Msg de Luís Gonçalves Vaz com data de 021410FEV12, contando-nos uma "estória" de seu irmão, José Pedro Gonçalves Vaz com 17 anos de idade, passada na Guiné em Dezembro de 1973, quando este, gozava férias com os Pais.
Recordo, que tanto o Luís como o Pedro são filhos do último CEM do CTIG; Coronel Henrique Gonçalves Vaz.
Coronel Henrique Gonçalves Vaz |
(...) José Pedro Gonçalves Vaz, na altura com 17 anos, com alguma formação militar e
em Férias de Natal, pois estava na Escola Naval em Lisboa, era Cadete. Há uma
parte que ele nao se lembrava bem, que foi a ida de Bissau a Cufar, mas
daí até Cadique, lembra-se muito bem.... como "descreve corretamente o
Aquartelamento de Cadique, segundo alguns combatentes como o Eduardo Campos da
CCAÇ 4540. E segundo um outro meu irmão (António), esse
com 15 anos e meio nessa altura, afirma que ele e o meu pai nessa noite
não puderam regressar a Bissau (o piloto não tinha condições de regressar ao
aeroporto de Cufar...), como tal... tiveram de ficar (pernoitar) em Cacine
(Plano B), num Barco da Marinha, e puderam durante a noite "verificar in
loco, algumas flagelações a Aquartelamentos na Zona.... Tendo o próprio barco
feito "Fogo Amigo", como apoio de artilharia, sobre algumas zonas,
onde se presumia concentração de forças do IN. Só regressaram a Bissau no
dia seguinte. Este irmão que dá estes pormenores lembra-se muito bem, de
ir ao Aeroporto de Bissalanca, com um dos condutores do meu pai,
o Djaló, buscar o meu Pai e o meu irmão Pedro.(...)
L.G.VAZ
História
no Ultramar com José Pedro Gonçalves Vaz
Local: Bissau-Cufar-Cadique
Data: Dezembro de 1973
José Pedro Gonçalves Vaz, 17 anos, Guiné
1974
(filho do último CEM do CTIG –Guiné) |
Sempre tive algum receio de voar,
para não dizer medo (que fica muito mal para quem hoje viaja tanto de avião
como eu), mas nos meus 17 anos eu queria muito era experimentar o helicóptero.
Estava eu na Guiné a passar umas
férias de Natal com os meus pais, quando soube que o meu pai, que era na
altura, o Chefe do Estado-Maior do CTIG, coronel Henrique Gonçalves Vaz, ia
visitar uns aquartelamentos no Sul da Guiné.
Julgo que era Cufar e Cadique ! O plano de visitas dessa semana ao
“Mato” do meu pai, era esse. O que me lembro melhor é que soube que iria de
helicóptero, oh que maravilha… Passei essa semana a pedir ao meu pai que me
levasse nessa saída. Para que se perceba, eu apesar de ter apenas 17 anos, era
já um jovem cadete da Escola Naval, como tal seria “normal” ir-me habituando ao
Teatro de Operações da Guiné, no entanto não era esse o meu pensamento, o que
eu queria era “ter Acção” de helicóptero!
Depois de muito insistir, ele lá
concordou em me levar. No dia D, pelo mês de Dezembro de 1973 (minhas férias de
Natal), entregou-me, logo ao início da manhã, um camuflado (e uma G3) e disse: Veste-o, e prepara-te bem já que “vais
ver o que te espera logo que saíres da Escola Naval! Eu, todo contente, lá o
vesti. O tamanho, era de um tipo muito mais pequeno do que eu! Ficava com
metade das pernas e dos braços, “descamuflados”! Tenho pena de não ter
fotografias dessa minha experiência marcial. Depois das habituais
recomendações, que incluíam o uso da G3 em caso de ataque e a responsabilidade
do grupo, lá nos dirigimos para o local de embarque.
Oh… grande desilusão! Afinal, por qualquer razão logística de que não me lembro (talvez a necessidade do helicóptero nesse dia para evacuar feridos nalguma zona do TO), a viagem não ia ser realizada de helicóptero mas sim por outros meios de transporte. Não me lembro bem até chegar ao rio Cumbijã, mas o que era costume (informações de ex-combatentes) era ter ido de avião até CUFAR (que fica entre Catió e Bedanda) e depois, e disso lembro-me muito bem, fomos de sintex (pequeno barco rápido) até Cadique, na outra margem do Cumbijã. Chegados ao rio tivemos direito a um pequeno briefing para iniciarmos a parte mais crítica, visitar Cadique pelo rio Cumbijâ. O medo e a adrenalina estavam em níveis crescentes, e finalmente recebi instruções e lá me instalei com o restante pessoal, deitado no fundo da embarcação com a G3 apoiada na borda a apontar para a minha margem. Saímos do porto grande no rio Cumbijã em direcção ao Aquartelamento de Cadique seguindo rio abaixo até que chegámos ao nosso destino, no lado oposto do rio relativamente ao ponto de partida. Nesse percurso lembro-me muito bem da tensão na viagem, sempre à espera de sentir uma saraivada de balas disparadas de alguma das margens com o tarrafo bastante alto, mas eu estava bem “mentalizado” para uma reacção imediata da nossa parte. Hoje penso que tivemos muita sorte em não termos sido atacados.
