Bolama, as forças mobilizadas pelo
PAIGC eram constituídas por cerca de cento e vinte elementos, correspondentes a
um grupo de artilharia com duas peças “GRAD”, cada uma delas preparada para
projectar dois foguetes de 122 mm, e três bigrupos de infantaria, para
segurança aos artilheiros, todos agindo sob as ordens do comandante Umaro Djaló
(1940-2014) que, como foi referido na parte I deste trabalho [P342], viria a
morrer a 29 de Maio de 2014, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com 74
anos.
Este
efectivo mais reduzido, quando comparado com os anteriores, é justificado pelos
seus objectivos específicos e, também, pelo facto de estarem programados outros
ataques para os dias imediatos, como eram os casos de Cacine e Cabedú, por esta
ordem, conforme pode ser confirmado no quadro abaixo.
Para
a concretização desta missão, os efectivos referidos tiveram que percorrer a pé
cerca de setenta quilómetros, correspondente à distância entre a base de saída
[Botché Chance] e o local escolhido para a posição de fogo [Ponta Bambaiã]. Este
percurso demorou cinco dias, com a partida a acontecer às 17 horas do dia 29 de
Outubro, 4.ª feira, e a chegada à Ponta Bambaiã às 16 horas do dia 3 de
Novembro de 1969, 2.ª feira, o que equivale a uma caminhada média/dia de quinze
quilómetros.
O
percurso foi o seguinte: saída de Botché Chance pelas 17 horas do dia 29 de Outubro de 1969, 4.ª
feira. Cambança do rio em Botché Col até às imediações de Gândua (dia 30). Nova
cambança do rio Tombali em Iangue com chegada à Bolanha Longe (dia 1). Travessia
de novo plano de água até atingir Paiunco de manhã (dia 3), com chegada a Ponta
Bambaiã pelas 16 horas, onde iniciaram os preparativos do ataque.
Cumpridos
os objectivos da missão, que durou dez minutos, os elementos desta força
regressaram às suas origens, utilizando o mesmo itinerário mas, agora, em
sentido inverso.
Citação: (1963-1973), "[dez?] Combatentes do PAIGC atravessando
um rio de canoa", CasaComum.org, Disponível HTTP:
http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44127 (2018-3-10), com a devida vénia.
Referimos,
uma vez mais, que para a elaboração desta narrativa, como para todas as outras que
fazem parte deste dossier específico, já publicadas ou a publicar, foi
utilizado o relatório “das operações militares na Frente Sul” [http://hdl.handle.net/11002/fms _dc_40082 (2018-1-20)], documento dactilografado
em formato A/4, sem capa e sem referência ao seu autor, localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa
Comum – Fundação Mário Soares.
2. – DESTINATÁRIOS
DO ATAQUE A BOLAMA EM 3NOV1969:
- A CCAÇ 13 (CCAÇ
2591), A CCAÇ 14 (CCAÇ 2592) E O C.I.M.
|
Recordam-se, com vista
aérea de Bolama e respectiva legenda, os espaços mais frequentados pelos
militares durante a sua premanência naquela cidade. Imagem postada pelo
camarada grã-tabanqueiro ex-Alf Mil Rui G. Santos, Bedanda e Bolama da 4.ª CCAÇ
(1963/1965) – in: http://riodosbonssinais.blogspot.pt/search/label/bolama ou “Bolama… no meu tempo – Guerra do
Ultramar”, com a devida vénia.
No C.I.M. (Centro de Instrução
Militar) de Bolama, em finais de Outubro de 1969, estavam em fase de conclusão
de instrução/formação mais duas Companhias de Caçadores designadas por CCAÇ 13
e CCAÇ 14, saídas da união entre praças africanas do Recrutamento Local e
oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole. Os quadros
metropolitanos destas novas Unidades Independentes, mobilizados pelo Regimento
de Infantaria 16, de Portalegre, pretenciam à CCAÇ 2591, que deu origem à CCAÇ
13, e a CCAÇ 2592 à CCAÇ 14, respectivamente.
No caso deste ataque a Bolama,
ele foi presenciado pelos colectivos das duas Unidades acima, uma vez que se
encontravam no cais da cidade preparando-se para o embarque em LDG, rumo a
Bissorã e a Cuntima, locais onde passariam a desempenhar as suas missões
operacionais.
De entre aqueles que viveram a
emoção/tensão de ouvirem e sentirem o rebentamento dos foguetes 122 mm, recupero
os testemunhos dos camaradas ex-furriéis Carlos Fortunato (CCAÇ 13/CCAÇ 2591) e
Eduardo Estrela (CCAÇ 14/CCAÇ 2592), ambos membros da nossa «Tabanca».
Carlos Fortunato refere que “no dia 3/11/1969 quando a CCAÇ 13 [CCAÇ 2591
- “Os Leões Negros”] estava no cais de Bolama, preparando-se para embarcar numa
LDG [rumo a BISSORÃ], ouviu-se um longínquo ‘pof’ vindo da parte continental
(zona de Tite). Um dos africanos disse ‘saída’ sorrindo, mas logo a seguir
passaram sobre as nossas cabeças 3 [no relatório constam quatro] foguetões de
122 mm. Um acertou numa das pequenas vivendas que corriam ao lado da rua
principal [imagem abaixo], que ligava o porto ao largo principal da cidade, apenas
a uns escassos 30m do local onde estávamos. Outro caiu no largo principal um
pouco mais acima, e o terceiro mais longe, já fora da zona habitacional.
Corremos de imediato para o local dos impactos para prestar assistência às
eventuais vítimas, mas felizmente apenas houve ferimentos muito ligeiros entre
a população”. […] “Os morteiros 107
mm existentes no quartel de Bolama responderam ao fogo”. […] [sítio: CCAÇ
13 – Os leões Negros: Memórias da Guerra na Guiné (1969/71)]. [P9337-LG].
