Visitando o
meu arquivo de vários documentos recebidos relacionados com a Guerra da Guiné, reli
este com data do ano de 2007 transcrito abaixo, do António Manuel Marques Lopes, coronel DFA na situação de reforma, ex.
Alf. Milº da CART 1690, GEBA 1967 e da CCAÇ 3, BARRÔ 1968
A CART 1690 foi formada no RAL-1 Amadora
A CART 1690 foi formada no RAL-1 Amadora
De: A.
Marques Lopes
Enviado:
Terça-feira, 30 de Outubro de 2007 20:01
MORTOS EM SINCHÃ JOBEL
Por: A. M.Marques Lopes, Cor. DFA na situação de reforma
Na
CART1690 foram dados como "desaparecidos em campanha" o alferes Fernando
da Costa Fernandes, o soldado Agostinho Francisco da Câmara e o Soldado António
Domingos Gomes. Sabemos que "desaparecido" era o termo para designar,
também, aqueles cujos corpos não se recuperavam, e podemos aceitar que assim
fosse, dado que até podiam ter ficado no terreno, mas feridos.
Mas,
muito tempo depois, e acabada a guerra, regressados a casa muitos desertores e
alguns que se passaram para o outro lado (sem estar a pôr em causa as suas
razões), os nomes destes homens deviam constar da lista dos mortos em combate
na Guiné, porque assim sucedeu de facto.
O
alferes Fernando da Costa Fernandes morreu em Sinchã Jobel em 19 de Dezembro de
1967, durante a Operação Invisível. Diz quem fez o relatório desta operação: "Começou
também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes
miliciano Fernandes; verifiquei que nessa altura já o Destacamento B tinha as
seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º Cabo Sousa, da CART 1742, e
que estava a fazer fogo com a Metralhadora Ligeira MG-42, soldado Metropolitano
Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.
Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a retaguarda e quando o
puxava pelos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos
furriéis milicianos
Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos.
"Note-se
que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o
cabelo
bastante compridos (a cobrir as orelhas), facto também confirmado
pelos
já citados furriéis milicianos. Devido a tal tive que abandonar o corpo do
alferes Miliciano Fernandes e retirar."
Mas
morreu também nesta operação o soldado Vito da Silva Gonçalves, que
foi
dado como "morto em combate", porque o corpo foi recuperado. Mas
também
não vem nessa lista! E porque é que não foi dado como "desaparecido em
campanha" o soldado Metropolitano Fragata, o Manuel Fragata Francisco, que
também ficou nesta operação?
É
uma história das teias que o império tecia. Eu conto (o que também contei
em "As Duas Faces da Guerra"): ele foi crivado com uma roquetada
nessa
operação, mas vivo, e os guerrilheiros do PAIGC levaram-no numa maca,
atravessando a mata do Oio, o rio Mansoa e o rio Cacheu, até ao hospital
que servia o PAIGC em Ziguinchor, no Senegal, onde, coincidência, foi tratado
pelo doutor Pádua (actualmente no Hospital Pulido Valente, em Lisboa), que se
tinha passado para o outro lado. A PIDE sabia disso, claro. Parece lógico que
se pense que teriam feito o mesmo com o alferes Fernandes se ele tivesse ficado
vivo. Mas foi muito claro que estava morto.
O soldado Agostinho Francisco da
Câmara (e não Camará...) morreu também em Sinchã Jobel em 16 de Outubro de
1967, aquando da Operação Imparável. O mesmo relator disse assim: "O nosso
bazuqueiro (passe o termo) Soldado Agostinho Camará que estava a fazer um fogo
certeiro, foi atingido mortalmente (note-se que este L.G.F. era o único que
estava a fazer fogo). Foi o Soldado enfermeiro Alípio Parreira que se
encontrava próximo e que estava a fazer fogo com a ML MG-42 (para a qual o
referido soldado se oferecera como voluntário) pegar no LGF e continuar a fazer
fogo com ele. Nesta altura tive que pegar na MG-42 e fazer fogo com ela.
Logo
a seguir tive que me dirigir à retaguarda a fim de falar com o PCV que me chamava.
Quando regressei à frente verifiquei o já referido soldado enfermeiro
recomeçara a fazer fogo com a ML MG-42 que passado mais alguns momentos ficou
impossibilitado de fazer fogo devido a uma avaria, ao mesmo tempo que o soldado
enfermeiro e o municiador eram feridos por estilhaços."
"Atingido
mortalmente" não quererá dizer que ficou morto?... Com essa
expressão
a língua portuguesa não cometeu nenhuma traição. Ele morreu lá, de facto. Mas o
relatório desta operação diz mais à frente: "Ainda
foram abatidos a tiro de G-3 2 elementos IN um destes pretendiam agarrar
o Soldado Armindo Correia Paulino". E o soldado Armindo Correia Paulino
também lá ficou. Mas há dúvidas se ficou morto ou vivo: há quem diga
que foi agarrado e há quem diga que morreu. De qualquer modo foi considerado
como "retido pelo IN", mas não foi libertado (vejam a lista dos
que foram libertados aquando da operação "Mar Verde").
Junto-vos
um croqui do monumento que foi erigido pela CART1690 aos seus
mortos.
Foi este monumento que tanto emocionou a Diana Andringa.
3 comentários:
Agradeço isto,meu amigo. Alguns são factos que escrevi em "Cabra-cega". É bom que todos conheçam, é verdade.
Abraço
A. Marques Lopes
Neste texto desmistifica-se que nem sempre o que se escrevia nos sitreps (relatórios) enviados para o comando correspondiam à verdade.
A. Castro
Gostei dr ler,um abraço pra amigo ML...
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