Ten. Cor. Art. Sousa Teles |
Naquela altura, terei ficado um pouco desiludido já que, nessa idade somos todos um pouco loucos. Do que lembro hoje, a viagem decorreu sem qualquer incidente, com uma duração que me pareceu um eternidade, mas não foi, já que cada barco “sintex”, tinha um valente motor de 50 cavalos, com uma velocidade de cerca de 18 nós e, o percurso não teria mais que meia dúzia de km. A “escolta” do CEM/CTIG, não ultrapassaria dois Sintex com uma dúzia de militares bem equipados e com sentido de missão. Chegámos, finalmente, a Cadique e tive mais uma desilusão, o nosso destino não passava de um aquartelamento cercado de arame farpado com meia dúzia de “tabancas” em redor. O Comandante, o Tenente-coronel Sousa Teles (1), teve de um “meeting” com o meu pai, do qual recordo apenas a discussão sobre o número de rádios e outros equipamentos que o Comando do CTIG, poderia disponibilizar para esse aquartelamento. A minha impressão actual é que a visita do meu pai, o CEM/CTIG, coronel Henrique Vaz, teria também o objectivo de expressar um apoio aos militares que ali combatiam em condições adversas já que, pelo que sei hoje, Cadique era frequentemente fustigada por ataques do PAIGC. Depois de tratarem dos “negócios” militares, convidou-nos então a dar uma volta de jeep pelo exterior do quartel.
Recorte de uma imagem do mapa da Guiné, onde é
possível ver a localização do campo de aviação em Cufar, bem como o itinerário
entre o porto novo de Cufar e Cadique,
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Mais uma surpresa, naquele fim de
mundo havia uma estrada asfaltada, no meio de uma selva cerrada, que, não
acredito, levasse a lugar algum!
Ao fim de algum tempo (pouco…),
encontrámos duas mulheres negras que caminhavam na nossa direcção. O Comandante
parou o jeep e iniciou uma conversa com as mulheres numa linguagem para mim
completamente estranha. Subiu uns pontos na minha consideração, pois falava
perfeitamente o dialecto local… Impressionante! Depois de se despedir das
mulheres, virou-se para o meu pai e disse: Meu coronel os “turras” estão aqui
perto pelo que, sem escolta (só íamos os três, mas eu levava a minha G3…), não
é aconselhável ir mais além. O meu pai concordou com o oficial conhecedor da
“realidade” local e voltámos para trás.
Do regresso, nada me lembro, não me
impressionou comparado com o que tinha acabado de viver naquele local
recôndito, bonito mas perigoso.
Cadique em 2008, integrado na área do Parque Nacional
de Cantanhez.
(fotografia gentilmente cedida para este artigo pelo
ex-combatente Eduardo Campos)
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Nunca me esqueci de duas coisas desta estória, e que foram importantes na minha vida: o dilema que o meu falecido pai, coronel Henrique Gonçalves Vaz, deve ter tido para me autorizar a ir com ele e o profissionalismo daquele Comandante do mato.
Um ano após este episódio cheguei à
conclusão que a minha vocação não era a carreira militar e mudei de ramo.
(1) - Informação gentilmente dada pelo ex-combatente Eduardo Campos C. Caç 4540.
Curitiba, 30 de Janeiro de 2012
José Pedro Beleza Gonçalves Vaz
(fiho do
último CEM do CTIG na Guiné)
Vd. Post. 25 de Abril de 1974 na Guiné, na perspectiva do filho do último Chefe do Estado Maior do CTIG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz
Vd. Post. 25 de Abril de 1974 na Guiné, na perspectiva do filho do último Chefe do Estado Maior do CTIG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz
2 comentários:
Caros Camarigos:
Para "completar" no sentido de dar mais algumas informações e contextualizar esta "Estória" do meu irmão Pedro, resolvi voltar a falar com o meu irmão António (ontem), que na altura tinha quase 16 anos, que ainda não leu esta "Estória" ... e...