Rua
principal de Bolama, onde caiu o primeiro foguete 122 mm. Imagem postada pelo
camarada grã-tabanqueiro ex-Alf Mil Rui G. Santos, Bedanda e Bolama da 4.ª CCAÇ
(1963/65) – in “Bolama… no meu tempo – Guerra do
Ultramar”, com a devida vénia.
Por outro lado, Eduardo Estrela,
da CCAÇ 14 [CCAÇ 2592], acrescenta que “partimos
em 3 de Novembro de 1969 para a zona operacional que nos tinha sido destinada,
CUNTIMA, junto à linha de fronteira do Senegal. Ainda em Bolama (…) sofremos, à
hora da saída da LDG, um ataque onde o PAIGC utilizou
pela primeira vez foguetões terra-terra. Ninguém sabia que tipo de armamento o
PAIGC utilizara e só em Bissau, no dia seguinte, nos foi comunicado o tipo de
arma”. [P11365-LG].
|
Cuntima (1970) – 4.º Pelotão da CCAÇ 14, do ex-fur António Bartolomeu,
o 1.º da direita. [P9456-LG], com a devida vénia.
Para concluir esta narrativa
histórica resta-nos referir, no ponto seguinte, alguns aspectos técnicos
relacionados com o uso da peça “GRAD”, arma utilizada neste ataque a Bolama, assim
como dos resultados obtidos que constam no relatório.
Encerraremos o trabalho
apresentando os quadros das baixas [mortes] de cada uma das Unidades, desde a
sua criação [1969] até ao final do conflito [1974].
3. - O ATAQUE
A BOLAMA EM 3NOV1969… COM FOGUETES 122 MM “GRAD” LANÇADOS DA PONTA BAMBAIÃ
Objectivos da acção:
O objectivo definido para esta
acção previa o bombardeamento de Bolama, através da utilização de quatro foguetes
122 mm lançados de duas peças “GRAD” colocadas na orla costeira da zona
sudoeste da região de Quinara, mais precisamente na Ponta Bambaiã [ver imagem
de satélite abaixo].
Porém, a escolha deste local está
ligado a muitos outros antecedentes históricos. O primeiro de todos, a 23 de
Janeiro de 1963, teve por cenário o ataque ao quartel de Tite, aquele que
ficaria gravado como o do início do conflito armado, e que faz parte da mesma
região, Quinara.
A 30 de Março de 1963, cinco
dias depois desta ocorência, Amílcar Cabral (1924-1973) dirige uma carta a
“Nino” Vieira [MARGA, pseudónimo de guerra] elogiando o seu desempenho na
captura dos barcos, nos seguintes termos:
“Em particular quero felicitar-te pela operação que terminou pelo envio
para aqui dos motores «Mirandela» e «Arouca». Esta operação, pela sua
importância no quadro da nossa luta, do género de luta que o nosso Partido
adoptou, pelo sucesso total de que foi coroado, vem provar-nos que somos
capazes de realizar tudo o que o nosso Partido projectou fazer para a conquista
da liberdade, e para a construção da felicidade do nosso povo”. […]
Citação: (1963), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_36648
(2018-3-10)
Trabalho técnico da artilharia
na posição de fogo [peças “GRAD”]
1. Localização
exacta da posição de fogo no mapa.
2. Medição,
pelo mapa, da distância entre a posição de fogo e o centro da cidade – 9.800
metros.
3. Localização
no terreno e no mapa de um ponto de referência bem determinado (observatório do
porto de Bolama).
4. Medição,
pelo mapa, do desvio angular entre a direcção do ponto de referência escolhido
e a direcção de fogo – o-35, à esquerda.
5. Determinação
aproximada das correcções a introduzir em virtude da pressão atmosférica e
temperatura – (-100 metros).
6. Determinação
da alça pela tabela de tiro.
7. Determinação
da deriva a partir do ponto de referência. Como há que introduzir sempre uma
correcção de (0-35, à direita) resultou que a deriva foi de 30-00 apontando
para o ponto de referência.
8. Instalação
das peças, introdução dos dados obtidos e fogo.
Reacção
das tropas colonialistas que abriram fogo de várias armas – metralhadoras,
morteiros, canhões (de barco), sem no entanto terem localizado o local donde
tinham partido os foguetes.
Retirada
sem problemas pelo mesmo itinerário do acesso ao lugar.
Resultados
Segundo
informações [pouco ou nada] fidedignas, na manhã do dia 4 de Novembro, 3.ª
feira, ainda havia incêndio em Bolama. Todos os obuses caíram dentro da cidade
e provocaram grandes destruições.
Na
impossibilidade da elaboração de uma infogravura referente ao itinerário
percorrido pelas forças mobilizadas para este ataque, já referido na
introdução, optei por utilizar a imagem de satélite abaixo, indicando a
vermelho a Ponta Bambaiã, local escolhido para o disparo dos foguetes 122 mm
sobre Bolama.
4. –
BAIXAS
- CCAÇ 13 (ex-CCAÇ 2591)
Desde a sua criação [Nov’1969],
a CCAÇ 13 contabilizou 9 (nove) baixas, sendo 2 (duas) do Contigente
Metropolitano e 7 (sete) do Recrutamento Local.
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- CCAÇ 14 (ex-CCAÇ 2592)
Desde a sua criação [Nov’1969],
a CCAÇ 14 contabilizou 8 (oito) baixas, sendo 2 (duas) do Contigente
Metropolitano e 6 (seis) do Recrutamento Local.
Continua…
Obrigado
pela atenção.
Com
forte abraço de amizade,
Jorge
Araújo.
24ABR2018.
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