Disse-me logo que ele não tem duvida quanto à data, foi mesmo no período indicado, meados do mês de Dezembro de 1973, e como já me tinha dito, o nosso pai, foi lá por causa de uma operação que se ia realizar, não sabe se seria a "Op. Estrela Telúrica" ou outra, pois nessa altura não faltavam operações por todo o TO na Guiné, em que o Comando do CTIG tinha responsabilidades. E segundo o meu irmão António, tem a certeza de que a ida a Cadique se relacionava com a verificação “in loco”, se faltaria alguma coisa, para que as tropas de Cadique não sofressem ainda mais baixas do que já tinham tido até o momento. Como tal o CEM/CTIG, foi in loco, falar com o comandante de Cadique, tenente-coronel Sousa Teles pessoalmente, pois era apanágio dele, certificar-se PESSOALMENTE, que nada faltaria para as operações, que na 4ª Rep do CC, se tinha gizado para essa altura(1) . E nessa odisseia, em que o meu irmão Pedro se viu envolvido, não ficou pela narrativa que ele escreveu. Talvez por achar melhor não adiantar pormenores, de que já não se lembra com precisão,… e deu realce aquilo que o marcou para a vida, como diz no final. Mas segundo o meu irmão António, depois da visita “especial” e do “briefing” com o comandante”, o regresso a Bissau não foi assim tão pacífico como se poderia, ou não, esperar. E segundo testemunho deste meu mano, foi assim, a saber “…o Pedro e o nosso pai nessa noite não puderam regressar a Bissau (o piloto não teve condições de regressar ao aeroporto de Cufar... e houve comunicação “brava” com o piloto…, como tal tiveram de ficar (pernoitar) em Cacine ( adopção de um Plano B), num Barco da Marinha (LDG, Lanchas de Desembarque Grandes ?), e puderam durante a noite "testemunhar in loco”, algumas flagelações a Aquartelamentos na Zona.... Tendo o próprio barco feito "Fogo Amigo", como apoio de artilharia, sobre algumas zonas, onde se presumia a concentração de forças do IN. Só regressaram a Bissau no dia seguinte…”
Como se pode registar por este testemunho, este meu irmão António que dá estes pormenores lembra-se muito bem, de ir ao Aeroporto de Bissalanca, com um dos condutores do meu pai, o Djaló buscar o meu Pai e o meu irmão Pedro no dia seguinte à dita visita a Cadique, tendo esperado pelo nosso pai enquanto se reunia com alguém do Comando da Força Aérea. E lembra-se de ouvir a Estória toda da boca do mano Pedro, que a relatou numa atitude de excitação, típica de quem muito jovem, assistiu a algo deveras importante! E antes de eu enviar a “Estória” do Pedro, já me tinha dito, que “.. Luís: a visita do nosso pai a Cadique teve a ver com uma operação que se ia realizar na Zona…” Pelos vistos tinha Razão, tem Boa Memória e a “Tal Operação”, teria se calhar,… o nome de “Operação Estrela Telúrica”. Agora percebe-se melhor, porque foi nomeado CEM do CTIG, numa altura muito má para as nossas Tropas neste Teatro de Operações , por “ESCOLHA”.
Um Alfa Bravo para todos vós:
Luís G. Vaz
(1) - segundo sabemos o Coronel Henrique Vaz nisso era impecável, e não deixava essa “certificação” para nenhum dos muitos oficias do QG, pois tratava-se do seu brio profissional, e por outro lado era ele o responsável máximo, pela coordenação de todo o “Apoio Logístico e humano para apoiar estas operações”, e perante o Comandante do CTIG, se a logística dessas operações tivessem pontos fracos, era também ele o responsável, e é claro, … perante o Comandante-chefe na Guiné, seria o Comandante do CTIG o responsável. Comprovam este seu perfil, os 17 louvores (2 de ministros do Exército) que constam na sua folha de Serviços, bem com as condecorações que recebeu.
Caros amigos: o ex-combatente, Eduardo Campos, enviou-me em 31 de Janeiro, as "Preciosas Informações" sobre Cadique na Guiné, a saber:
Eduardo Campos
31 Jan
para mim
1º Estive em Cadique, nas datas mencionadas no mail anterior, acrescentando que quando cheguei a Cadique não existia aquartelamento, tendo o mesmo sido feito pela minha Companhia e outras que posteriormente chegaram ao local.
2º Lembro-me perfeitamente dessa (maldita) estrada, pois a minha Companhia foi colocada em Cadique, precisamente para fazer
protecção à Companhia de Engenharia para construção da mesma de Cadique-Jemberem (cerca de 15-16km).
3º Quanto à mata cerrada, quem esteve em Cadique infelismente conheceu-a bem.
Em 2010 estive lá, mas a estrada não existe, apenas uma pequena picada.
Do antigo aquartelamento existe poucos vestigios da nossa passagem pelo local (envio 5 fotos em anexo) a foto 8224 é antiga estrada alcatroada entrando em Cadique por Jemberem.
Se quiser contactar telefónicamente comigo aqui vai o meu contacto xxx xxx xxx
Eduardo Campos
C. Caç 4540.
Nota: Ao Eduardo Campos, com quem falei também pessoalmente pelo telefone, o meu muito obrigado.
Luís Gonçalves Vaz
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